Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de maio de 2009

Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa

O final da "Trilogia Gênesis" da saga "Jornada nas Estrelas" apresenta o filme mais leve e descontraído da série, que contrasta com o tom das duas fitas anteriores. Trazendo uma mensagem ecológica, a intenção do filme não é mostrar uma aventura séria, mas apenas entreter, tendo êxito em seu intento.

Em "Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa" há alguns paradoxos interessantes, embora marque a conclusão da "Trilogia Gênesis", iniciada no segundo longa da franquia. O filme não só possui um tom sensivelmente mais leve que os de seus antecessores, como também, mesmo tendo de fechar as pontas soltas restantes dos episódios anteriores, tenta levar o universo da franquia para os não-iniciados, colocando a tripulação da agora destruída Enterprise em um mundo estranho e bizarro: o planeta Terra dos anos 1980.

O filme começa três meses após “Jornada nas Estrelas II – À Procura de Spock”. No planeta Vulcano, o Capitão Spock (Leonard Nimoy) se recupera dos eventos difíceis pelos quais passou, enquanto seus companheiros, liderados pelo Almirante Kirk (William Shatner), preparam-se para voltar à Terra, onde enfrentarão um julgamento pelas transgressões cometidas para salvar seu amigo. No entanto, a Federação dos Planetas Unidos encara uma nova ameaça, na forma de uma sonda alienígena que ruma para o nosso lar azul, destruindo toda a tecnologia a qual encontra em seu caminho.

Spock deduz que o aparato só responderá ao chamado de baleias jubarte, que foram extintas no século XXI. A única opção encontrada pelo veterano grupo foi voltar no tempo, se utilizando da nave klingon a qual roubaram na fita passada, e pegar dois espécimes dos gigantescos mamíferos para salvar o mundo. Assim, os veteranos membros da Frota Estelar terão de lidar com punks, a paranóia da Guerra Fria, hospitais lotados e com uma bela cientista local (Catherine Hicks), especialista em cetáceos que acaba fisgando a atenção de Kirk.

Tanto em ritmo quanto em sua trama, a fita lembra os episódios mais engraçados da Série Clássica da franquia. Assim, o diretor/ator Leonard Nimoy, comandando pela segunda vez uma fita da saga, resolve deixar os atores mais a vontade em suas interações. Sem contar com grandes cenas de batalha ou exposições gigantescas de efeitos especiais, o carisma dos personagens é o grande carro-chefe desta película, algo que definitivamente destoa dos longas de ficção atuais.

Nesse sentido, contar com as características marcantes da tripulação da Enterprise e com os atores em sintonia perfeita uns com os outros ajuda bastante a fita. Além disso, não deixa de ser interessante ver aquelas figuras acostumadas a lidar com seres do espaço e criaturas estranhas completamente fora de seu ambiente natural ao ter de lidar com o “mundo real”, inclusive lidando com a verdadeira U.S.S. Enterprise. Aliás, é difícil para o público atual não lembrar de “Borat” em cenas como um muito russo Chekov perguntando às pessoas de São Francisco, em plena Guerra Fria, aonde ficavam os navios nucleares.

O texto do filme flui ágil e com diálogos extremamente divertidos, mas que abre espaço em seu prólogo e no epílogo para continuar e, em certos pontos, concluir as tramas iniciadas nas fitas passadas, algo necessário, mesmo que essas cenas acabem soando confusas para os espectadores que pegaram o bonde andando. Sabiamente, o roteiro não coloca um ponto final no plot dos klingons. Devo dizer que me incomodou um pouco que a morte de David Marcus não tenha sido muito bem trabalhada aqui, mas tal questão ainda voltará à baile em um episódio posterior da franquia, de modo bem mais presente.

Todos no elenco trazem sua contribuição para o filme. Mesmo sendo um dos maiores canastrões da história do cinema, é difícil não se entreter com as fanfarronices de William Shatner ao viver Kirk e aqui ele se diverte como nunca no papel, seja bancando o líder ou tentando seduzir a cientista do século XX. Leonard Nimoy está em casa com o seu Sr. Spock, tendo um arco delicioso ao ter de lidar com o lado humano e as emoções de seu personagem após a volta dos mortos deste, tema exposto em um ótimo diálogo entre ele e Jane Wyatt, atriz veterana que vive a mãe humana de Spock, Amanda Grayson, em uma rápida participação.

DeForrest Kelley rouba a cena com suas participações como o pessimista Dr. McCoy, incluindo uma citação shakespeariana bastante inusitada e uma hilária visita a um hospital. James Doohan e Walter Koenig divertem em suas interações com os habitantes da Terra “atrasada” nos papéis de Scotty e Pavel Chekov. Já George Takei e Nichelle Nichols têm pouco a fazer como o piloto Sulu e a oficial de comunicações Uhura, respectivamente. Por sua vez, a “intrusa” Catherine Hicks, como a Dra. Taylor, se sai bem em seus diálogos com Shatner, com os dois tendo uma boa química em cena.

Mas isso não significa dizer que o lado técnico da fita foi deixado de lado. A fita conta com bons efeitos especiais e deve ser ressaltado que Nimoy conseguiu dar uma impressão futurista aos painéis das naves e estações vistas no filme, um detalhe que realmente incomodou na sua participação anterior na série como diretor. No entanto, o cineasta vacila ao incluir uma sequência extremamente desnecessária misturando imagens de figuras históricas com as dos tripulantes da Enterprise, em uma cena que é apenas… cafona.

A fita ainda possui uma fotografia caprichada, algo ressaltado nas cenas passadas no árido planeta Vulcano. A trilha sonora, composta por Leonard Rosenman, surpreende por apostar em temas novos para a franquia, utilizando trechos da conhecida e consagrada abertura da Série Clássica, composta por Alexander Courage, apenas no final do longa, com a volta ao lar daqueles personagens que dá título à produção.

Mesmo com seus pequenos deslizes e cenas não muito acessíveis para os novatos na saga – até mesmo por ser o último ato de uma trilogia -, “Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa” é um entretenimento de primeira, sendo uma das películas de ficção científica mais divertidas já feitas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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