Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 17 de julho de 2009

Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009): atende a todas as expectativas

“Harry Potter e o Enigma do Príncipe” finalmente consegue conciliar de maneira balanceada o que os últimos filmes da série se esforçaram, mas falharam em fazer: o maravilhoso universo mágico, o suspense da trama central e os cômicos romances juvenis. Com uma direção e roteiro com poucas falhas, a película abre terreno para um encerramento excelente da franquia. Um belo entretenimento!

Como não leitor dos livros de J.K. Rowling, o que sempre me chamou a atenção nos longas da série foi o mundo de possibilidades que uma simples varinha mágica proporcionava, além da comparação desse universo com a crueza dos humanos. Por isso, sempre adorei o começo de todos os seis filmes, nos quais Londres era invadida por eventos “inexplicáveis”, desde um carro voador a uma senhora de meia-idade em formato de balão. Como também esquecer de uma plataforma especial para os bruxos, de um ônibus invisível aos olhos dos humanos e dos jornais com fotos em movimento, dentre outras tantas coisas.

No entanto, quando Harry e seus amigos partiam para Hogwarts para darem início a trama principal, os filmes baixavam bruscamente de rendimento. Os suspenses nunca convenciam, sempre eram muito infantis, principalmente nas duas primeiras produções. Talvez por isso, a originalidade de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” proporcionada pelo vira-tempo de Hermione tenha me agradado mais, mesmo que a maioria do público não goste do filme de Alfonso Cuáron, já que não é tão fiel ao livro. David Yates também foi capaz de dar vida a uma história interessante com “Harry Potter e a Ordem da Fênix”. Mas é com “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” que ele faz o melhor longa da série, criando uma trama sombria e atraente, que nos capta do início ao fim.

No sexto ano de Harry Potter (Daniel Radcliffe) em Hogwarts, Voldemort e sua trupe são um perigo iminente. Um ataque aterrorizador a Londres comprova isso. Por isso, a Escola de Magia está reforçando a segurança e não poupa ninguém de ser revistado, nem mesmo Harry. Com a ajuda de Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson), ele precisa lidar com as responsabilidades de ser “o escolhido” e o alvo principal de Voldemort. Instruído por Alvo Dumbledore (Michael Gambon), que tenta revelar o passado de “você sabe quem..”, desde quando ainda era Tom Riddle, o jovem mago procura se aproximar do novo professor de Poções, Horácio Slughorn (Jim Broadbent), cujas memórias são preciosas.

Durante a primeira aula com o professor, um livro de Poções mágicas avançadas, que tinha pertencido a um tal Príncipe Mestiço, lhe chega as mãos. Contendo várias dicas especiais, o exemplar o ajuda a se transformar no melhor aluno da disciplina e consequentemente, a enfrentar uma ameaça interna aos portões da Escola: Draco Malfoy (Tom Felton). O bruxo está a caminho de se transformar em um novo Comensal da Morte e fará de tudo para tentar trazer os outros representantes do grupo para dentro de Hogwarts, e, para isso, ele conta com a contribuição de um tradicional professor de personalidade dúbia: Severo Snape (Alan Rickman).

No entanto, não é só de suspense que “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” é feito. As paqueras e paixões instantâneas e duradouras que só a adolescência fazem nascer tomam boa parte do tempo da película. Mas dessa vez a temática é inserida de maneira natural na trama, diferentemente de “Harry Potter e o Cálice de Fogo”. O nascimento do amor de Harry e Gina (Bonnie Wright) é mostrado de maneira singela e romântica (com destaque para a bela cena do beijo), enquanto o triângulo amoroso protagonizado por Rony, Lilá (Jessie Cave) e Hermione tem uma função cômica evidente. Se nos filmes anteriores, as cenas românticas eram separadas das de ação, aqui elas estão integradas. Isso fica bastante claro no último diálogo de Harry com Hermione, no qual os dois falam sobre ambos os assuntos. E por isso, Steve Kloves, o roteirista, tem que receber os méritos.

Outros acertos de Kloves incluem o desenvolvimento adequado de três personagens em especial (Dumbledore, Slughorn e Malfoy) e o final em aberto. Para quem achava Dumbledore um mágico perfeito, que não precisava de grandes esforços para vencer desafios, dessa vez verá que ele possui defeitos como todos os outros. Desde uma ínfima ida ao banheiro em uma casa de Londres até o final trágico, o personagem é construído com o objetivo de parecer alguém com fraquezas. Já o novo professor de Poções é um personagem que carrega traumas e felicidades por toda a sua vida profissional. Mas é Draco Malfoy o mais complexo deles. Pressionado pelos pais a seguir sua linha de maldades, o jovem sabe da responsabilidade que carrega e acaba não resistindo. Um choro seu no banheiro é uma das melhores cenas do filme. É realmente comovente.

No entanto, o roteirista erra ao continuar não aprofundando os protagonistas da franquia. Harry Potter permanece raso e nem mesmo as lembranças de seus pais ajudam que nós o conheçamos melhor. Hermione e Rony seguem nos divertindo, mas nada além. Entretanto, são as poucas referências a história do Príncipe Mestiço que prejudicam no convencimento da fita. Mesmo se chamando “Enigma do Príncipe”, o filme não possui mistério algum.

Tecnicamente perfeito, o longa conta com uma direção competente. Em seu segundo filme seguido da franquia, David Yates dá ritmo e beleza a história. Mesmo não sendo o mais ousado dos cineastas, ele cria cenas impactantes que podem ser enquadradas entre as melhores da série. A sequência inicial, do ataque dos comensais da morte a Londres, é alucinante, assim com a cena em que uma das alunas de Hogwarts é enfeitiçada misteriosamente. A impressão é que estamos diante de um filme de terror dos melhores. Com a fotografia acinzentada e obscura de Bruno Delbonnel, Yates comanda um filme de um visual surpreendente. Apenas a trilha sonora repetitiva de Nichollas Hooper prejudica um pouco a originalidade da película. Mesmo assim, a falta dela em alguns momentos é a melhor escolha.

As atuações são ótimas. Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint mostram maturidade e mesclam comicidade e dramaticidade com louvor, em especial o primeiro. Continuando com o elenco adolescente, Jassie Cave é uma revelação. A atriz é o principal motivo de risadas no filme com sua paixão alucinante por Ronny. Apenas Bonnie Wright é prejudicada pela pouca atenção que recebe do roteiro. Já Tom Felton, que antes aparecia bastante caricatural como o complicado Draco Malfoy, surge com um excelente desempenho. Entretanto, o destaque mais uma vez em Harry Potter vai para os mais experientes. Michael Gambon e o premiado Jim Broadbent dominam cada cena, principalmente porque ficam com os melhores diálogos.

“Harry Potter e o Enigma do Príncipe” atende a todas as expectativas, revelando-se um incrível entretenimento de duas horas e meia de duração. Mesmo as falhas (para quem não é leitor) podem ser relevadas sem problemas. Divertindo e emocionando, a película mostra como Hollywood ainda sabe como fazer blockbusters da melhor qualidade.

Darlano Didimo
@rapadura

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