Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de maio de 2009

Anjos e Demônios (2009): um divertimento fraco e pobre

Ron Howard topa enfrentar o desafio de adaptar outro sucesso do escritor Dan Brown. “Anjos e Demônios” é melhor que “O Código Da Vinci”, mas mesmo assim não convence o suficiente.

O diretor Ron Howard é realmente corajoso. Ele já provou ser um bom diretor com os filmes “Uma Mente Brilhante” e “Frost/Nixon”, melhores exemplares de uma lista que traz “Apolo 13”, “Splash”, “Cocoon”, entre outros. Mas é com essa nova adaptação do livro “Anjos e Demônios”, do escritor Dan Brown, que ele dá sua cara para bater.

Depois do polêmico “O Código Da Vinci”, obras anteriores de Brown vieram à tona, entre elas “Anjos e Demônios”. Com uma turma de seguidores jovens – que tiveram o escritor como o primeiro autor lido na vida -, ele alcançou um sucesso febril e a adaptação de sua obra para os cinemas era inevitável. E foi o que aconteceu em 2006 com o já citado “O Código Da Vinci”, mas o resultado decepcionou. Porém, Ron Howard, que dirigiu este primeiro longa, não desanimou e retomou às aventuras de Robert Langdon, dessa vez com um pulso mais firme na direção.

A trama é muito interessante e aborda de forma bastante didática – como é costume de Brown – todo o ritual da igreja católica mediante a morte do santo Papa e esmiúça o conclave, reunião realizada para decidir quem será o substituto do chefe maior da igreja. Paralelamente, cientistas concretizam algo espetacular e criam a antimatéria. Em outras palavras, se tornam criadores da vida, algo que bate de frente com todos os princípios da religião católica. O problema começa quando esta antimatéria é roubada e os “preferetti” (os preferidos para o cargo de Papa) são seqüestrados.

Os dois eventos são orquestrados por antigos inimigos da igreja: os Ilumminatti, que buscam vingança de injustiças cometidas pelo passado negro já bastante conhecido da igreja. Eles avisam que vão detonar a antimatéria em algum lugar de Roma, o que forçaria uma possível evacuação de toda área. Para auxiliar nas investigações, a polícia do Vaticano, carente de um especialista (o que é no mínimo estranho), chama Robert Langdon, que, enquanto decifra pistas que levam a locais onde os Ilumminatti irão agir, acaba indo para linha de frente no combate contra estes vilões.

Temos aqui então uma peça aparentemente bem amarrada que tem tudo para funcionar, mas infelizmente não convence. Após sermos apresentados aos personagens principais da trama e suas motivações básicas, somos jogados naquela mesma correria estapafúrdia feita no filme anterior. Daí você se pergunta: Mas o livro é uma correria estapafúrdia?! Exato, e é por isso que o principal motivo do filme ser apenas mediano é sua história forçada, que pode até funcionar bem nos livros (há controvérsias), mas que na tela grande fica difícil de engolir.

Primeiramente vamos aos personagens, começando por Langdon. Quem é ele afinal? Um simbologista muito inteligente e racional. Isso é o que temos de informações dele. Não sabemos se ele paga seus impostos corretamente, não sabemos se ele é divorciado, se traiu a mulher, se gosta de jogar cartas ou escutar rock ‘n’ roll. Brown ou Howard não se preocuparam em dar essência a seu personagem, que entra e sai correndo de cena.

Suas acompanhantes seguem quase o mesmo padrão. Lindas, é claro, mas pouco aproveitadas. Audrey Tautou, do excelente “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, deve ter ficado traumatizada com sua experiência em “O Código Da Vinci” onde interpretou a policial Sophie Neveu. Uma excelente atriz que enfrenta a sentença de ser uma ouvinte passiva de todas as informações que Langdon tem para dar. E foi exatamente isso que aconteceu com a israelense Ayelet Zurer que da vida a Vittoria Vetra, cientista que conhece todo o funcionamento da antimatéria e seu recipiente. Devido a isso, ela acompanha Langdon em sua empreitada.

Zurer é uma ótima atriz e podemos perceber isso logo no início do filme, mas, como aconteceu com Tautou, nada mais é reservado para a Vetra. O tom fatal e toda a tensão amorosa entre Langdon e ela, que existia no livro, foram cortados no filme, não restando praticamente nada de interessante na personagem. Mesmo sua motivação mais plausível no livro foi também extirpada, que é o assassinato de seu pai, cientista que tenta impedir o roubo da antimatéria. No filme, o indivíduo morto é mencionado com pouco pesar pela moça e é substituído por um padre cientista amigo dela.

A mais complexa, e obviamente mais instigante “persona” do filme, é o carmelengo interpretado pelo competente Ewan McGregor. Adotado ainda criança pelo santo Papa, que na trama acaba de falecer, o personagem Carlo Ventresca é uma fortaleza de serenidade e compreensão, mesmo que abatido pela morte de seu “pai”. Ele é de importante ajuda para Langdon, mas sua postura diante aos cânones e tradições da Igreja por vezes incomoda membros mais antigos. Este indivíduo possui muita profundidade, o único problema é que ele protagoniza as cenas mais improváveis do filme, mesmo que Howard tenha amenizado o teor fantasioso de algumas.

A direção, sabiamente, utiliza da ótima trilha sonora para criar a tensão e dramaticidade. A trilha, em seus momentos mais sinistros, lembra em muito algumas óperas clássicas como “Lacrimosa”, de Mozart, ou mesmo “O Fortuna”, trecho de “Carmina Burana” do compositor alemão Carl Orff. Já em formato mais ameno, traz irresistíveis crescendos musicais que servem para focalizar a atenção do público para as descobertas de Langdon.

Sempre envolto em muita polêmica – elemento chave do sucesso de Dan Brown -, o filme não recebeu nenhum apoio do Vaticano, obviamente. Isso obrigou a produção a trabalhar ainda mais, pois, seguindo a história ao pé da letra, a equipe teria de filmar em diversas igrejas de Roma, direito que foi negado na maioria dos locais. Mesmo assim, em nota, a Igreja católica elogiou a direção de Howard, mas disse que a obra é algo efêmero.

O diretor Ron Howard, amigo de George Lucas, parece ter tido a intenção – e a ilusão, pode-se dizer -, de criar um novo “Indiana Jones”, algo moderno, mas nesses padrões. O tiro saiu pela culatra, pois em um cenário onde até mesmo 007 se rendeu a crueza e a realidade extrema dos “Bournes” da vida, o professor Langdon com certeza não irá muito longe. Servindo como um divertimento fraco, o filme mostra que algumas adaptações deveriam ser feitas com mais cautela ou mesmo nunca deveriam ser feitas. Melhor deixar para nossa imaginação tão criativa.

Ronaldo D`Arcadia
@

Compartilhe