“O Exterminador do Futuro” é um exemplo de como criar tensão em um filme de ação. Além de sequências de perseguição repletas de adrenalina e efeitos especiais ótimos até para os padrões atuais, este clássico oitentista propõe uma interessante e aterrorizante visão do futuro.
É engraçado como as franquias realmente eternas começam com algo relativamente “pequeno”. Logo no início deste “O Exterminador do Futuro”, ninguém poderia dizer que este longa, que tem início com estranhos letreiros falando sobre um futuro apocalíptico, se tornaria um referencial em ação e suspense. A caçada implacável de um assassino por sua presa é o principal foco do filme, carregando a produção de tensão e perigo. Os elementos de ficção científica, apesar de bastante marcantes, são apenas o pano de fundo.
A história da fita mostra o andróide assassino Exterminador, modelo T-800 (Arnold Schwarzenegger), vindo de um futuro apocalíptico para os anos 1980 com o objetivo de assassinar Sarah Connor (Linda Hamilton). O motivo: ela será a mãe de John Connor, futuro líder da resistência humana em sua luta contra o exército de máquinas que dominará o planeta após um holocausto nuclear, com Connor sendo aquele que irá liderar a humanidade na virada da guerra.
Para proteger Sarah, o soldado Kyle Reese (Michael Biehn) também volta ao passado, mesmo com poucas chances de vencer a máquina humanóide, já que conta apenas com as primitivas armas deste tempo que consegue encontrar. Além disso, Reese tem de lutar contra seus próprios demônios e sentimentos, além de encarar o cetisimo de Sarah que, inicialmente, o vê como um louco.
O grande diferencial nessa trama, razoavelmente simples, está no modo como o diretor/roteirista James Cameron a conta. Durante o filme, o cineasta apresenta vários elementos icônicos do cinema oitentista, como os policiais durões, filmes de dança, o movimento punk e os destrói ao colocá-los frente ao Exterminador ou ao soldado vindo do futuro, que representam justamente o amanhã.
Cameron não só luta com estereótipos do presente, mas com as representações que o público tinha de “futuro” até época. Há um fim semiótico daquilo que a audiência entendia como robôs e de ficção diversos momentos do longa, sendo os mais representativos quando o Exterminador esmaga um caminhão idêntico ao heróico transformer Líder Optimus ou quando Sarah aparece usando uma camisa dos Jetsons pouco antes desta começar a ser caçada.
Quando conhecemos Sarah pela primeira vez, a encontramos como uma garçonete um tanto quanto atrapalhada, de bem com a vida e com uma vida amorosa complicada, sendo ela uma pessoa absolutamente comum. Já Reese, desde o primeiro momento, a enxerga como ela será, a lendária mãe do salvador John Connor, aquela que o ensinou a lutar e a sobreviver.
Portanto, o paradoxo e a lógica da viagem do tempo aqui mostrados são bastante simples: os eventos que acontecem durante a trama principal do filme tinham de realmente acontecer para que o futuro ali mostrado existisse. Mesmo com Reese afirmando que o futuro de onde ele vem é apenas “um futuro possível”, a mensagem que o roteiro, na medida em que se desenvolve, passa é de que o destino é imutável.
No entanto, a interessante discussão homem/máquina e a relação de destino é apenas uma fração do que fez este longa de 1984 se tornar um clássico de seu tempo. O visual e o ritmo que Cameron impôs ao filme foram o que o tornaram único. No primeiro ato do filme, o diretor não foge da regra básica de alternar cenas bucólicas com outras de tensão ao criar contrapontos narrativos.
A partir do segundo ato, o longa simplesmente não para mais, colocando o espectador em estado de constante tensão, enquanto o Exterminador continua em sua caçada a Sarah e Kyle, em uma montagem altamente eficiente feita por Mark Goldblatt. Cameron também se utiliza da regra de mostrar o “monstro” aos poucos, mas de modo diferenciado: o assustador endoesqueleto do T-800 é revelado de acordo com os danos por este sofridos.
Neste ponto, há de se louvar o trabalho de maquiagem e design e criação de maquinário da equipe de Stan Winston, realmente primoroso. Ao contrário dos longas atuais, recheados de efeitos digitais, o longa se vale de modelos e efeitos práticos para construir seus objetos de cena especiais. Todos os destroços e máquinas vistos em cena realmente parecem reais. Feitas com modelos físicos, há uma sensação de realidade palpável em relação a tais elementos. As explosões e acrobacias nas cenas de ação mais elaboradas continuam a espantar o público, justamente por não serem feitas através de simples gráficos computadorizados.
O único problema com os efeitos está nas cenas nas quais o endoesqueleto do Exterminador aparece em animação stop-motion, extremamente artificiais e que criam um “ruído” dentro do filme. Mas as sequências feitas por animatrônicos compensam esses pequenos deslizes. Cameron soube posicionar suas câmeras em ângulos que realmente davam a impressão de movimento para o T-800.
Na parte técnica, ainda deve-se ressaltar que, mesmo contando com um tema principal muito bom, a trilha do filme simplesmente não funciona. Composta por Brad Fiedel, o que temos é uma repetição exagerada de temas em sintetizadores que mais incomodam do que causam tensão, sendo esta parte musical realmente um grande problema da película.
Com relação às interpretações, o destaque, realmente, vai para Arnold Schwarzenegger. Acreditamos na determinação automatizada e no jeito ameaçador do Exterminador justamente porque Schwarzenegger soube criar seu personagem de modo a tornar sua mera presença digna de pânico.
As características que impedem que o austríaco convença como ator versátil, como o seu sotaque forte, incapacidade de mostrar emoções complexas e até mesmo o seu próprio porte físico caem como uma luva para o T-800, criando o antagonista perfeito. Poucas coisas conseguem assustar mais do que a figura de Schwarzenegger sem sobrancelhas em meio a uma perseguição frenética.
O ponto fraco do elenco é realmente o mocinho, Michael Biehn, canastrão ao extremo ao abrir a boca para proferir seus diálogos. Biehn convence e muito nas cenas de ação e durante os primeiros minutos de filme, durante os quais simplesmente não abre a boca. Mas, após a frase clássica “Venha comigo se quiser viver”, quase não há falas as quais o ator consiga passar credibilidade, pecado mortal em ficções científicas.
Linda Hamilton está ótima como Sarah Connor, de modo em que realmente acreditamos na evolução desta de frágil vítima, beirando uma “scream queen”, para se tornar a valente lutadora que surge após o clímax do filme. Hamilton consegue levar para a platéia esses dois lados daquela mulher muito bem e até consegue salvar algumas cenas nas quais atua ao lado de Michael Biehn, principalmente as mais românticas.
Em pequenas participações como os policiais durões e céticos Ed Traxler e Hal Vukovich temos os eficientes Paul Winfield e Lance Henriksen, praticamente fazendo caricaturas de Dirty Harry no filme. No entanto, como a proposta era mesmo “destruir” personagens convencionais, a participação dos dois funciona no contexto da produção. Atente-se ainda para uma ponta de Bill Paxton, o “amuleto da sorte” de Cameron, vivendo um punk.
Mesmo com seus pontuais problemas, “O Exterminador do Futuro” é um clássico do gênero. Contando com um antagonista perfeito, ótimas cenas de ação e um pano de fundo que mistura ficção científica com discussões filosóficas sobre destino e determinismo, esta fita, merecidamente, deu origem a uma franquia que sobrevive até hoje, abrindo passagem para uma continuação que, realmente, mostraria que sequências podem evoluir e muito em relação aos originais.