Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de outubro de 2009

Tá Chovendo Hamburguer

Responsável por “O Bicho Vai Pegar” e “Tá Dando Onda”, a Sony Pictures Animation segue a maré dos estúdios de animação e lança seu primeiro filme em formato 3-D. Imenso sucesso de público nos Estados Unidos, “Tá Chovendo Hambúrguer” chega ao Brasil para agradar tanto crianças como adultos com sua história recheada de exageros, humor e muita, muita comida.

“Tá Chovendo Hambúrguer” agrada porque difere do atual estilo de se fazer animação. Sua megalomania e loucura já podem ser antecipadas pelo nome do filme, mas não param por aí. Se com a Dreamworks a audiência se acostumou com produções no formato padrão, como “Madagascar” e “Kung Fu Panda” e com a Pixar pudemos conferir uma mistura de clássico e moderno, como “Procurando Nemo” e “Wall-E”, a Sony Pictures presenteia o público com um longa-metragem que desrespeita todas as regras básicas das animações, principalmente em relação ao roteiro. Se há um filme ao qual “Tá Chovendo Hambúrguer” pode ser comparado, este é “Os Sem-Floresta”, subtraindo apenas a sátira e triplicando em insanidade.

Baseada no livro de Jud e John Barrett, a trama é centrada na história de Flint Lockwood, um nerd metido a cientista que desde criança ficou conhecido por suas invenções esdrúxulas. De um sapato fixo sem cadarços a uma televisão temperamental, as criações de Flint nunca convencem a população de uma pequena ilha do pacífico. Movida pela venda de sardinha, a economia do local precisa de outros produtos para ser aquecida. E é pensando em uma saída para esse entrave que o cientista dá fruto a mais pretensiosa de suas invenções, uma máquina que transforma água em comida.

No entanto, durante a inauguração de mais uma atração turística movida a sardinha na cidade, um acidente leva a máquina de Flint para a estratosfera. O fracasso parece mais uma vez ser o seu destino, até que uma chuva de hambúrguer começa. A população adora o fenômeno inédito e encomenda para Flint mais algumas precipitações especiais. Jujuba, bife e sorvete estão entre os inúmeros alimentos requisitados. O boato se espalha pelo mundo, trazendo turistas de todos os cantos. Entretanto, à medida que os pedidos da “clientela” são atendidos, as comidas vão aumentando de tamanho, ameaçando a vida das pessoas. Cabe a Flint, acompanhado da repórter do tempo Sam Sparks, impedir que uma tempestade de “junk food” aconteça e destrua o mundo.

A sinopse de “Tá Chovendo Hambúrguer” confirma que o filme é uma grande brincadeira. Os roteiristas e diretores de primeira viagem Phil Lord e Chris Miller dão asas enormes à imaginação. Quem não gostaria de deslizar em imensos blocos de sorvete pela cidade, brincar dentro de uma gelatina gigante ou ir a um restaurante sem teto em que a comida cai do céu? Se a sua resposta é não, passe longe deste filme. A película é feita para aqueles que ainda guardam dentro de si um pouco da ingenuidade que apenas a infância é capaz de fazer nascer. Para as crianças, a fita é definitivamente (com um trocadilho infame) um prato cheio, e aos mais velhos pode funcionar, desde que deixem a rabugice de lado.

Não espere deste filme uma história inteligente e tocante, pois a função dele não é esta. Os personagens são rasos, o relacionamento entre eles não é bem desenvolvido e o desfecho nunca tenta resolver os furos que são deixados ao longo da produção. No entanto, diverte mais que qualquer outra animação lançada nos cinemas este ano. O humor introduzido pela dupla de roteiristas aposta sempre nos exageros e em situações originais. O fiel escudeiro de Flint, o macaco falante Steve, é um desses grandes expoentes. Ele não agrada na primeira parte porque é difícil entender o seu propósito, mas ao final da película percebemos que o personagem não tem comprometimento algum com um mínimo de sentido que seja. Ele é o que muitos chamam de “sem noção”.

A mesma característica é inserida em outros dois personagens coadjuvantes, o prefeito Shelbourne e Baby Brent. O primeiro deveria ser o vilão da trama, mas como estamos diante de uma grande brincadeira, ele se transforma em algo bizarro depois, digamos, que o seu estômago se expande. Já para os personagens principais, Lord e Miller apostam no carisma. Flint sabe de sua condição de cientista maluco da cidade, mas mesmo assim continua criando sem se incomodar. A estagiária de Jornalismo Sam Sparks, que parte para a ilha para cobrir algo inicialmente irrelevante, é outra que consegue facilmente uma empatia com o público, com sua personalidade despojada e desastrada. Temos ainda o pai de Flint, Tim Lockwood, cujas brigas com o filho sempre rendem metáforas engraças de pescador, sem falar nas poucas vezes que levanta suas enormes sobrancelhas.

Tecnicamente o filme também não deve muito às outras produções do gênero, em especial das líderes do mercado Pixar e Dreamworks. Em uma das cenas sem personagens do longa, avista-se o porto da ilha, e a impressão é de se estar diante de uma tomada real da localidade, dado a sua perfeição técnica. As chuvas de alimentos são de uma beleza estonteante, com destaque para a de jujuba e a de sorvete. E o que dizer das catástrofes que ocorrem em Paris, Londes e na Muralha da China, que rendem uma das sequências mais cômicas da obra? Elas são lindas e de um senso de humor refinado.

“Tá Chovendo Hambúrguer”, enfim, é daquelas animações que mexem com o imaginário infantil da melhor forma possível. Tirando risadas de exageros milimetricamente calculados, o filme também deve ser sucesso de público por aqui, levando crianças, adolescentes e adultos para curtir uma hora e meia de pura diversão. Mesmo não podendo ser levado a sério pelo seu caráter brincalhão, o longa pode ser considerado um forte concorrente para conseguir um vaga na categoria de melhor animação no Oscar 2010, e se duvidar, travar um belo embate com os favoritos “Up – Altas Aventuras” e “Coraline e o Mundo Secreto”.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre