Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Hércules

A animação 2D da Disney "Hércules", lançada em 1997, mostra a versão do estúdio do Mickey para o lendário semi-deus da mitologia grega. A despeito de ser bem divertido, o longa possui várias falhas, principalmente em sua parte musical, embora tais escorregos não impeçam o filme de ser bastante divertido.

Em seu testamento, o escritor J.R.R. Tolkien deixou expressa sua vontade de que sua obra máxima, "O Senhor dos Anéis", jamais deveria ser adaptada pela Disney. Assistindo a "Hércules", fica fácil saber o motivo disto. Quem conhece um pouco de mitologia grega fica um tanto quanto estarrecido com as mudanças que o estúdio americano realizou na história do poderoso herói para deixá-lo mais "adequado" aos padrões americanos.

Portanto, esqueçam qualquer menção ao romance de Zeus com humanas mortais, preparem-se para menções a heróis gregos que nem sonhavam em nascer antes do período em que o protagonista deveria ter nascido e para muitas referências ao mundo dos astros esportivos dentro do filme. A história do longa mostra Hércules como um legítimo deus, filho de Zeus e sua esposa Hera. Ainda bebê, ele acaba sequestrado por Agonia e Pânico, asseclas de Hades, deus dos mortos, que recebeu a notícia de que o garoto, quando crescesse, seria um obstáculo em seus planos de dominação mundial.

Raptado do Monte Olímpo e levado à Terra, o pequeno Hércules ingere uma poção que o torna mortal, mas que não tira sua força descomunal, o que acaba salvando sua vida. Adotado por um casal de fazendeiros humanos, ele cresce sabendo que seus poderes o distinguem das outras pessoas, sendo algo que sempre causa problemas e confusões por onde quer que ele passe.

Quando Zeus lhe conta de sua verdadeira origem, o rapaz começa a treinar para se tornar um verdadeiro herói, o que lhe devolveria à condição divina e garantiria sua volta ao Olimpo.
Sendo treinado pelo homem-bode Phil e com a ajuda do cavalo alado Pégaso, Hércules está no caminho de se tornar o maior dos gregos. No entanto, a sedutora "donzela em perigo" Meg pode distrair o rapaz como ninguém e Hades está à espreita, louco para se livrar do filho de Zeus e, claro, dominar o mundo.

O visual da animação, dirigida por Ron Clements e John Musker, bebe de várias influências. O espectador mais velho poderá notar algumas referências visuais à antiga animação televisiva "Hércules", produzida pela Filmation Studios e exibida pelo SBT, na qual o herói-título bradava "Olímpia!" antes de entrar em ação, bem como aos desenhos da década de 1940 do Superman, realizados pelos irmãos Fleischer, sem contar, claro, os próprios desenhos da Disney.

Como acontece em películas da Disney, os dubladores originais também são referenciados no design dos personagens, algo bastante notado na construção de Phil (dublado por Danny DeVito) e Hades (James Woods). Aliás, devo dizer que o design de personagens e criaturas do longa é espantosamente belo, com destaque à construção cenográfica do Mundo Inferior e da cidade de Tebas, bem como aos deuses e monstros que aparecem frequentemente em tela.

Primariamente feito em 2D, vemos na animação alguns elementos realizados por computador, como cenários e criaturas, sempre bem mixados com os quadros primários. Mesmo para uma produção com mais de uma década de idade, o filme continua bastante atrativo em seu aspecto gráfico, mostrando a força de seu estilo gráfico. Além disso, fãs da Disney irão encontrar vários Easter Eggs visuais escondidos em algumas cenas do longa, entre eles uma referência bastante divertida a "O Rei Leão".

Se a fita se sai muito bem na sua parte gráfica, há alguns escorregões em relação aos números musicais, que quase nunca são tão fortes quanto em outras produções do estúdio. Embora a escolha de tons gospel para narrar partes da história tenha sido excelente, gerando a excelente canção "De Zero a Herói", de longe a melhor música do longa e cuja sequência animada realmente da propulsão à trama, os outros temas cantados passam longe de possuir um bom nível de energia. As músicas cantadas pelo jovem Hércules e por Meg são bem fraquinhas e a entoada por Phil beira ao constrangedor.

O roteiro faz questão de deixar Hércules e seus companheiros o mais próximo possível de figuras conhecidas pela cultura pop americana. Nota-se que a construção da trajetória do protagonista foi bastante influenciada pelo herói dos quadrinhos Superman e pelo longa-metragem setentista deste. Referências neste sentido podem ser notadas na criação dos dois desde jovens por fazendeiros interioranos e pela revelação de suas origens por representações de seus pais verdadeiros.

Se, por um lado, tal artifício funciona para fazer com que os pequenos acabem reconhecendo Hércules como herói mais rapidamente, acaba privando o espectador de detalhes de sua origem mitológica que realmente o tornaram interessante. Já o lado celebridade do personagem acaba sendo mostrado como se este fosse um astro da NBA, incluindo merchandising com bonequinhos, pares de tênis e uma versão da bebida Gatorade.

O estabanado Phil, por sua vez, acaba lembrando e muito Mickey, o treinador do personagem-título de "Rocky – Um Lutador", inclusive por sua busca de treinar um verdadeiro herói campeão, enquanto Meg recebe influências mais genéricas de diversas damas fatais do cinema.

Agora, quem rouba a cena cada vez que aparece é Hades. Sarcástico, ambicioso e maligno, é uma delícia a reação do vilão ao ver seus planos em execução. Tanto em sua dublagem nacional (na qual fora dublado ótimo Márcio Simões) quanto na original pelo já citado James Woods, a voz de Hades encaixa perfeitamente com seus tiques visuais, fazendo até parte da construção gráfica deste.

Particularmente, a pasteurização da mitologia grega realizada pelo filme incomodou muito. No entanto, isto não prejudica o fator diversão do longa que conta com um corajoso herói e um vilão à sua altura, além de um bom elenco de apoio, privando-o apenas de ter uma maior profundidade em sua trama. Mesmo com seus problemas, "Hércules" é uma animação visualmente atraente e divertida o suficiente para funcionar junto a um público de todas as idades.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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