Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de maio de 2010

Fúria de Titãs

O novo filme do diretor francês Louis Leterrier é um remake que insulta não só aos fãs do original como a inteligência de todos que o assistirem. Uma verdadeira tragédia grega!

É difícil encontrar palavras para o quanto o roteiro deste “Fúria de Titãs” é imbecil. Não há outra palavra para se falar do filme. Lógica, coerência e até mesmo respeito aos fãs do original ou à mitologia grega passam longe, muito longe desta produção. A despeito de um bom design de produção, efeitos especiais decentes e uma ou duas cenas de ação bacanas, o filme se afoga no próprio festival de idiotice.

O mais interessante é que o próprio original não é lá um grande clássico, sendo mais conhecido por ser um dos últimos filmes produzidos pelo mago da animação stop motion e rei dos monstros hollywoodianos Ray Harryhausen. Um clássico da Sessão da Tarde (ou do Cinema em Casa), o longa tem lá sua parcela de admiradores, que vão sair falando cobras e lagartos desta refilmagem, aliás.

A história básica se manteve. Perseu (Sam Worthington), filho de Zeus (Liam Neeson) com uma mortal, é enviado em uma busca para encontrar um meio de matar o monstruoso Kraken e impedir que a bela Princesa Andrômeda (Alexa Davalos) seja sacrificada para salvar sua cidade. No entanto, o filme coloca de lado os relacionamentos muito humanos entre os deuses, força-motriz do filme original, e enfia uma disputa de poder entre Zeus e seu irmão Hades (Ralph Fiennes).

Há ainda um plot sobre os deuses se alimentarem das orações humanas, algo que poderia gerar um enredo interessante se os roteiristas tivessem mais do que dois neurônios. A falta de inteligência dos escritores transborda da tela quando eles simplesmente esquecem-se de desenvolver personagens e situações para simplesmente jogá-los na tela.

Não se espante se você ficar se perguntando por que os heróis estão realizando determinada ação ou se sair do cinema sem se lembrar do nome de alguns deles. Acredite, não é sua culpa, já que o filme simplesmente vai de situação em situação, sem se preocupar em fazer qualquer ligação entre as cenas.

De herói romântico e nobre no longa de 1981, Perseu acaba se transformando em uma figura irritada, prepotente, idiota, arrogante e até incoerente. O “herói” do filme brada para quem quiser ouvir que ele quer vencer seus desafios como um humano, mas acaba aceitando presentes dos deuses em sua missão, fazendo isso somente após a morte de diversos aliados seus que tombaram justamente porque ele teimava em não suar armas divinas. Hipocrisia é um fato triste.

Para piorar, Sam Worthington, ator que costuma se sair bem no papel de herói em filmes de ação (vide “O Exterminador do Futuro – A Salvação” e “Avatar”), aparece aqui completamente nulo, com um mau humor de fazer Russell Crowe parecer Jim Carrey. A presença e o carisma do ator podem ser resumidos no momento em que ele, se referindo à Medusa, brada para seus companheiros “Não olhem nos olhos da vadia!“. Hum, nunca soube que heróis gregos falassem assim…

Sobra para o eficiente Mads Mikkelsen criar o único herói tridimensional do filme, o guerreiro Draco, o único na fita que tem reais motivos para amaldiçoar os deuses, mas que é pragmático o bastante para reconhecer a importância das divindades. Pena que o ator apareça tão pouco na tela.

Ao inserirem a feiticeira Io (Gemma Arterton) na trama como interesse amoroso de Perseu, o filme retira qualquer elo entre nós e Andrômeda. Ora, no original, conhecemos a princesa e, juntamente de Perseu, nos apaixonamos por ela, tornando válida a busca por encontrar um modo de salvar a cidade sem sacrificar a donzela. Aqui, por mais que o texto tente transformá-la em uma Princesa Diana da Grécia Antiga, ficamos a pensar “por que não a matam e acabam com a questão?”.

Não que Io seja a pior coisa do filme. A bela Gemma Arterton, aliás, é uma ótima visão. Mas o fato é que o romance entre ela e Perseu é forçado ao extremo, não existe química entre ela e Worthington e não ajuda muito o caso da personagem o fato dela se transformar no primeiro registro de “Deus SEX machina” da história do cinema. Não estou brincando, em determinado ponto do filme, Zeus a entrega como companhia de Perseu porque este tem de provar que é filho do galanteador Rei do Olímpio!

Alguém me explique o que Liam Neeson e de Ralph Fiennes fazem nesta bomba. Neeson até que não passa muita vergonha, tendo apenas uma atuação burocrática, trabalhando no piloto automático como alguém que está apenas pagando o aluguel do mês. Já Fiennes tem uma atuação desastrosa como Hades, uma figura sem qualquer profundidade, retratando o deus dos mortos como um corcunda com uma voz simplesmente inexplicável. Horrível!

Há ainda uma ponta ínfima de Danny Huston como Poseidon, e alguém se dizendo Apolo, mas a participação dos dois é tão pequena que duvidei se tratarem dos deuses do Mar e do Sol. Para completar o show de horrores, há uma dupla de inexplicáveis alívios cômicos que surgem do nada e desaparecem como se nunca houvessem existido. Demonstrando ainda um apurado bom-senso, os roteiristas ainda trazem para a trama um Djinn, criaturas do folclore do Oriente Médio cujo único propósito na trama é servir de HOMEM-BOMBA.

Louis Leterrier até que se sai bem nas cenas de ação, criando sequências de batalha interessantes e ágeis, mas colocadas de modo tão tosco dentro da trama que simplesmente saltam aos olhos ao invés de se integrarem de maneira orgânica a esta. As lutas contra os escorpiões e a Medusa são eficientes em si, mas o clímax do filme é simplesmente ridículo.

Fãs de “Os Cavaleiros do Zodíaco” notarão que o visual das armaduras dos deuses é nitidamente baseado nas vestimentas de batalha dos heróis daquele anime, sendo uma boa sacada no desenho de produção. Já os fãs do filme original vão amaldiçoar os responsáveis pelo longa por conta de uma cena que demonstra muito bem o respeito dos produtores pela fita realizada por Harryhausen e sua equipe.

Arrastada e sem sentido algum, esta produção com intermináveis duas horas de duração é uma verdadeira tragédia grega de tão ruim!

P.S.: Resolvi comentar o 3D do filme após a crítica pelo fato de que tais efeitos são basicamente inexistentes no longa. O espectador não perceberá nenhuma diferença em relação à versão 2D, a não ser no custo dos ingressos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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