Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de junho de 2009

Intrigas de Estado

Uma série de assassinatos misteriosos que podem estar relacionados com uma importante corporação americana e que tem ligação direta com um promissor congressista do país. É a partir desta trama criminal que “Intrigas de Estado” ousa e acaba refletindo sobre jornalismo. Envolvente e inteligente, o filme pode ser considerado uma das melhores produções do ano a estrear no circuito comercial brasileiro.

Para quem desconhece a linguagem jornalística, um “furo” acontece quando um veículo de comunicação se antecipa e divulga uma informação antes dos concorrentes. Mais do que status, esta situação traz também muitas recompensas financeiras para a empresa. Porém, várias questões éticas da profissão perseguem cada intenção de se concretizar um “furo jornalístico”, e a problemática foi ainda mais acentuada nas últimas décadas com o nascimento de um novo meio de comunicação: a internet.

A exigência ainda maior de rapidez nesse universo digital contrasta com um princípio básico do jornalismo, o da checagem de informação. Na internet, notícias são divulgadas despudoradamente, visando, na maioria das vezes, apenas vender. Além disso, a dificuldade de leitura na tela do computador não permite a produção de textos longos e profundos. Por isso, o jornalismo digital é tão permeado de sensacionalismo. Ao contrário desse, o jornalismo impresso ainda preserva (mesmo que cada vez menos) as características primordiais para a produção de uma boa matéria. E é exatamente esse embate entre impresso e internet que permeia as principais discussões de “Intrigas de Estado”, uma película que possui a “carcaça” de um thriller comum, mas é muito mais do que isso.

A história do longa tem início com acontecimentos de impacto sem aparente relação entre si. Depois de roubar uma bolsa de um casal de idosos em plenas ruas movimentadas de Washington D.C, um jovem deliquente é assassinado com dois tiros por um criminoso desconhecido. Além dele, um ciclista que acidentalmente presencia o homicídio também é baleado pelo mesmo homem. Pouco depois, numa estação de metrô da capital americana, uma mulher morre após cair da plataforma e ser atropelada pelo metrô. O nome dela é Sonia Baker, e a jovem é uma das principais assessoras do congressista Stephen Collins (Ben Affleck), que investiga o nebuloso caso da bilionária empresa PointCorp, acusada de planejar ilegalmente, dentre outras coisas, a privatização da inteligência americana. A polêmica aumenta quando Collins assume publicamente ter tido um caso extraconjugal com Baker.

Amigo de faculdade do congressista, o veterano jornalista do Washington Globe, Cal MacAffrey (Russel Crowe), acaba sendo selecionado para cobrir o primeiro crime, enquanto que a recém-formada e “blogueira” Della Frye (Rachel McAdams) é responsabilizada pelo segundo, principalmente devido ao potencial comercial que o assunto exala. No entanto, as investigações levam os dois crimes a um lugar comum e os jornalistas a trabalharem juntos. Tudo indica que a PointCorp é a grande culpada pelos homicídios. Basta agora que McAffrey e Frye confirmem as informações, confrontem a polícia e a editora-chefe, além de escaparem de serem as próximas vítimas.

A maneira como a trama de “Intrigas de Estado” é desenvolvida o assemelha a dois outros filmes que abordam a temática jornalística. O mais evidente deles é “Todos os Homens do Presidente”, clássico dos anos 70 ao qual o filme faz diversas referências. As semelhanças são evidentes: temos dois repórteres investigando algo de enorme repercussão política pelas principais edificações de Washington. Já a conspiração corporativa e as reflexões éticas da película o aproximam de outra obra-prima mais recente: O Informante (1999), de Michael Mann. Entretanto, mesmo sendo um ótimo filme, “Intrigas de Estado” não deve ser equiparado a essas produções de referência.

