Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de maio de 2009

Anjos e Demônios (2009): um filme repleto de clichês e reviravoltas

"Anjos e Demônios" não é particularmente inteligente ou original, mas a altíssima velocidade de sua narrativa, mesmo prejudicada pelo didatismo em seu começo, e a beleza de suas locações faz com que o longa seja, ao menos, um thriller divertido.

Não sou um fã ardoroso das obras de Dan Brown. Depois que o escritor “estourou” graças ao polêmico “O Código Da Vinci”, li o livro e o achei divertido, ao contrário da chatíssima versão fílmica da obra. Por isso não fiquei nada empolgado para acompanhar esta continuação das desventuras do simbologista Robert Langdon, “Anjos e Demônios”.

Os fãs do livro vão até se espantar com o termo “continuação”, mas é isso mesmo. Ao contrário do que acontece no original, esta adaptação cinematográfica se passa após os eventos de “Da Vinci”, o que poderia tornar mais interessante ainda a interação do cético Langdon com a poderosa Igreja Católica. Bom, não torna e a trama anterior só é citada pontualmente.

De qualquer maneira, o filme é bem melhor que seu antecessor, não que tal feito seja lá muito difícil. A história da fita coloca Langdon (novamente vivido por Tom Hanks) sendo chamado pelo próprio Vaticano para ajudar a desvendar o sequestro de quatro cardeais que são os favoritos na corrida para suceder o trono do Papa, que havia falecido há poucos dias. Os criminosos alegam fazer parte dos Illuminatti, um antigo grupo de cientistas, originalmente pacíficos, até que foram perseguidos e caçados pela Igreja séculos antes.

A situação se complica quando os terroristas responsáveis acabam por colocar suas mãos em uma poderosíssima bomba de anti-matéria, capaz de mandar pelos ares toda a Cidade do Vaticano e parte de Roma. Correndo contra o tempo, o simbologista se alia à cientista Vittoria Vettra (Ayelet Zurer) e ao Camerlengo McKenna (Ewan McGregor) para encontrar os religiosos desaparecidos e a bomba, enfrentando ainda a resistência do antipático chefe da guarda suíça, o Comandante Richter (Stellan Skarsgård).

Em suas duas horas e vinte minutos de duração, o filme só concede tempo para o espectador respirar em seus quinze minutos iniciais, quando introduz os elementos de suspense e os personagens. A partir daí, não se tem mais tempo para desenvolver qualquer elemento em cena ou para aprofundar a personalidade de ninguém, começando uma caçada frenética pelos sequestrados e pelo explosivo.

Considerando os elementos absurdos do filme e sua narrativa esquemática (pista – complicação – chegada em cima da hora – Richter reclama de algo), a velocidade absurda do filme, impressa pelo diretor Ron Howard, não foi uma má ideia, já que impede que o espectador processe muito rapidamente as partes menos lógicas e o excesso de clichês daquelas situações. No entanto, acompanhar os personagens correndo e em tensão enquanto discutem obras de arte e história clássica pode ser deveras cansativo – no sentido de exaustivo mesmo – para o público.

Além de previsível, o roteiro, escrito pelo competente David Koepp em colaboração com o farsante Akiva Goldsman, não deixa muito espaço para conhecermos as motivações de Langdon, o que não deixa de ser uma evolução, considerando que em “O Código Da Vinci” não conhecemos absolutamente nada sobre o simbologista. Aqui o personagem ganha ao menos um objetivo e frustrações, o que já é um alívio.

No entanto, ao contrário de Indiana Jones, Rick O’Connell ou mesmo Ben Gates, Robert Langdon continua a ser um homem que se leva extremamente a sério, pouco se dando o luxo de rir da situação. Isto é uma pena, já que o filme poderia tentar explorar o lendário timing cômico de Tom Hanks para imprimir um pouco mais de personalidade ao protagonista (e ao script), algo que “engessa” um pouco a performance de Hanks, transformando-o praticamente em um estóico participante de uma gincana mortal.

A bela Ayelet Zurer, por sua vez, tem pouco a fazer. Sua Vittoria não tem muita função na trama além de ser bonita e ajudar Langdon na parte mais científica da corrida, chegando até mesmo a dar palpites – corretos, aliás – na parte histórica da busca, o que deveria ser a especialidade do herói. Dado o pequeno espaço de tempo no qual a história se passa e o ritmo acelerado desta, não nem espaço para romance entre os dois e nem mesmo nenhuma tensão e química sexuais entre Hanks e Zurer.

Ewan McGregor conta com algumas das melhores falas do roteiro, propondo questões interessantíssimas sobre a relação entre a Igreja e a ciência. No entanto, é uma pena que a história acabe por colocar o seu personagem em uma rota um tanto quanto absurda, dando a ele habilidades quase sobre-humanas durante o longa. Em determinadas cenas dele, tive a honesta impressão de estar assistindo a “Watchmen – O Filme” novamente, embora seu Camerlengo McKenna seja bem menos inteligente do que seu análogo na adaptação da obra da Alan Moore.

Os talentosos Stellan Skarsgård e Armin Mueller-Stahl, atores que bastante admiro, se vêem relegados a bancarem os homens chatos do regulamento, com o filme pouco os aproveitando. Já Nikolaj Lie Kaas, que vive o misterioso assassino sem nome, ganha pouquíssimos diálogos, com sua interpretação sendo mais física, procurando mostrar quão perigoso é em cada cena em que aparece e em cada homicídio que comete.

Se Ron Howard se empenhou mais na narrativa em “Frost/Nixon”, aqui ele se destaca pelos aspectos técnicos de “Anjos e Demônios”, certamente os pontos fortes do filme. Além do já citado ritmo alucinante imposto pelo diretor e pelos montadores Daniel P. Hanley e Mike Hill (ambos seus velhos colaboradores), ele fez um ótimo trabalho colocando em cena os magníficos cenários da película.

O filme conta com um visual incrivelmente belo, seja em seus ambientes mais majestosos, como a Praça de São Pedro (recriada em estúdio), nas belas fontes e catedrais ou mesmo nas sombrias criptas mostradas durante a projeção. Neste sentido, palmas para o cinematógrafo Salvatore Totino e para o designer de produção Allan Cameron. Já a trilha sonora de Hans Zimmer amplia a sensação de urgência proposta pelo filme, funcionando também nas poucas sequências mais imperiosas, aquelas que expõem os bastidores do Vaticano.

Valendo mais por seu visual e pela corrida alucinante, “Anjos e Demônios” é repleto de clichês e reviravoltas que o espectador mais atento pode ver de longe, com seu final fazendo um eco do anteriormente mencionado “Watchmen – O Filme”. É interessante que um longa que se propunha a apresentar mais obras e fatos históricos para o público consiga ser divertido – e só – exclusivamente por seus absurdos e beleza estética.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe