Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 28 de junho de 2009

Jean Charles

Primeira co-produção entre Brasil e Inglaterra, “Jean Charles” leva para as telas uma história que vai além do esdrúxulo erro cometido pela polícia inglesa que resultou no trágico incidente já conhecido. O filme procura tratar das dificuldades que os brasileiros enfrentam ao morarem em países estrangeiros, e, por isso, constrói o protagonista como um homem comum. Entretanto, de tão comum, se torna bastante desinteressante.

O 22 de julho de 2005 deveria ser mais um dia comum de trabalho para o emigrante brasileiro em Londres, Jean Charles de Menezes, de 27 anos. Porém, uma inexplicável confusão por parte da Scotland Yard britânica acabou lhe ceifando a vida. Confundido com um terrorista árabe que teria participado de uma tentativa de atentado contra um ônibus e três estações de metrô da cidade no dia anterior, Jean Charles foi morto com oito tiros à queima-roupa (sendo sete na nuca) em plena estação de Stockwell. A repercussão do crime na imprensa mundial foi imediata. Afinal, confundir um brasileiro com um terrorista árabe, e ainda por cima matá-lo indiscriminadamente, é um erro inadmissível, principalmente quando ele foi cometido por uma das mais respeitadas polícias do planeta. A impunidade também se fez presente, já que ninguém até hoje foi punido pelo delito. No entanto, “Jean Charles” utiliza os acontecimentos que cercearam o assassinato apenas como pano de fundo e procura abordar o modo de vida de nossos conterrâneos em solo londrino, onde nada, definitivamente, é de graça.

A trama tem início com a chegada de Jean Charles (Selton Mello) e sua prima Vivian (Vanessa Giácomo) ao aeroporto da capital britânica. Se o primeiro está retornando depois de um período de férias no Brasil, a segunda está debutando em terras estrangeiras com o objetivo de conseguir ganhar mais para poder ajudar a família. Mas a imigração local parece não querer lhe dar boas-vindas e desconfia que ela tenha vindo para trabalhar. É ai que surge o protagonista da história, que com toda a sua “lábia” e conhecimento do povo inglês, consegue liberá-la. Os dois seguem, então, para o sul da cidade, onde vão dividir um pequeno apartamento com mais dois primos, Alex (Luís Miranda) e Patrícia (Patrícia Armani).

A partir de então, acompanhamos os desafios dos brasileiros em busca de um trocado. A dificuldade de comunicação, as constantes humilhações no trabalho e o choque cultural são apenas alguns dos problemas que terão de enfrentar. Depois de conseguir um emprego em uma lanchonete italiana, Vivian vai, aos poucos, adaptando-se e descobrindo Londres. Já Jean Charles trabalha como eletricista e faz diversos outros bicos, como transações ilícitas para conseguir vistos de permanência. E assim eles seguem… Até que um “mero acaso do destino” impede Jean de levar essa vida adiante. Aos seus primos resta a esperança por justiça e por uma sina diferente da de Jean.

O grande acerto do roteiro de Henrique Goldman e Marcelo Starobinas é não transformar o protagonista em um mártir, algo que poderia ter sido facilmente realizado se a história tivesse caído nas mãos de algum apaixonado por sensacionalismo. No filme, Jean Charles é apenas um mineiro bom caráter e engraçado lutando por uma oportunidade na vida, assim como vários outros brasileiros na Inglaterra. A falta de divertimento na sua vida aqui não é razão para um vale de lágrimas de sofrimento, mas apenas algo que se deve aceitar. Tudo é uma grande rotina de trabalho onde eventualmente surgem momentos de prazer e de dor, mas nunca exagerados.

No entanto, o que parecia uma boa intenção dos roteiristas acaba se tornando algo totalmente simplista e sem atrativos. A construção dos personagens nunca é adequada, pois sobram diálogos desnecessários e faltam momentos de reflexão. Escapam apenas duas cenas: a que Jean Charles discute com Vivian e a que ele chora ao falar com sua mãe por telefone. No mais, “Jean Charles” é absolutamente dispensável. O distanciamento do sensacionalismo acabou sendo tão grande que retirou completamente as emoções do filme. A opção por contar a história de forma linear também contribui para a total falta de excitação. Mas é principalmente o desfecho do filme, que inclui o assassinato de Jean e a volta do corpo ao Brasil, que decepciona. Tudo é muito resumido e resolvido facilmente. Toda aquela burocracia britânica para assumir o erro e liberar o corpo, além da repercussão do crime pelo mundo, não são retratados de maneira adequada. A impressão é de que a película está meio apressada para terminar.

A direção de Henrique Goldman também é bastante responsável por esses erros. Optando pelo realismo, sempre com a sua câmera na mão (às vezes trêmula demais), o diretor não faz o filme empolgar em nenhum momento. Para condizer com esse estilo verossímil, Goldman trabalha diálogos improvisados entre os atores, os quais funcionam apenas quando os profissionais na função são bons, tanto que algumas cenas são bisonhas. Mas é o radicalismo desse realismo, o qual impossibilita qualquer close no rosto dos personagens para uma tomada mais poética, que deixa o filme isento de emoções. Além disso, a cena do assassinato de Jean Charles apresenta falhas técnicas visíveis e uma resolução lamentável. O ritmo do filme também é tão lento que, mesmo com os seus 93 minutos de duração, a impressão é de termos assistido a uma produção de mais de duas horas.

Com um roteiro e uma direção com problemas, as atuações são bastante prejudicadas, mas ainda assim são boas. Selton Mello – em seu 11º filme brasileiro – mais uma vez convence, com destaque para o sotaque mineiro e os trejeitos marcantes. No entanto, é Vanessa Giácomo quem rouba a maioria das cenas, principalmente devido ao maior desenvolvimento que o argumento dedica ao seu personagem. A impressão, em alguns momentos, é que Vivian é a real protagonista, já que é ela que nos acompanha da primeira até a última imagem da película. Talvez ela realmente seja, e não há nenhum problema nisso, pois o objetivo do filme vai muito além de contar a trágica história de Jean Charles. Entre os coadjuvantes, Luís Miranda é o destaque positivo e Patrícia Miranda (que interpreta a si mesmo), o negativo.

Contando com uma parte técnica questionável – principalmente no setor sonoro – “Jean Charles” acerta na intenção, mas falha no desenvolvimento da história. Por mais que possa parecer impossível retirar a emoção desta trágica história, os realizadores da película conseguiram. Desviando-se de polêmicas, o filme é “frio” até demais.

Darlano Didimo
@rapadura

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