Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 19 de novembro de 2008

REC (2007): um novo clássico do cinema de terror

Mais intimista - e aterrorizante - que "Cloverfield", o espanhol "[REC]" mostra que não é necessário um orçamento gigantesco, grandes nomes no elenco ou mesmo uma grande produção de marketing para assustar verdadeiramente o espectador.

Não existem muitos segredos para um bom filme de terror. Personagens carismáticos, situações tensas e uma boa dose de sangue, com algumas poucas cenas engraçadas bem colocadas para quebrar a tensão em alguns pontos e voilá. Alguns filmes acrescentam ainda uma boa dose de criatividade para engrossar o caldo e se saem muito bem. Outros tentam inventar moda demais e se tornam verdadeiros fracassos. Este último, definitivamente, não é o caso deste interessantíssimo “[REC]”, fita espanhola que chega para movimentar o quase-morto mundo das películas assustadoras.

A história do filme é bastante simples. A bela e animada repórter Angela (Manuela Velasco) e seu câmera-man Pablo (Pablo Rosso) estão filmando um programa intitulado “Enquanto Você Dorme” para uma emissora local. Mostrando os bastidores de um quartel do Corpo de Bombeiros, a reportagem caminhava para uma edição chata, já que a noite estava tranqüila, com nenhuma ocorrência sendo esperada para as próximas horas. No entanto, um chamado de resgate em um prédio trará mais emoção do que aqueles personagens podem estar prontos a enfrentar, quando uma misteriosa infecção passa a atormentar os moradores daquele lugar, obrigando as autoridades locais a selar o prédio, com os residentes, dois policiais e dois bombeiros presos e sujeitos a uma ameaça mortal.

O longa é todo mostrado através de planos subjetivos, “filmados” pela câmera de Pablo. Ao contrário de “Cloverfield”, onde a experiência era permeada por efeitos visuais, temos em “[REC]” algo bem mais cru e visceral, lembrando mais “A Bruxa de Blair”. Porém, se o longa americano era repleto de momentos morosos e chatos, esta fita espanhola prende o espectador à cadeira durante toda a projeção. Grande parte do impacto deve-se ao fato daquelas figuras em cena serem extremamente carismáticas, com cada uma tendo características bem definidas, algo que permite que os personagens sejam algo mais do que “a próxima vítima” aos olhos do espectador.

O grande destaque no elenco vai mesmo para Manuela Velasco, que vive a protagonista Angela. Apesar de a câmera estar nas mãos de Pablo, a história é contada do ponto de vista narrativo dela, fazendo com que seja pela repórter quem mais tememos durante o desenrolar do filme. Amenidades da personagem, como estar bem posicionada para uma entrevista ou jogar basquete com os bombeiros nos permitem conhecer bem Angela e respeitar sua ambição profissional e curiosidade jornalística quando ela pede ao seu câmera-man que “não pare de filmar de jeito nenhum”.

Tal característica, se introduzida de maneira errada, faria com que o público antipatizasse com a figura central do projeto, algo que seria catastrófico, já que Angela está em cena em quase todos os momentos da projeção. A beleza e a simpatia natural da atriz fazem com que a personagem ganhe o espectador de pronto.

No entanto, não é só Velasco que se destaca no elenco. Há de se falar ainda de Jorge Serrano, vivendo um jovem policial que fica preso entre sua inexperiência, autoridade e o pânico da situação presente; Ferran Terraza, interpretando o corajoso bombeiro Manu e, roubando diversas cenas, o ator argentino Carlos Lasarte, cujo depoimento à câmera de Pablo resulta em uma das cenas mais marcantes do ano com a hipocrisia do personagem, se mostrando extremamente preconceituoso sendo ele mesmo parte de uma minoria, é flagrante e diverte por sua ironia.

Os diretores Jaume Balagueró e Paco Plaza (que escreveram o roteiro da fita ao lado de Luis Berdejo) criaram um clima crescente de terror e suspense na fita, começando devagar ao introduzir os personagens, elevando a tensão aos poucos, até chegarem a um clima de pânico praticamente palatável. Este crescendo é absolutamente primordial, com o terror atingindo seu ápice em uma arrepiante seqüência final, que só peca pelo seu excesso de didatismo nos momentos que a precedem. Fora este pequeno deslize, os diretores estão de parabéns por compreenderem exatamente a dinâmica de um filme deste gênero.

Além disso, os realizadores tiveram a sorte de contar com um talentoso diretor de fotografia. Pablo Rosso – não por acaso creditado como intérprete do câmera-man de Angela – fez um trabalho exemplar na cinematografia do longa. A granulação nas imagens, além de trazer um senso de filme comum, ainda coloca (literalmente) na tela um sentido de inquietação. Além disso, as seqüências em locais menos iluminados são extremamente tensas graças ao que não vemos, com Rosso e os diretores compreendendo que aquilo que não é visto possui um poder extremamente intenso. Além disso, o trabalho dele na já citada cena final é embasbacante, trabalhando com um efeito extremamente comum e, por isso, bastante real.

Sem sombra de dúvidas, “[REC]” é o melhor exemplar do gênero “terror” lançado nos cinemas nos últimos anos, fazendo isto sem ser uma mega-produção hollywoodiana, não tendo grandes astros em seu elenco ou cenas com efeitos especiais mirabolantes, contando apenas com aqueles ingredientes citados lá no primeiro parágrafo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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