Cinema com Rapadura

Entrevistas   sábado, 21 de novembro de 2020

Ludwig Goransson e TENET – como ele compôs uma trilha sonora invertida e a inspiração por trás dos principais temas

O Cinema Com Rapadura teve a chance de conversar com o compositor oscarizado sobre a trilha do novo filme de Christopher Nolan.

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Quanto “Tenet”, o novo filme de Christopher Nolan, foi anunciado em 2019, logo descobrimos que a trilha sonora seria feita por Ludwig Goransson, vencedor do Oscar por “Pantera Negra”. A notícia caiu como surpresa para muitos, já que Nolan mantém uma parceria com Hans Zimmer desde “Batman Begins”. No entanto, Goransson se provaria não só uma escolha inteligente para o projeto, mas uma essencial. A trilha de “Tenet” é um dos principais componentes do filme, e é o que leva à maestria visual de Nolan a outro nível.

O Cinema Com Rapadura teve a chance de conversar com Goransson, uma oportunidade exclusiva concedida pela Warner Bros. Pictures, e pude falar com o compositor sobre todo o incrível processo de escrever uma trilha como esta.

Para Ludwig, só a chance de trabalhar com Nolan já valeria à pena:

“A chance de trabalhar com Christopher Nolan foi uma experiência única de vida para mim, poder espiar por trás da cortina e ver como ele faz o que faz. Sempre fui inspirado por seus filmes e pelo que ele e Hans Zimmer fizeram juntos, eles foram uma grande inspiração para mim crescendo em minha carreira. Então, ter a oportunidade de trabalhar com ele, ver como ele cria, ver como ele faz sua arte, foi muito emocionante para mim. ”

Seria impossível se juntar a um filme de Christopher Nolan sem o peso do que o cineasta e Hans Zimmer têm feito desde 2005. A dupla trabalhou em seis filmes juntos – a trilogia de Batman, “A Origem”, “Interestelar” e “Dunkirk”. Mas Ludwig não é um novato na indústria, na verdade ele é nome do momento. Além de ter vencido o Oscar pela trilha de “Pantera Negra”, o compositor também trabalhou nos dois filmes de “Creed”, e é responsável por “The Mandalorian”, a série live-action de “Star Wars”.

Nolan reconheceu o talento em Goransson, e o trabalho começou bem cedo:

“Quando começamos a trabalhar juntos, ele me fez escrever a trilha sonora muito cedo, 3 ou 4 meses antes de começar a gravar o filme. Então eu li o roteiro e tivemos uma longa conversa sobre, e ele imediatamente me perguntou se eu queria começar a escrever. Então comecei a escrever músicas com base no roteiro. E passei cerca de 3 meses escrevendo cerca de 2/3 horas de música. Eles filmaram em todo o mundo, em 7 países diferentes. E ele tinha 10 CDs com a minha música. Então eles ouviram muita música enquanto estavam filmando. Na verdade, não CDs, ele já estava usando o iPod de primeira geração”.

O álbum oficial de “Tenet” foi lançado em 3 de setembro, junto à estreia do filme em vários países ao redor do mundo. Com 17 faixas, uma música original e 2 faixas bônus (recentemente adicionadas), o conjunto conta com uma riqueza de temas. Mas nessa intensa jornada, qual foi o primeiro tema, a primeira ideia inspirada pela complicada história de “Tenet”?

“Uma das coisas que mais me chamaram a atenção no roteiro foi imaginar o tema da natureza daqueles moinhos de vento. Quando eles estavam nesses parques eólicos, e nos barcos, porque eu sou da Suécia, e eles filmaram na Dinamarca, então eu sempre tive curiosidade sobre esses parques eólicos, porque parece tão incrível. Então, naturalmente, essa foi uma das primeiras coisas que chamou minha atenção ao ler o roteiro. Então eu tive uma ideia, eu e Chris, se tivéssemos uma música que soasse como o vento. Então, você sabe quando você é criança e uma das primeiras maneiras de criar música quando éramos criança, ou pelo menos quando eu cresci, era ouvir rádio, ou um CD, e brincar com o botão de volume, para cima e para baixo, então eu pensei que isso é o que é tão divertido, e uma das primeiras maneiras de criar música quando criança. Essa tecnologia está meio perdida agora, não temos mais os botões de volume. Então pensei que poderia brincar com aquele som por um tempo. Se você controlar o volume para cima e para baixo, e inverter o som, não dá para saber se está para trás ou para frente. Então, uma das primeiras coisas que fiz foi criar o tema do Neil. O que é muito bom com a maneira como ele se move no tempo, você não tem certeza de como ele se move no tempo quando assiste o filme pela primeira vez”.

