O grande vencedor do Festival de Cinema do Rio de Janeiro de 2008 e do Cine Ceará 2009, “Se Nada Mais Der Certo”, chega ao circuito comercial brasileiro envolto de muita expectativa. O longa justifica facilmente seu status de um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos através de uma história densa e original, que mostra jovens mergulhando no mundo do crime em São Paulo.
A trama centra-se em três personagens: Léo (Cauã Reymond), Marcin (Caroline Abras) e Wilson (João Miguel). O primeiro é um jornalista frustrado que é responsável por sustentar uma jovem dependente química (Luiza Mariani) e seu filho, além de ter de pagar a empregada, que já está com o salário atrasado há meses. A segunda é uma personagem andrógina traficante de drogas que é bastante conhecida na noite da capital paulista, enquanto o terceiro é um taxista atormentado pelo suicídio do pai. O desespero por dinheiro e a falta de oportunidades os unem, e eles passam a cometer diversos delitos. No início, os três se embrenham pelo tráfico, para depois partirem para o roubo. Os resultados são imediatos e eles parecem não pensar em parar.
Pela quarta vez à frente da direção de um longa, o brasiliense José Eduardo Belmonte (“Subterrâneos” e “A Concepção”) faz um filme brilhante, que não se preocupa apenas em fazer uma denúncia social, mas em mostrar como o politicamente incorreto pode ser uma estratégia para sair do “aperto” financeiro. O ritmo que Belmonte impõe a narrativa impressiona, sempre se apoiando no suporte técnico do filme, especialmente a trilha sonora e a edição. Em uma das melhores sequências do longa, acompanhamos um assalto organizado pelo grupo do trio principal ao som dos “Saltimbancos”. Além de ser muito bem construída, a cena revela o caráter (ou o mal caráter) de “Se Nada Mais Der Certo”, ao retratar os criminosos como os espertos e as vítimas como pessoas bestializadas, ou seja, não estamos diante de uma película que julga a sociedade e procura meios para consertá-la, mas sim de algo mais imparcial e realista.
O roteiro de Belmonte e Luis Carlos Pacca também é responsável pelo diferencial de qualidade do filme. O desenvolvimento aprofundado dos personagens, principalmente no início da fita, e o posterior desvio de caráter deles mostra que a dupla não está apenas interessada em descrever fatos, mas ainda em construir pessoas reais, mesmo que criminosas. Mas é situar a trama durante a Campanha Presidencial brasileira de 2006 que é a grande sacada do argumento. A ideia é simplesmente genial. Retratar a briga pelo principal posto político do País, em que muitas questões sujas estão envolvidas, mostra que Marcin, Léo e Wilson não estão sozinhos no ramo. O longa mostra que seria até justificável a atitude deles, tanto que na mesma sequência do roubo já citada, os ladrões utilizam máscaras que reproduzem as feições de Sarney, FHC e Collor. Talvez tenha faltada a de Lula, não?
As atuações são esplêndidas. Cauã Reymond faz de Léo um rapaz simpático e, ao mesmo tempo, confuso, que não sabe o que fazer diante de toda a pressão que a sociedade e a própria família lhe impõem. A única saída é o crime, mas ainda assim, ele hesita. Pelo papel, Reymond recebeu o prêmio de Melhor Ator do Cine Ceará e, com isso, prova que não é apenas mais um rostinho bonito que surgiu na televisão e migrou para o cinema. Já a performance de Caroline Abras é digna de intensos aplausos. Impressiona a forma como ela “encarna” no personagem através dos trejeitos masculinos. Qualquer outra atriz menos talentosa teria exagerado nos gestos e, consequentemente, estragado todo o resultado do filme, porque Marcin é a alma de “Se Nada Mais Der Certo”. Abras também foi premiada pelo trabalho no Festival do Rio ano passado.
João Miguel, que é talvez o grande ator do cinema nacional do momento, dessa vez é coadjuvante, mas nem por isso deixa de se destacar. Depois do desempenho maravilhoso em “Estômago”, outro ótimo longa brasileiro, ele constrói Wilson como um taxista introspectivo, que parece estar esperando o momento certo para explodir e exalar toda a sua personalidade. E é isso que ele faz. Já Luiza Mariani, que possui péssimas passagens pela televisão brasileira, demonstra que melhorou consideravelmente por meio da sua instável e viciada Ângela.
“Se Nada Mais Der Certo” não venceu por acaso vários festivais de cinema pelo Brasil. Ele é definitivamente o melhor e mais ousado longa nacional dos últimos anos e, para isso, não precisou de grandes orçamentos nem o apelo comercial de astros da TV, já que Cauã Reymond é bem mais do que isso no filme. Perfeita em praticamente todos os seus aspectos, a película retrata com maestria a desesperança da juventude brasileira na busca de um futuro melhor, em que o crime parece ser a melhor alternativa. Engraçado, intenso, sarcástico, dramático, “Se Nada Mais Der Certo” é obrigatório para todos.