Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de março de 2009

Simplesmente Feliz

Por dois anos consecutivos, tivemos filmes despretensiosos e de baixo orçamento liderando a categoria de roteiro original no Oscar e fazendo um enorme sucesso de público pelo mundo inteiro. Esse ano, “Simplesmente Feliz” poderia ter sido a “Pequena Miss Sunshine” ou “Juno” da vez, mas infelizmente isso não aconteceu.

Saindo do denso “O Segredo de Vera Drake”, o diretor britânico Mike Leigh resolve explorar outros ares e nos apresenta “Simplesmente Feliz”, um filme leve e cativante, estrelado por Sally Hawkins em sua terceira contribuição para Leigh.

A construção da história que nos envolve por 118 minutos é simples: acompanhamos a vida dessa professora primária que sai para beber com as amigas, visita suas irmãs e decide aprender a dirigir. As desventuras da vida passam por ela e seu sorriso permanece o mesmo, assim como a sua vontade de contagiar os outros ao seu redor.

Londres nem parece a mesma cidade nublada, fria e distante que geralmente nos é apresentada em outros filmes, quando assistimos Poppy (Sally Hawkins) passear com sua bicicleta e suas roupas chamativas pelas ruas, sorrindo e acenando para as pessoas. Quando a bicicleta de Poppy é roubada, tudo o que ela diz é “puxa, e eu nem tive a chance de me despedir”. Seu bom humor e seu otimismo são estampados como uma marca registrada, pois Poppy nunca fica brava ou triste, sempre procura observar o lado bom dos acontecimentos.

É difícil perceber quando é que a película deixa de ser apenas uma comédia leve e se torna uma reflexão. Talvez esse momento esteja escondido no olhar da protagonista pela janela, ou quando seu sorriso lentamente se desarma. Poppy não é uma pessoa simplesmente feliz, como o título em português sugere. Poppy é uma daquelas pessoas que esperam sempre pelo melhor, mesmo em tempos difíceis, e que não busca apenas a sua felicidade, mas a dos outros também.

Os grandes momentos do filme estão nos diálogos entre a professora e seu instrutor de direção, um homem amargurado e extremamente instável, que representa o exato oposto de Poppy. Os encontros semanais para o que seria apenas uma aula de direção acabam crescendo dramaticamente e tomando proporções inimagináveis para a doce e, até certo ponto, ingênua Poppy. Scott (Eddie Marsan) implica com tudo: as botas de salto alto, a falta de atenção, as piadinhas e sorrisos descompromissados. O único momento em que percebemos a personagem se abalar emocionalmente está centralizado em uma dessas cenas.

O realizador Mike Leigh faz uma escolha corajosa: a de tentar recriar a alegria de Poppy em quem assiste sua história se desenrolar. Essa não é uma tarefa tão fácil, mas Leigh conta com uma bela fotografia idealizada por seu parceiro de longa data, Dick Pope, que recria o otimismo de Poppy através de cores fortes e uma iluminação favorável. A trilha sonora impecável, composta por Gary Yershon, também dá o tom bem-humorado do longa, que serve de apoio para Sally Hawkins criar uma das personagens mais cativantes do ano de 2008.

Ganhando destaque em prêmios independentes, a atuação de Sally Hawkins, que conquistou um Urso de Prata do Festival de Berlin, foi negligenciada pelo Oscar, que sequer a indicou ao prêmio de Melhor Atriz. Graças à sua sutileza, o filme passa longe da mediocridade e ganha respeito, tornando-se uma bela história. Hawkins com certeza seria a zebra do ano, mas merecia ser mencionada, pois seu desempenho é o que garante, senão a empatia, pelo menos a simpatia do público pelo filme.

Marina Alves
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