Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de fevereiro de 2013

Jorge Mautner – O Filho do Holocausto (2012): cultura, música e história

Documentário musical de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt reforça a importância do artista para a cultura brasileira.

Jorge Mautner posterPor mais que “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto” seja indissociável de uma abordagem política e social que carrega em seu título, o documentário é, acima de tudo, sobre a construção do artista, a partir do mito do herói. Baseado no livro autobiográfico homônimo, Pedro Bial e Heitor D´Alincourt passam de fãs confessos do cantor, compositor, escritor e transgressor Jorge Mautner, hoje com 72 anos, a contadores de uma história de vida que pouca gente conhece.

A obra original conta do nascimento de Mautner até os 17 anos. Ele nasceu no Brasil pouco tempo depois de seus pais fugirem do Holocausto. Criado a vida inteira por uma babá que o apresentou ao candomblé, o herói dessa história se transformou em um precursor do Tropicalismo no Brasil, contribuindo para a construção da identidade da nossa música. O documentário é feito com fontes primárias, já que os principais amigos de Mautner ainda estão vivos, com exceção de Nelson Jacobina, que faleceu ano passado, mas participou do filme.

O principal objetivo de levar a vida cativante de Mautner ao cinema é mostrar aos brasileiros a importância dele para a cultura brasileira.  Os depoimentos e as imagens raras, algumas inéditas, foram retirados da Cinemateca Brasileira e do Centro de Documentação da TV Globo (Cedoc), pela intensa pesquisa realizada por Carla Siqueira. Mas até mesmo a forma de inserir Mautner no documentário tem seus traços ficcionais, já que sua trajetória ainda é pouco conhecida ou lembrada pelos brasileiros. Isso o transforma em um personagem impossível de não se interessar.

O trabalho minucioso de pesquisa histórica, que aborda temas como o nazismo e a Mitologia do Kaos, se mistura a números musicais. É como se as canções potencializassem cada acontecimento da vida do artista. Além das entrevistas, o próprio Mautner faz uma leitura em cena da obra que inspirou o filme. Os diretores entrelaçam a narrativa de forma dinâmica, ora com leituras, ora com depoimentos, ora com músicas. Por mais que o público não conheça ou pouco tenha ouvido falar de Mautner, ouvir a trilha sonora é tão fundamental quanto conhecer o personagem.

Foram gravadas cerca de 22 músicas para compor o longa. Sucessos como “O Relógio Quebrou”, “Maracatu Atômico”, “Sapo Cururu”, “Cinco Bombas Atômicas”, “Tataraneto do Inseto” se misturam a duetos com Gilberto Gil e Caetano Veloso, como “Vampiro”, “Todo Errado” e “Rouxinol”. Aliás, um dos momentos mais marcantes do documentário é quando Mautner se reúne com Gil, Caetano e Maria Helena Guimarães, que relembram a experiência que tiveram em Londres por volta de 1970, quando decidiram filmar “O Demiúrgo”, repleto de metáforas poéticas e que não necessariamente fazia denúncias políticas escancaradas. Era um filme apenas sobre arte, música e saudades do Brasil.

Um dos grandes diferenciais do longa é a quebra da estrutura clássica do documentário, realizando jogos de cena dinâmicos e, principalmente, exuberantes. A fotografia e a direção de arte, por exemplo, foram peculiarmente pensadas para dar um ar de espetáculo musical até mesmo quando não existe trilha sonora em cena. Assim, o documentário é certamente mais uma bela contribuição para a filmografia nacional dos últimos anos.

Esse filme fez parte da programação do 9º Amazonas Film Festival, em novembro de 2012, e a crítica foi adaptado de matéria especial publicada por este autor no Jornal Diário do Nordeste.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre