Bonito de se ver, mas chato de se acompanhar. Esse é o resultado da versão de Tim Burton, que pode ser um colírio, mas é também um tremendo sonífero.
Tim Burton e a obra máxima de Lewis Carroll pareciam ter nascido um para o outro. O visual, ao mesmo tempo assustador, sombrio e encantador que Burton imprime a seus filmes, e o espírito anárquico e assombroso das aventuras de “Alice no País das Maravilhas” e “Alice Através do Espelho” tinham o potencial de render um filme que conquistaria os corações de multidões. Mas não foi bem assim.
Ao lado da roteirista Linda Woolverton, Burton lança esta sua versão da fantasia, misturando detalhes e personagens do livro homônimo e de sua continuação. Ao mesmo tempo uma sequência e uma releitura, o filme falha justamente em transportar o espectador para aquele mundo, simplesmente mostrando imagens ao público sem que haja qualquer investimento emocional no que está sendo visto.
A história mostra Alice (Mia Wasikowska) como uma jovem de 19 anos com um pensamento bem mais progressista que o desejado para uma garota da metade do século XIX. Para ela, todas as suas aventuras no País das Maravilhas foram apenas angustiantes sonhos e pesadelos de sua infância. Com o falecimento de seu pai, único em sua família que via o valor do pensamento imaginativo, a menina está prestes a ser pedida em casamento por um nobre ridiculamente chato.
Em pânico, Alice acaba seguindo um coelho de casaco e indo parar no País das Maravilhas (ou “Mundo Subterrâneo”, como é chamado nessa versão), que está sob o jugo da tirânica Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) e de seu “fiel” escudeiro Valete (Crispin Glover). Encontrando figuras como o Chapeleiro (Johnny Depp), a lagarta Absolom (voz de Alan Rickman) e o Gato (voz de Stephen Fry), Alice está predestinada a ajudar os moradores locais a destronarem a vilã e devolverem o comando do reino à etérea Rainha Branca (Anne Hathaway).
Misturando elementos visuais das adaptações cinematográficas de “As Crônicas de Nárnia” e “O Senhor dos Anéis” (com Burton praticamente copiando e colando uma sequência inteira de “O Retorno do Rei”), parece que o cineasta e a roteirista tentaram colocar um quê de fantasia épica em um mundo onde esse tipo de trama se mostraria não apenas desnecessária, mas deslocada, gerando uma sensação de estranhamento para boa parte do público.
Alice acaba sendo retratada como mais uma “escolhida” do cinema, com direito a uma espada que apenas ela poderia empunhar, no melhor estilo Rei Arthur. Mas nem mesmo como aventura o filme consegue empolgar, haja vista que o público simplesmente não consegue sentir o mínimo de empatia por Alice.
Não que a personagem seja detestável ou algo assim. A questão é que ela simplesmente não reage a nada, se mostrando exageradamente apática. Não há emoção vinda de Wasikowska em momento algum da projeção, implicando em uma falta de investimento sentimental do público em sua protagonista. Na animação de 1951, sentíamos o medo de Alice e seu assombro por estar naquele mundo estranho a todo o momento. Nesse novo filme… nada!
Resta então aos coadjuvantes tentarem conquistar o público e até que há certo sucesso nisso, ao menos quando estão em tela. Johnny Depp cativa como o Chapeleiro, com sua caracterização acertada do personagem, tanto no visual quanto no tom de sua interpretação, chegando até mesmo a acrescentar uma melancolia à loucura deste. Mas não se iludam: ao contrário do indicado em quase todas as peças promocionais do filme, o Chapeleiro aparece relativamente pouco na fita, sendo realmente um coadjuvante. O que é uma pena, já que Depp é uma das melhores coisas da película.
O outro ponto forte do elenco é Helena Bonham Carter, divertidíssima como a carismática Rainha Vermelha, cuja tirania é justificada por sua carência afetiva. A química da atriz com o sempre eficiente Crispin Glover é ótima e gera bons momentos. Já Anne Hathaway está excessivamente afetada como a Rainha Branca, causando mais espanto do que qualquer outra coisa.
Quanto aos demais personagens clássicos dos livros, o filme trata de mostrar praticamente todos, mas alguns aparecem tão rápido que acabam não tendo função nenhuma na trama, tratando-se mais de pontas glorificadas repletas de efeitos do que participações efetivas.
O visual da fita realmente é o que rouba a cena a cada momento. Cenografia, figurino, a própria direção de arte, efeitos especiais são absolutamente perfeitos, com o senso estético de Burton e sua equipe realmente capturando o tom certo para retratar esse mundo fantasioso.
A própria fotografia do longa, comandada por Dariusz Wolski, é impecável, se adaptando a cada um dos ambientes da produção de modo diverso e imaginativo. As cópias 3D acabam por tornar ainda mais efetivos tais acertos visuais, envolvendo o público nesses elementos plásticos fascinantes.
É uma pena que não haja uma imersão emocional do público na fita, que passa morosa e sem conflitos. Isso se reflete na montagem excessivamente lenta de Chris Lebenzon, amplificando o tédio do público. Restou para Danny Elfman, um dos colaboradores mais antigos de Burton, a missão de tentar colocar alguma emoção no filme por meio da trilha sonora, mas era tarde demais. É uma pena que um dos longas mais esperados do ano tenha se convertido em uma das grandes decepções de 2010. Bonitinho, mas ordinário.