Neil, interpretado por Robert Pattinson, é um dos pontos altos do filme, e o tema acima surge justamente quando o personagem é apresentado ao Protagonista de John David Washington. Assistindo ao longa, a música realmente chama atenção, como se estivesse dizendo algo ao público, algo que não sabemos, e talvez não precisamos saber. Intrigada pelo significado do tema, perguntei se Nolan havia dito algo sobre o personagem que tivesse ajudado Ludwig a chegar ao resultado final.

“Sim, absolutamente. Há muitas coisas que não sabemos e muitas coisas que não precisamos saber. Uma das coisas que foi tão interessante quando escrevi essa música é que era assim que eu via o filme, eu não tinha a intenção de que fosse o tema de Neil. Então, quando Chris teve essa ideia, que esse fosse o tema de Neil e sua amizade [com o Protagonista], fiquei um pouco surpreso no início. Mas então quando vi as filmagens, realmente entendi o que ele quis dizer e por que funcionava. Existem tantos níveis, e a única maneira de aprender mais sobre isso é assistindo ao filme várias vezes”.

Não dá para especular mais em cima de Neil, e o que o uso de seu tema poderia significar, sem entrar em spoilers, mas ainda intrigada, disse ao compositor que poderia jurar que ouvi notas da faixa Betrayal na segunda metade de Meeting Neil (quem sabe onde Betrayal se encaixa deve entender melhor a consideração), no que Goransson respondeu:

“Tudo está mais ou menos conectado na música. Há momentos em que tudo está sendo tocado um em cima do outro, entrando e saindo um do outro. Então, há muito o que analisar sobre isso”.

Citei meu podcast Janela Sonora, e como estou animada para dissecar os temas de “Tenet” nele, e Ludwig mandou um “Estou animado para ouvir sua análise da trilha” – então Ludwig, sinta-se convidado para participar!

Um dos elementos mais importantes da trilha de “Tenet”, e do próprio filme, é a inversão. Em vários momentos a música passa a sensação de estar “voltando no tempo”, como uma fita sendo rebobinada, e existem momentos em que não sabemos se a música está indo para frente ou para trás. Sobre o processo de conseguir passar essa ideia, Goransson explicou:

“Foi só com experimentação. Foi muito encorajador experimentar as novas técnicas de gravação de música e gravação de músicos. Tive que apagar o máximo que pude de como normalmente gravo música. Eu queria reverter a entropia do instrumento. E experimentar com assinaturas de tempo, para aumentar a sensação dessa inversão. Sabe quando você vê o Protagonista pisando em uma poça d’água ao contrário? Foi onde muitas das músicas foram encontradas. Então, tive que tentar métodos completamente novos e fazer as coisas parecerem invertidas. Gravei percussionistas, fiz com que tocassem o ritmo principal do tema, gravei e inverti a gravação no meu computador. Então toquei para os músicos e pedi que emulassem a gravação, a gravação invertida. Foi muito difícil para eles, mas eles eram muito bons, então chegaram bem perto. Então eu os gravei e reverti a gravação novamente no meu computador”.

Já estão perdidos? Esta é basicamente a sensação de assistir “Tenet”, e eu amo.

Por fim, falemos sobre o Protagonista. O personagem sem nome de John David Washington lidera o filme com toda a pompa e habilidade que se espera de um agente secreto, ao mesmo tempo subvertendo expectativas do que se espera de uma personagem como esse. Sua presença e carisma são inquestionáveis, e no ator, Nolan encontrou um Protagonista perfeito. Assim, seu tema tinha que refletir tudo que Washington trazia ao papel. Ouvimos duas partes do tema do Protagonista em diferentes momentos do filme, e, concordando com esta análise, Ludwig explica o pensamento por trás da escolha:

“A maneira como John David se move, quando vi aquela primeira cena, o prólogo, quando ele está correndo no cerco, o ataque terrorista na Opera House. Quando eu vi a maneira como ele estava se movendo, como ele estava correndo, foi extremamente rítmico, como um atleta, daquele jeito que ele estava se movendo, não é dança, mas a força dele, então foi muito bonito e inspirador para mim. Então, o ritmo da música foi muito inspirado nisso. Então, sim, foi uma boa análise, há duas maneiras de seguir o tema do Protagonista. Uma são as cinco notas da guitarra, que é o que você ouve pela primeira vez [em Rainy Night in Tallinn]. E há a versão mais lenta, onde há uma variação diferente do tema, uma versão mais longa [em The Protagonist]. Para mim, é como se seu eu do futuro estivesse falando consigo mesmo, guiando-o”.

Embora o trabalho em compor a trilha de “Tenet” tenha começado desde antes das filmagens, o processo de gravação com a orquestra aconteceu já durante a pandemia, o que trouxe um componente a mais de dificuldade a uma obra já complicada. Mas Ludwig Goransson e toda a equipe por trás deste trabalho conseguiram um verdadeiro feito, em uma trilha que pode marcar a segunda indicação ao Oscar do compositor – dedos cruzados.

“Tenet” está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Louise Alves
@louisemtm

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