Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de junho de 2010

Cartas para Julieta

Começa como um promissor road movie, mas o filme transforma-se em um previsível romance que, de tão açucarado, pode fazer mal aos diabéticos.

Pegue um elenco composto por uma ascendente atriz, uma veterana super respeitada e um latino-americano não menos talentoso. Adicione um roteirista de um aclamado filme que quer trazer inspirações shakespearianas e insira tudo em uma belíssima região da Itália. Impossível dar errado, certo? Que nada! Para estragar a receita, coloque, então, um diretor medíocre e um compositor meloso, também prejudicados pela péssima fase de um de seus atores e roteirista, que no auge de sua incursão em Hollywood, não consegue controlar o açúcar em sua história. Você tem, então, “Cartas para Julieta”,  um romance de ótimas intenções, mas que, de tão previsível, não agradará nem aos mais apaixonados em Dia dos Namorados.

O filme conta parte da vida de Sophie (Amanda Seyfried), uma nova-iorquina responsável por checar informações para um jornal, mas que sonha em escrever suas próprias histórias para o periódico. Ao lado do noivo latino Victor (Gael Garcia Bernal), ela parte em uma viagem de férias para Verona, Itália, em busca de uma romântica pré-lua-de-mel e de fornecedores para o restaurante que ele abrirá nos próximos dias. É exatamente nesta cidade que a protagonista do livro mais romântico de Shakespeare foi criada e é nela também que Sophie encontra as secretárias de Julieta, um grupo de mulheres contratadas pela Prefeitura, responsáveis por manterem o mito vivo, respondendo às inúmeras cartas amorosas deixadas por moças de todos os lugares do mundo.

Do interesse sobre mais esse segredo italiano, ela acaba achando uma carta deixada há 50 anos por uma apaixonada jovem inglesa incapaz de levar seu amor além. Decide, então, respondê-la e recebe, poucos dias depois, a visita da agora velha, mas ainda esperançosa Claire (Vanessa Redgrave). Acompanhadas deCharlie (Christopher Egan), neto de Claire, elas saem em direção a Toscana em busca do encontro separado por meio século, com o amado Lorenzo. A viagem, porém, desencadeará mudanças na vida de todos eles.

“Cartas para Julieta” traz até uma primeira impressão positiva. O longa se encaminha para ser um romance, nos moldes de um road movie, mas não sobre a vida da protagonista, mas sim da coadjuvante Claire. Será a antiga paixão desta mulher que guiará toda a história do filme. Os roteiristas Jose Rivera (“Diários de Motocicleta”) e Tim Sullivan (“Por Água Abaixo”), no entanto, modificam a proposta ousada e transformam a trama em um romance simplista e recheado de clichês.

Sophie volta a ser o centro das atenções para azar dos espectadores, e um novo envolvimento amoroso é rapidamente inserido em sua trajetória. Os bons causos e reflexões repartidos pelas duas personagens principais, além de um tom sutil de comédia, são logo substituídos por rasos dilemas particulares donos de um desenvolvimento atropelado e um final lamentável. Enfim, o filme se perde pelo meio das lindas paisagens da Toscana.

Não pense, no entanto, que tudo são flores até a metade do filme. Os diálogos não são nada inspirados e os personagens masculinos  trazem na caricatura sua principal característica. Victor é um latino (sem origem específica revelada) habitante dos Estados Unidos metido a italiano que não sabe deixar de falar “incrível”. Um Gael Garcia Bernal absolutamente perdido piora ainda mais a situação. Entretanto, tudo não passa de uma preparação de terreno para que o desfecho florido dos roteiristas possa ser inserido.

Já Charlie é um mimado britânico nada cavalheiro que quer impedir a incursão da avó pela Itália. Adivinhem o que acontece depois? Pois é, a personalidade dele é “amansada” para que os iniciais desentendimentos com Sophie sejam convertidos em algo melhor. Como se não bastasse a falta de originalidade da história, o diretor Gary Winick (“De Repente 30”) é incapaz de filmá-las de uma maneira atraente. As sequências sem ritmo, além de desconstruírem o clima de romance, não conseguem nem valorizar  suas belas locações.

A estética de Winick, na verdade, dialoga com o brega, alcançando seu ápice na cena que fecha o filme. William Shakespeare ficaria bastante incomodado se soubesse que seu “Romeu e Julieta” teve uma de suas melhores sequências descaracterizadas por Hollywood. O complemento do mau gosto é fechado pela trilha sonora composta Andrea Guerra (“Nine”), que une comuns temas italianos com músicas pop americanas, fazendo-nos fechar os ouvidos quando Taylor Swift, com sua “Love Story”, que traz referências a Romeu e Julieta em sua letra, é tocada.

Vanessa Redgrave e Amanda Seyfried até que se esforçam, buscando na sensibilidade natural uma saída menos óbvia, mas nada podem fazer diante de um filme que escolhe o rumo mais fácil para dar continuidade a uma história que começa promissora. O fracasso de “Cartas para Julieta” é a prova de que não basta um ótimo elenco e renomado roteirista para fazer um longa-metragem de qualidade.

Darlano Didimo
@rapadura

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