Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de agosto de 2009

Amantes

Depois de dirigir e escrever o mediano policial "Os Donos da Noite", James Gray tomou um rumo um pouco diferente nesta sua nova colaboração com o ator Joaquin Phoenix, com este belo e triste "Amantes", um longa que mostra quão melancólico pode ser essa coisa chamada "amor".

A despeito de sua simplicidade temática, "Amantes" é um filme sobre a fragilidade dos relacionamentos humanos e a necessidade de nos ligar a outra pessoa, mesmo que nossa companhia não seja a que ansiamos. Escrito pelo próprio James Gray em colaboração com Ric Menello, a trama gira em torno de Leonard (Joaquin Phoenix), um rapaz que sofre de transtorno bipolar que, após uma separação turbulenta de sua noiva, tentou o suicídio e agora vive com seus amorosos pais.

Estes, por sua vez, estão tentando aproximar o rapaz de Sandra (Vinessa Shaw), a delicada filha de um empresário que está para incorporar a empresa de lavanderia da família de Leonard. No entanto, ele está perdidamente apaixonado por Michelle (Gwyneth Paltrow), sua linda vizinha, que enfrentou problemas com drogas e mantém um caso com seu chefe, um homem casado e com família. A partir deste emaranhado, vemos Leonard tentando recuperar sua felicidade, enquanto tenta desesperadamente se agarrar à possibilidade de amar novamente.

Gray trata seus personagens como pessoas reais, não meras caricaturas. Mostrando a força que havia demonstrado na primeira parte de "Os Donos da Noite", o cineasta jamais trata com glamour a condição de seu protagonista. Leonard é um homem extremamente solitário e tal solidão desperta (ou maximiza) seus problemas psicológicos. Quando Sandra aparece em sua vida, ela surge como uma salva-vidas, alguém que pode resgatá-lo de seu estado depressivo.

Sua relação com Michelle é diferente. No início, ele se sente atraído por sua beleza para, aos poucos, perceber que ela tem tantos problemas quanto ele. A combinação de sua beleza e tendência para precisar ser salva acaba fazendo com que ela se torne, do ponto de vista do protagonista, a mulher ideal. Quanto mais complicada a situação de Michelle, mais Leonard se sente apaixonado por ela. Enquanto isso, Sandra mais parece para o protagonista um convite para uma vida comum e, principalmente, um lembrete de sua própria fragilidade.

Joaquin Phoenix mostra todo o seu talento como Leonard. Se abrindo totalmente para o público – que acompanha a história seguindo o personagem -, o ator consegue retratar os dois lados deste problemático homem. Ao lado de Sandra, ele age mais como ele mesmo, sendo mais frágil e sincero. Já quando está com Michelle, o vemos fingindo ter uma força a qual sabemos que ele não possui.

Phoenix, como o centro de todo o filme, tem um trabalho complicado, já que seria fácil transformar Leonard em um alguém detestável por conta de suas atitudes. No entanto, dada a fragilidade a qual ele concede ao personagem, dando-lhe trejeitos e até tiques por conta de sua doença, passamos a nos compadecer e até a nos identificar com ele, mostrado apenas como um homem tentando ser feliz e totalmente consciente dos efeitos negativos que tal busca pode proporcionar àqueles ao seu redor.

Gwyneth Paltrow vive uma personagem que pode ser considerada a mais negativa em cena. Michelle é uma mulher com diversos problemas pessoais, tendo um caso com um homem casado e "usando" Leonard como um escudo emocional, mesmo sabendo dos sentimentos dele por ela. Sua atitude no final do filme não surge como uma surpresa, fazendo até um paralelo com as ações do próprio personagem principal naquele ponto.

Por sua vez, Vinessa Shaw encarna Sandra com uma encantadora doçura, totalmente condizente com a personagem. Bela e ao mesmo tempo bondosa, ela enxerga Leonard como ele realmente é, uma pessoa quebrada, mas que é fundamentalmente decente. Vale ainda ressaltar a boa participação da sumida Isabella Rossellini como Ruth, a amorosa mãe de Leonard, dando um susto naqueles que ainda tinham na memória sua figura em "Veludo Azul".

O visual do filme é de uma beleza "real". Do mesmo jeito que seus personagens são tratados como seres humanos, a Nova York representada no filme também não parece a megalópole idealizada dos filmes de Woody Allen, mas como uma cidade comum, por vezes suja e até feia, remetendo à estética adotada pelo diretor em "Os Donos da Noite", principalmente na fotografia mais "pesada" adotada pelo cinematógrafo Joaquín Baca-Asay, não por acaso diretor de fotografia daquele longa. A fita ainda possui uma ótima edição, que ajuda no envolvimento do espectador com a história.

"Amantes" pode não possuir o mais surpreendente dos finais, embora não deixe de possuir uma conclusão forte e melancólica. Mas é de uma maneira realista que James Gray resolveu encarar o romance, mostrando que nem sempre as histórias terminam com um “… e eles viveram felizes para sempre".

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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