Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de maio de 2014

Lore (2012): uma emocionante jornada pela vida

Denso, tenso e intenso, longa traça poderoso retrato de uma Alemanha devastada pós-Guerra sob o olhar de crianças do lado perdedor.

LoreAlemanha, 1945. Com Hitler morto, os Aliados cruzam o país após o fim da 2° Guerra Mundial e o dividem em várias zonas, uma para cada “aliado”, como em um esquartejamento de um cadáver, (quase) literalmente. Como se não bastasse, passam também a perseguir membros do Partido Nazista e todos aqueles que eventualmente tenham colaborado com o regime. O sentimento derrotista tomava conta dos alemães, que partiam em busca de sobrevivência em meio a tamanho caos.

É nesse contexto que acompanhamos Lore (Saskia Rosendahl), uma adolescente que precisa tomar conta dos irmãos mais novos quando se vê sozinha após seus pais partirem como fugitivos. A última mensagem de sua mãe é que ela tem que fugir com as crianças para a casa da sua avó, em Hamburgo. A partir de então, a menina Liesel, os gêmeos Günther e Jürgen, o bebê Peter e a própria Lore iniciam uma longa e penosa jornada pela vida, mas também de autodescobrimento, amor, amizade e família.

Assim, é interessante notar como a diretora Cate Shortland imprime um toque sensível a uma história tão densa e pesada, que em nenhum momento julga as posturas agressivas e controversas de seus personagens. Pelo contrário, vamos nos descobrindo junto com eles. O que naturalmente denota a inteligência de Shortland em sua abordagem, uma vez que todos os dramas e obstáculos colocados na história são vivenciados a partir do olhar de Lore, que precisa  superar seus demônios internos e a inocência inerente à sua idade para que possa sobreviver.

Neste sentido, a atuação de Saskia Rosendahl é absolutamente encantadora. A jovem atriz alemã de apenas 21 anos é capaz de transmitir todo o conflito interno da menina, da responsabilidade gigantesca que de repente repousa em seus ombros,  apenas com o olhar, com um gesto, em uma composição minimalista eficiente. Em uma cena já perto do final, quando sua irmã tenta animá-la em meio a tanta tristeza e destruição, a incapacidade de Lore em se adequar a qualquer divertimento depois de todo o drama vivenciado e a maneira como Rosendahl consegue transmitir isso para o espectador são extremamente tocantes, de uma beleza ímpar.

A belíssima fotografia de Adam Arkapaw, por sua vez, exerce uma papel fundamental na narrativa, apostando em uma paleta dessaturada que ilustra de maneira precisa o universo triste e frio no qual aquelas pessoas estão inseridas. Além de também equilibrar com maestria os planos fechados e cortes abruptos para passar uma sensação claustrofóbica de urgência com planos mais abertos e boa profundidade de campo, aproveitando os belos cenários que o longa proporciona, criando uma composição contrastante com a devastação do pós-Guerra sentida na pele pelas crianças.

Aliás, este é um filme que podia muito bem se encaixar como um daqueles que bebe da fonte do neorrealismo italiano de fins da década de 40. Tanto pelo estilo de filmagem, quanto pela temática. Cru e seco, o roteiro de Shortland com Robin Mukherjee a partir do romance de Rachel Seiffert traça de forma marcante o retrato de uma Alemanha arrasada após o conflito. Tudo isso, como já citado, sob o olhar de uma criança. Qualquer semelhança com o clássico “Alemanha, Ano Zero”, de Roberto Rossellini, ainda que difiram razoavelmente em termos de enredo, (não) é mera coincidência.

Desse modo, temos um longa poderoso, que desafia as noções de “bem” e “mal” por parte do espectador, do “certo” e do “errado”, estabelecendo uma tensão constante em uma trama que cresce a cada passo dado pelas crianças, atingindo seu potencial máximo no terceiro ato. Aclamado em diversas cerimônias de premiação ao redor do mundo, o longa foi escolhido como o representante da Austrália na corrida pelo 85° Oscar, mas acabou não figurando na lista final da Academia.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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