O problema é que o longa possui falhas comprometedoras, principalmente perto de seu desfecho. Para não estragar a surpresa, é bom que se diga apenas que o tamanho da importância da trama, que parecia enorme, se apequena abruptamente e decepciona o espectador. Além dessa reviravolta ser bastante previsível, ela deixa furos de roteiro ao longo do filme. No entanto, o erro não deve ser apontado apenas aos roteiristas Matthew Michael Carnahan, Tony Gilroy e Bill Ray, mas também ao diretor Kevin Mcdonald, pois é o ritmo imprimido por ele nestas seqüências que as fazem tão previsíveis.

Deixando de lado o único grande demérito do filme, é preciso que se diga que há incontáveis acertos ao longo dos 127 minutos de duração. Carnahan, Gilroy e Ray realizam sim um bom trabalho de adaptação de uma série dramática da TV britânica BBC exibida em 2003. Eles criam uma trama bastante envolvente, cheia de fatos surpreendentes, sem nunca esquecerem o desenvolvimento adequado dos personagens. Mas são as reflexões acerca do jornalismo que fazem o roteiro do trio tão especial. Eles conseguem mostrar a discrepância que existe entre a prática impressa e na internet, a partir de dois jornalistas que trabalham em cada uma dessas áreas. Enquanto McAffrey tenta desesperadamente verificar as informações e esperar pelo desenrolar dos acontecimentos, Della Frye quer, a todo custo, divulgar a matéria e obter o “furo”. A jovem jornalista, no entanto, acaba sendo convencida a conter a sua empolgação e retém as informações até onde é necessário.

Outro acerto do filme é mostrar o enfrentamento dos repórteres com a editora-chefe Cameron Lynne (Helen Mirren). O Washington Globe foi comprado a pouco tempo por empresários ambiciosos que desejam apenas vender jornais, e, para isso, tudo valeria, até mesmo romper o código de ética jornalístico. Cabe a Lynne fazer a nova linha editorial do jornal ser cumprida, evitando a falência do periódico, e aos jornalistas, impedir uma atitude precipitada. Esse confronto é a principal chave do filme e é muito bem tratado pelo roteiro.

Já ao diretor Kevin Mcdonald sobra a função de comandar esse precioso argumento adequadamente, e é isso que ele faz. Premiado com um Oscar pelo documentário “Um Dia em Setembro” (1999) e elogiado por “O Último Rei da Escócia” (2006), Mcdonald sabe que a principal estrela da produção é o roteiro e procura valorizá-lo ao máximo. O diretor não procura aplicar muitas técnicas ousadas de direção, mas impõe um ótimo ritmo a narrativa, contando com o belo trabalho do editor Justin Wright. Mas, quando os incessantes diálogos saem e dão lugar ao suspense, Macdonald mostra talento. A cena em que McAffrey é caçado por um matador é angustiante.

O filme também é beneficiado pelas ótimas atuações dos atores. Russel Crowe mostra porque é um dos profissionais mais valorizados pela categoria em Hollywood e dá ao público mais uma excelente performance. Colocada sempre à prova por estar sempre ao lado de Crowe na película, Rachel McAdams não decepciona. A sua Della Frye, que demonstra inexperiência no início, adquire maturidade ao longo dos fatos. Completando o elenco principal, temos Ben Affleck, um ator extremamente instável na sua carreira, mas que aqui surpreende como o congressista adúltero que choca a opinião pública.

Entre os coadjuvantes, o destaque vai para Robin Wright Penn, como a esposa de Stephen Collins. Contida e misteriosa, a atriz poderia ser melhor aproveitada pela indústria cinematográfica americana. Já Helen Mirren fica longe de apresentar a sua melhor atuação, mas nem por isso está mal. O único que está péssimo é Jason Bateman, como o amigo bissexual de Sonia Baker. O ator é uma caricatura só.

Revelando-se uma trama surpreendente, “Intrigas de Estado” possui inúmeros acertos e um grande erro, que infelizmente não pode ser relevado. A construção interessante da narrativa, que utiliza uma polêmica no Congresso dos Estados Unidos para refletir sobre jornalismo, faz do filme uma bela obra cinematográfica. A conferir definitivamente, principalmente pelos amantes desta profissão tão apaixonante.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre