Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 06 de abril de 2009

Por Amor

Uma dos piores descontentamentos das pessoas é a perda. O ser humano é dotado por um sentimento de posse que não costuma aceitar desligamentos. Esta perda e os difíceis ganhos que podem vir com ela são os temas principais de "Por Amor", um bom drama que provoca reflexão, mas que ainda assim cai em alguns clichês narrativos.

Já diria o poeta Cazuza que o amor é o ridículo da vida. Assim também é o título nacional "Por Amor", que torna o filme piegas e comum ao primeiro contato, além de não ser a melhor definição para o argumento da trama. Em inglês, "Personal Effects", algo como "efeitos pessoais", ou melhor ainda, "efeitos íntimos", é o que traduz a trajetória dos protagonistas. Para quase tudo na vida existe uma causa e um efeito. Se nos apaixonamos, o efeito pode ser um tanto quanto retardador, já que a pessoa pode não estar apaixonada por você. Se perdemos alguém querido, o efeito é você aprender a viver sem ele pelo resto da vida. Em tantas ocasiões, chegamos até a nos arrepender de algumas coisas do passado na tentativa de justificar o momento presente. É sobre a fragilidade do ser humano e sua inquietação em não saber perder e a pouca habilidade em se refazer perante os próprios erros que faz de "Por Amor" um drama interessante.

A trama começa sendo narrada em off por Clay (Spencer Hudson), um adolescente que nasceu surdo e mudo. Logo nas primeiras linhas, ele relaciona sua vida a de Andrew (Ashton Kutcher), um jovem esportista que tem sua vida brutalmente alterada quando a irmã é assassinada. Na vida de Clay, seu pai também foi assassinado pelo melhor amigo, deixando o garoto e a mãe Linda (Michelle Pfeiffer) na condição de cuidar um do outro. Pode parecer estranha a relação dos três personagens, mas logo constatamos que eles procuram a mesma coisa: justiça.

Andrew mora com a mãe Gloria (Kathy Bates) e a sobrinha, órfã da mãe e cujo pai não é presente, e tem um trabalho ordinário em uma loja de alimentação. Tanto Gloria quanto Linda frequentam um grupo de ajuda para a superação de suas perdas e, em uma das reuniões, Andrew participa e conhece o drama de Linda. O contato deles não se restringe apenas a este, mas também às frustrações das salas de espera do tribunal onde os assassinos de seus entes queridos aguardam o veredicto.

Andrew deixou de lado as competições de luta livre, porém ainda treina sozinho. Assim também acontece com seus exercícios de musculação. É como se isso ocupasse sua mente da lembrança do corpo da sua irmã queimado e mutilado perto de um rio. Já Linda trabalha com organização de casamentos, sempre se emocionando durante as cerimônias ao lembrar de seu próprio casamento interrompido. Mesmo sendo uma mãe dedicada, algumas vezes ela perde o controle com Clay, que se tornou introspectivo e em constante raiva do mundo após a perda do pai.

Como já deve ter dado para perceber, a construção dos personagens feita pelo diretor e roteirista David Hollander é fantástica. Os três personagens são vítimas de um sofrimento desgastante. O primeiro ponto positivo é fazer com que o filme seja contado pelo olhar de Clay, surdo e mudo, porém que fala seus pensamentos em off. Em uma bela performance de Spencer Hudson, Clay representa não só a vontade de fazer justiça com as próprias mãos, mas sua condição em termos de comunicação o põe em um patamar muito superior do que os outros personagens. A inocência da juventude de Clay, bem como a impossibilidade muitas vezes de fazer com que Andrew o entenda o tornam um estranho em seu próprio ambiente. E essa relação é curiosa pelo fato de que a comunicação é essencial para as relações, porém os ruídos e desentendimentos podem prejudicar um diálogo.

Kutcher vive Andrew procurando esconder toda sua fúria dentro de si. Ao contrário de Clay, que é mais expansivo, Andrew procura compensar sua raiva em outras coisas, como o desgaste físico. Porém, seu controle acaba sendo questionável quando entra na vida dos outros personagens. Pfeiffer vive uma bela mãe de família que agora tem a responsabilidade de seguir a vida. Com uma performance simples, porém cativante, Pfeiffer também tem o dever de mostrar o quanto a sensualidade independe da idade. Ela é bonita, apesar das marcas do tempo no rosto, porém a necessidade de seguir em frente faz com que ela continue tendo sonhos para se manter viva.

Com um argumento impecável, Hollander desenvolve a trama de forma envolvente. Ele aponta suas problemáticas e revela aos poucos as necessidades dos personagens. Entretanto, sua pouca experiência com roteiro e direção de seriados de televisão o leva a apelar para caminhos que tiram a beleza da história. O envolvimento de Andrew e Linda fica subentendido desde os primeiros minutos, então não precisa forçar uma cena em que a tensão entre eles estoure verbalmente. Neste momento, o silêncio, que é tão bem trabalhado por Hollander, cairia bem. O cineasta também opta por ações que entregam o que vem a seguir, principalmente no ato final. Isso pelo menos é amenizado com um nível brando de suspense positivo que deixa o espectador confuso em até onde uma pessoa pode ser capaz de ir para encontrar o falso bem-estar.

Hollander também peca ao, muitas vezes, não deixar fluir o romance de Andrew e Linda em paralelo com os julgamentos dos assassinos, que foram os principais responsáveis por uni-los. A carência e o cuidado que eles desenvolvem renderiam muitos momentos mais significativos por seu potencial imagético do que verbal. Como diretor, Hollander se mostra a vontade com sua história, sempre acompanhado de uma trilha sonora melancólica que dá seriedade a trama. Mesmo com boas resoluções em termos estéticos, Hollander faz repetições em excesso de suas alternativas, como o desfoque e os usos do zoom. O mais interessante fica por parte da captura da alma dos personagens, em que o diretor tenta desesperadamente invadir o universo daquele personagem, mas tem que se contentar com planos detalhes belíssimos, como os feitos nos olhos de Andrew.

"Por Amor" mostra a insatisfação dos homens com a realidade crua e a dificuldade em se desapegar do passado. Em uma das cenas mais belas, protagonizada pela sempre ótima Kathy Bates, ela vende os discos que era da filha, porém no momento seguinte pede o dinheiro de volta por se achar incapaz de se desfazer daquilo. É desse desapego que as pessoas precisam para reconstruir a vida ou tentar seguir em frente. A dor dos personagens é tamanha, sendo bem transmitidas pelo elenco, porém eles são postos a prova quando precisam agir por si sós para conseguir superar as perdas do passado. A superação é difícil e o sofrimento é a opção mais comum. Com um desfecho um tanto quanto desproporcional à grandeza da história, "Por Amor" mostra que a vida não é tão previsível quanto a gente pensa e que, muitas vezes, precisamos aceitar que nem tudo é como foi um dia.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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