Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de junho de 2011

Barton Fink: o mais autoral e pretensioso trabalho dos irmãos Coen

Há 20 anos, Joel e Ethan Coen ganhavam Cannes ao construir um delirante e sofrido mundo dos roteiristas de Hollywood.

Que vida difícil e complexa levam os roteiristas de Hollywood! Pelo menos na ficção, esses profissionais de tanta responsabilidade e tão pouco reconhecimento são donos de destinos marcados por tragédias que apenas quem escreve a própria obra é capaz de imaginar. É assim no clássico “Crepúsculo dos Deuses” (1950) e na sátira “O Jogador” (1991). Charlie Kaufman também retrata o seu universo no ótimo “Adaptação” (2002). E os irmãos Joel e Ethan Coen não poderiam deixar de falar sobre um de seus vários ofícios e o fazem neste “Barton Fink – Delírios de Hollywood”, o quarto filme da dupla e, sem dúvidas, o mais autoral e pretensioso trabalho deles até hoje.

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1991 (tendo levado também os prêmios de direção e ator – para Turturro), o filme se destaca na vasta e excelente filmografia dos cineastas. Nenhum de seus longas é tão reflexivo, representativo e simbólico, sem esquecer de incluir o humor negro “padrão Coen”, que aqui está mais afiado do que nunca. “Um Homem Sério” (2009) talvez seja a película cujo tom e proposta mais se aproximem. Mas a produção que completa 20 anos aborda uma temática que vai além do universo judaico, explorando e ironizando um mundo competitivo e de poucas liberdades e recompensas, onde tudo pode acontecer, especialmente se tudo for criação dos Coen.

O longa leva o nome de seu protagonista, um ascendente escritor teatral novaiorquino que adora falar sobre o principal objeto de suas peças: o homem comum. É 1941, e logo a repercussão de um de seus trabalhos leva-o a ser convidado para roteirizar um filme em Hollywood, cujas únicas restrições iniciais são o ator principal e o subgênero – Wallace Berry o estrelará e a luta livre deve ser o seu tema. Fink (John Turturro) hesita, mas aceita o convite, que força-o a se mudar por uns tempos para Los Angeles.

Desejando fugir do glamour, ele se hospeda em um simples hotel localizado no centro da cidade. A partir de então, uma crise de criatividade se instala, impedindo o rapaz de completar sequer uma página do roteiro. Nem mesmo a eventual apresentação a um grande escritor o ajuda. O único capaz de tirá-lo do isolamento e fazê-lo relaxar é o vizinho de quarto, o barulhento corretor de seguros Charlie Meadows (John Goodman), o mesmo que faz Barton Fink se envolver em uma série de eventos bizarros, com direito a mortes e o retorno da inspiração.

Se o bizarro destes diretores, roteiristas e editores já não costuma ter limites, tendo ocasionado uma série de comédia de erros (melhor representada por “Fargo”, de 1996), as barreiras são completamente destruídas em “Barton Fink”. Retratar a trama nos anos 40 ajuda no estranhamento, que aumenta ao conhecermos o personagem principal , que não poderia ser interpretado por qualquer outro ator senão Turturro. Com seu jeitão espalhafatoso, cujos defeitos são ressaltados pela direção (como os enormes e mal cuidados pés), Fink é um homem completamente fora do ninho, de nenhuma relação afetiva. É daqueles anti-sociais de enorme inteligência e opinião formada, mas que não consegue expressá-la pela tamanha timidez.

Os outros personagens não diferem. Desde o grande executivo do estúdio, interpretado por Michael Lerner, sempre histriônico e prestes a “explodir”, até o recepcionista e “faz-tudo” do hotel Chet (Steve Buscemi), de fala rápida, passando ainda pelos policiais investigadores dos crimes, todos guardam traços de personalidade particulares, que os fazem marcantes e reconhecíveis. O rumo da história também condiz com a característica. Assinado por Joel e Ethan Coen, o roteiro traz um grau de subjetividade e loucura que em nada deixam a dever ao que David Lynch já produziu.

A introdução e o desenvolvimento já trazem elementos e diálogos soltos de difícil compreensão. Mas é só com a chegada do ainda mais complexo desfecho que eles encontram algum sentido, dependendo das múltiplas interpretações que os irmãos Coen permitem que o espectador faça. Barton Fink, enfim, vive um conto de mistério que passa bem longe daqueles protagonizados por homens comuns, os quais gosta tanto de exaltar. E é nesta ironia que o roteiro se sustenta para satirizar a vida daqueles que o escrevem para o cinema mais rico do mundo.

A fantasia, então, encontra um pouco de realidade, que consegue ser engraçada por si só. A pressão por fazer algo que mantenha a sua liberdade editorial e, ao mesmo tempo, satisfaça os pré-requisitos do estúdio é onde o script finca suas provocações e críticas. A inclusão de um experiente escritor que deixou-se dominar pelos vícios reforça tais intenções. Elas, porém, são recheadas por um humor refinado que não tem pudor ao exibir um prédio de roteiristas, nem ao brincar sobre a possibilidade de Hollywood retratar o falado “homem comum”. “Foi uma piada”, ressalta o homem que convence Fink ao adentrar a prisão da qual jamais sairá.

Sob direção exclusiva de Joel Coen (pelo menos é o que os créditos dizem), “Barton Fink – Delírios de Hollywood” conta ainda com sequências de enorme tensão, que compensam o ritmo cadenciado da montagem e contribuem para a dubiedade e sátira deste thriller, comédia, drama (escolha como classificá-lo!). Na verdade, pouco importa quando a ousadia dá fruto a diversas boas indefinições que intrigam e, mesmo assim, ainda satisfazem os fãs de cinema.

Darlano Didimo
@rapadura

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