Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de maio de 2009

Heróis

Mesmo não tendo o texto mais original do mundo, "Heróis" é um longa bastante interessante, principalmente por conta da ótima direção de Paul McGuigan.

"Heróis" é um bom filme. Isto me surpreendeu e muito, já que o longa, à primeira vista, parecia mais uma cópia paraguaia das fitas da franquia "X-Men" e da série de TV "Heroes". Desta última, aliás, a distribuidora brasileira até chupinhou o título nacional, tentando justamente atrair o público do fraco – mas popular – seriado de Tim Kring. Espertezas empresariais a parte, o roteiro da película em questão realmente bebe muito de outras obras, além das já citadas, mas compensa sua falta de originalidade com a ótima direção de Paul McGuigan, algo que já vale o filme.

"Heróis" explica os diversos poderes de seus mutantes através de um contexto mais histórico, mostrando que os nazistas começaram a experimentar com pessoas sensitivas buscando criar um exército superpoderoso, exemplo que foi seguido pelos demais governos do mundo, que criaram as "Divisões" para cuidar de tais assuntos, controlando e agenciando – às vezes de modo brutal – essas pessoas especiais.

A trama é centrada em Nick (Chris Evans), um jovem com poderes telecinéticos (um "mover", como é chamado) que perdeu o pai, morto em um ataque da Divisão americana. Vivendo agora em Hong Kong, praticamente uma Casablanca para aqueles com poderes, ele tenta usar seus poderes para ganhar em jogos de azar, sempre sendo mal-sucedido. Certo dia, Cassie (Dakota Fanning), uma menina com poderes de clarividência (ou "watcher"), aparece em sua porta, pedindo sua ajuda em uma complicada missão envolvendo um soro ampliador de poderes, potencialmente letal, que pode ser a chave para derrubar a Divisão.

A única pessoa a sobreviver à aplicação dessa droga, a manipuladora mental – "pusher" – Kira (Camilla Belle), ex-namorada de Nick, fugiu da Divisão rumo a Hong Kong, levando consigo uma dose do soro que, obviamente, é cobiçada por todos. Assim, começa uma caçada pela jovem e pelo prêmio, com Nick e Cassie tendo de enfrentar o governo chinês e os agentes americanos, liderados pelo perigoso Carver (Djimon Hounsou), que também é um "pusher", além de ser responsável pela morte do pai de Nick.

Enfim, nota-se que o roteiro de David Bourla não traz muita coisa de novo. Os protagonistas Nick e Cassie sofrem de uma perda familiar bastante comum (ele perdeu o pai e ela a mãe) e o conceito de uma agência misteriosa controlando os mutantes também já é bastante familiar para quem acompanha produções do gênero. No entanto, os personagens apresentados, seus poderes e classificações são bastante curiosos, já mostrando um diferencial em relação a outras histórias. É engraçado como se torna até parte da diversão ligar os termos ao poderes mostrados.

Poucas daquelas figuras parecem a vontade com suas habilidades, tentando fazer o melhor para lucrar em cima delas, às vezes sem muito sucesso. Nesse sentido temos o eclético grupo formado por Nick e Cassie que inclui o trambiqueiro bon-vivant Hook Waters (Cliff Curtis) e a rastreadora mercenária Emily Hu (Ming-Na), além do sombreador Pinky Stein (Nate Mooney), que ajuda pessoas a se esconderem de rastreadores e clarividentes. Ora, se pessoas reais possuem tais poderes, iriam usá-los para ganhar dinheiro.

É neste ponto que Paul McGuigan fez a diferença. O cineasta jamais cria um mundo asséptico e fantasioso para aqueles personagens. Sua Hong Kong é suja e perigosa, parecendo realmente uma metrópole real, contando com subúrbios cheios de poeira e pessoas, coordenando um ótimo trabalho de design de produção e direção de arte.

Retratando a cidade com câmeras de mão e uma fotografia mais granulada e suja, contrastando com a cinematografia limpa dos grandes blockbusters, McGuigan e seu diretor de fotografia Peter Sova (com quem já havia trabalhado no ótimo "Xeque-Mate") transmitem uma sensação de urgência e perigo com relação a ambientação da história.

O diretor contorna alguns problemas no script de Bourla, transformando o que poderia ser um previsível e confuso clímax em um interessante exercício de edição, contando com a ajuda do montador Nicolas Trembasiewicz. Trabalhando ainda ao redor das limitações orçamentárias da produção, o diretor deixa um pouco de lado os efeitos digitais e investe mais em truques práticos, algo que deixa o filme mais palpável.

Ora, considerando as limitações monetárias do filme, exageros computadorizados só iriam deixá-lo com cara de produção para televisão. Como fã de efeitos práticos, foi uma agradável surpresa ver que CG foi usado apenas em casos de absoluta necessidade, uma lição que alguns blockbusters atuais (leia-se "X-Men Origens – Wolverine") poderiam aprender.

Com relação ao elenco, Chris Evans segura bem o filme como protagonista. Bastante carismático, o ator deixa um pouco de lado a pose de Johnny Storm da série "Quarteto Fantástico" e mostra um personagem mais sofrido e relutante. Claro, há algumas cenas de humor pontuais, mas nada exarcebado.

Evans possui uma boa química com a belíssima Camilla Belle, mas é incrível que esta, em suas cenas com outros atores, surja praticamente nula. Fechando o trio de heróis principais, Dakota Fanning mostra que pode ter atitude como a quase-madura Cassie, mas beira a vergonha alheia em uma constrangedora cena na qual sua personagem aparece bêbada.

Os coadjuvantes, por sua vez, conseguem ser mais interessantes que os protagonistas. Cliff Curtis, ótimo como de praxe, rouba a cena toda vez que aparece como Hook Waters, sendo ótimo vê-lo dando seus rápidos golpes para manter um luxuoso estilo de vida. A charmosa e sumida Ming-Na ganha boas cenas como a sua Emily e Nate Mooney não compromete em seu papel como Pinky, tendo uma ou duas falas mais engraçadas.

O Carver de Djimon Hounsou jamais ganha muito destaque, com seu personagem lembrando bastante nesse sentido o Roland de "Jumper", vivido por Samuel L. Jackson. Aparentemente, ser durão e ter uma voz grave já o qualificam para viver um vilão. Seu capanga principal, a nêmese de Nick parece apenas estar de mau-humor o tempo todo, chegando a ignorar os objetivos de uma missão apenas para brigar com o seu inimigo.

Por sua vez, os inimigos chineses não mostram muito além de seus visuais, sendo pouco explorados pelo filme. A exceção é a antagonista pessoal de Cassie, a Garota do Pirulito, vivida por Xiao Lu Li, que ganha um pouco de aprofundamento psicológico, contando até com uma motivação, ganhar o amor do pai, o chefe de seu grupo. É ala e genérica, mas ao menos é uma motivação existente.

Mostrando que é possível se contar uma história de super-poderes razoavelmente eficiente sem que efeitos digitais tomem a tela toda, "Heróis" comprova mais uma vez o talento de Paul McGuigan. Mesmo contando com um roteiro que não prima por sua originalidade, é uma fita divertida, dirigida de forma competente e que cumpre melhor seu trabalho do que certas grandes produções apenas regulares que estão faturando fortunas por aí…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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