Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de março de 2009

Alma Perdida

Se você gosta de filmes de terror, passe longe de “Alma Perdida”. Com sua história medonha, suas péssimas atuações e seus pouquíssimos sustos, a película está mais para uma comédia de péssima qualidade.

É impressionante como Hollywood realmente não sabe mais como criar filmes de terror. A grande maioria das produções de sucesso nos últimos anos foram refilmagens de clássicos japoneses, como “O Chamado” e “O Grito”, ou refilmagens do próprio cinema americano, como o último “Sexta-Feira 13”. A falta de criatividade é tamanha que agora eles utilizam premissas históricas para escreverem roteiros que almejam ser e se vender como de terror. É assim em “Alma Perdida”, que toca no tema do Holocausto sem nenhum respeito ao massacre sofrido pelos judeus, e tenta misturar ficção e realidade ao inserir elementos sobrenaturais. Porém, depois de conferirmos o longa, concluímos que ler um livro de História sobre a temática assusta bem mais do que o próprio filme.

A personagem principal de “Alma Perdida” é Casey (Odette Yutsman), uma bela jovem americana que logo durante a primeira sequência é assombrada, no meio da rua, por um garoto que se transforma em um cachorro de máscara. Apesar de se tratar de um sonho, ela fica atormentada. A sensação, no entanto, só aumenta com o passar dos dias. Ela é agredida pelo pequeno Matt, de quem cuida nas horas vagas, que insiste em dizer para ela: “Jumby quer nascer agora”. Ao visitar o oftalmologista, Casey fica sabendo que a pequena pigmentação que apresenta em seu olho é um indicativo de que ela pode ter um irmão gêmeo. A suspeita é confirmada pelo seu pai, que explica que a criança nem chegou a nascer.

A partir de então, a jovem passa a ser regularmente assombrada pela alma de um garoto que acredita ser seu irmão. Em busca de respostas, ela procura Sofi Kozma (Jane Alexander), cujo nome encontrou em um papel guardado pela sua falecida mãe. Revelando ser sua verdadeira avó, Sofi alerta Casey de que ela está sendo perseguida por um dybbuk, uma alma maligna que se apossou do corpo do seu tio-avô Barto (irmão-gêmeo de Sofi) ainda criança, durante o Holocausto. Barto morreu vítima das experiências do verdadeiro médico nazista Joseph Mangele, que, dentre os diversos absurdos que cometeu, injetou tinta azul em crianças gêmeas judias, em busca da fórmula da raça ariana. Buscando proteger a si e a seus amigos, Casey tem uma única solução para se livrar da perseguição do dybbuk: procurar o rabino Sendak (Gary Oldman) para que ele realize um exorcismo.

Como pode ser constatado, a película tenta capturar elementos típicos dos filmes do gênero: a criança assustadora, como em “O Grito”; e o exorcismo, como em “O Exorcista”. Por mais que o primeiro filme citado não seja a melhor referência cinematográfica, ambos sabem melhor do que este trabalhar com os fatores que possuem em busca do tão sonhado susto. Aliás, “Alma Perdida” provoca bem mais risadas, como em todas as vezes que nos deparamos com as bizarras feições de Matt, não por ele ser realmente uma criança feia, mas por não possuir técnicas apuradas de interpretação.

O diretor e roteirista Davis S. Goyer faz com que todas as intenções de susto sejam extremamente previsíveis. Quem já é acostumado a ver filmes de terror sabe que a técnica mais comum para inserir o elemento surpresa na cena é sempre filmar o “mocinho” de um ângulo frontal, e em “Alma Perdida” é essa a única técnica aplicada. Goyer, que já dirigiu filmes pouco conceituados como “Blade: Trinity”, e co-roteirizou outros de sucesso, como os dois últimos filmes do Batman, jamais consegue surpreender o espectador, por mais que a trilha sonora de suspense esteja sempre presente.

Como roteirista, Goyer cria uma história absurda, de diálogos infelizes e sequências ridículas. Inicialmente, apenas acompanhamos Casey e as atormentações que está sofrendo, as quais já não agradam ao público, mas com a inserção de fatos históricos, a trama fica insustentável. Justificar a aparição do dybbuk via Holocausto é muita pretensão para um filme que se revela pequeno em sua meia hora inicial. Apesar de apenas citar os massacres ocorridos nos campos de concentração de Auschwitz, “Alma Perdida” não pode ser levado a sério depois dessa referência. E o que dizer do bisonho diálogo entre Casey e seu namorado nos bancos de uma lanchonete? Os dois têm como “genial” conclusão para seu “profundo” papo o fato de que o mundo nunca foi seguro. Simplesmente, uma das piores cenas que já vi no cinema, sem contar outros diversos “furos” de roteiro que não valem a pena nem serem comentados.

O elenco do filme é bastante instável, seja por sua protagonista irregular ou pelos seus experientes coadjuvantes. Odette Yutsman é incapaz de convencer o público de que realmente Casey está sofrendo, além de não ter nenhum carisma. É uma “mocinha” pela qual não torcemos em nenhum momento. Jane Alexander (atriz indicada a quatro Oscars) não compromete o nível de atuações, apenas a sua narração “em off” soa exageradamente lenta. Gary Oldman faz do rabino Sendak um personagem crível, por mais que o roteiro se esforce contrariamente. As cenas de exorcismo poderiam soar absurdas se o ator não estivesse presente.

Com um desfecho que abre espaço para uma sequência, “Alma Perdida” é uma afronta à inteligência do público fã de filmes de terror. Por mais que outras “bombas” do gênero tenham sido enviadas por Hollywood nos últimos anos, o filme se destaca entre os piores. É só esperar e torcer para que “Alma Perdida 2” seja apenas um devaneio do seu criador David S. Goyer.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre