Com boas atuações e uma trama recheada de clichês de terror americano, a produção, no entanto, não deve abalar as intenções de algumas famílias em adotar uma criança de idade mais avançada, nem mesmo se ela se chamar Esther.
O lançamento de “A Órfã” nos Estados Unidos provocou o repúdio de alguns orfanatos do país. As instituições não gostaram da maneira como o filme mostrou como a adoção pode trazer males terríveis para uma família. Eles planejaram até um boicote ao filme, sem saber que atitudes como essa funcionam contrariamente, trazendo o público curioso para a sala de cinema. A ação dos orfanatos, entretanto, deve ser louvada, porque realmente não vale a pena sair de casa para conferir uma película de terror em que contamos nos dedos de apenas uma mão os sustos que tomamos.
A película conta a história de Kate (Vera Farmiga), uma mulher perseguida pelos pesadelos e as péssimas memórias que a perda de uma filha durante a gestação lhe causou. A morte do feto afetou também a vida de seu marido, John (Peter Sarsgaard), e juntos eles decidem adotar uma criança, já perto dos dez anos de idade, para fazer companhia para os seus outros dois filhos, Daniel (Jimmy Bennet) e Maxine (Aryanna Engineer). Na ida a uma instituição, John conhece Esther (Isabelle Fuhrman), uma garota russa aparentemente dócil, articulada e muito inteligente para a idade. Ela ficou sozinha depois que toda a sua família morreu em um incêndio.
A integração de John e Kate com a menina é imediata e eles escolhem Esther como a sua nova filha. Mas a garota passa a apresentar alguns problemas. A maneira delicada de se vestir chama a atenção de todos e causa risos na escola, o que é rapidamente repreendido pela própria Esther: ela empurra e machuca seriamente uma colega. Outras atitudes dúbias e mentirosas “abrem os olhos” de Kate para a menina, como o simples fato de negar que sabe tocar piano. Mas o marido se mantém cego, causando inúmeras brigas entre o casal. Esther tem planos maquiavélicos para toda a família Coleman e não medirá esforços para destruí-la.
A cena de abertura de “A Órfã” já revela sua natureza clichê. Nela, acompanhamos Kate chegando grávida a um hospital perto de realizar o trabalho de parto. Acometida por uma intensa hemorragia, ela é rapidamente transferida para uma sala de cirurgia, onde é informada que acaba de perder seu bebê. No entanto, quando a criança é retirada, a surpresa: ela está viva, mas toda coberta de sangue. Depois, adivinhem, ela acorda! Era um sonho! A sequência já diminui bruscamente a expectativa do público de conferir uma obra original. Mas o filme não pára por aí. Os lugares-comuns seguem até o final épico (para não dizer o contrário). Precisa-se dizer que “A Órfã” possui um dos desfechos mais ridículos que Hollywood já produziu.
Dirigida por Jaume Collet Serra, a película, tirando a cena desastrosa já citada, até que começa bem. Os Coleman são tratados como pessoas comuns cheios de problemas e traumas. A surdez da filha, Max, nunca é usada de uma forma preconceituosa ou aproveitadora. Além disso, como em praticamente todo casal de irmãos, as crianças brigam consideravelmente. As idealizações têm início com a chegada de Esther a casa. A garota manipula e comete atos criminosos sem aparente razão para isso. Ela, realmente, representa o mal em todas as suas formas e poderia ser enquadrada facilmente no hall de serial-killers no padrão de Jason e Freddy Krueger.
O roteiro de David Johnson peca também por tentar justificar a natureza de Esther através de um problema psiquiátrico. Essa sim é uma ofensa das mais graves. Outro erro é insistir nas desavenças entre Kate e John para tentar manter o conflito no filme, por mais que todos os fatos levem para a incriminação da menina. Chega a incomodar o quão inocente o personagem de Sarsgaard é, característica a qual parece ter sido herdada pelos filhos, já que ambos, mesmo com todas as chances para desmascarar Esther, não o fazem.
Já o elenco destoa, por mais que a protagonista do filme seja prejudicada pelos exageros do roteiro. Isabelle Fuhrman, beneficiada pelas suas feições perfeitas para o gênero fílmico, assusta no papel principal. Mas é a experiente Vera Farmiga que sustenta o longa-metragem com todo o seu talento, mesmo que ainda não reconhecido. Ela consegue ser natural e ao mesmo tempo intensa, fazendo crer na sua relação amorosa com seus filhos e marido. Peter Sarsgaard também merece elogios, mas são os pequenos Jimmy Bennet e Aryanna Enginner que estão ainda melhor.
Um fato em especial chama a atenção em “A Órfã”: quase todas as intenções de susto são falsas. O diretor parece querer nos manipular, já que estas cenas não aterrorizam os personagens, mas apenas os espectadores. Todas as movimentações de câmera comuns para os sustos estão lá, mas nada acontece de real. E é dessa forma que a película pode ser definida, uma manipulação atrás da outra, seja por parte de Esther ou mesmo do diretor. É isso que acontece quando um filme não tem muito para mostrar. Passem longe!