Atualmente, é muito difícil falar de filmes vindo de histórias em quadrinhos. Esse incrível universo simplesmente deixou aquela velha condição de entretenimento e tornou-se um universo muito mais sério. Filmes de quadrinhos não são para crianças. São para os adultos que amadureceram junto com essas histórias. “Watchmen” faz questão de reafirmar sua maturidade.
Infelizmente – ou felizmente -, é difícil falarmos desse universo sem citar “Batman- O Cavaleiro das Trevas”, que foi dono da última revolução do gênero. Esses dois em especial têm algo – ao menos para mim -, em comum: o desnível no terceiro ato. Não que o resultado seja ruim, absolutamente, mas em ambos os filmes, o desfecho da história não corresponde ao ritmo e parâmetros que o início de cada película propôs ter. Tanto “Batman” quanto “Watchmen” têm uma grande duração e conseguem lidar com isso, mas tem um tropeço lá na hora de fechar as pontas.
“Watchmen” é situado em uma América alternativa de 1985, na qual super-heróis fantasiados são parte da estrutura comum da sociedade, porém são odiados por ela, o que compele-os a permanecer no anonimato. Quando um de seus antigos colegas é assassinado, o vigilante mascarado Rorschach decide investigar um plano para matar todos os super-heróis do passado e do presente e, nesse paralelo, somos apresentados as diversas histórias que cercam essa maligna estratégia e quais seus fundamentos.
Um longa de 163 min tem todos os artifícios para falhar: monotonia, desinteresse e desordem. Mas, incrivelmente, a película cria uma linha de desenvolvimento e raciocínio que consegue mantê-lo eficaz durante todo o primeiro e segundo atos. A terceira parte, como disse, soa como uma fuga parcial não do tema, mas da proposta do filme.
O roteiro tem um grande poder. É bem provável que para leigos dos quadrinhos, como eu, somente seja absorvido a metade do que o filme propõe. Ainda assim, a maneira em que somos apresentados àquele universo caótico torna completamente crível que os personagens usem fantasias ridículas e acaba não soando mal hora alguma. Como adicional, ainda somos apresentados a uma história organizada de maneira não-linear, que nos apresenta os atuais acontecimentos, mas mostra também os anteriores a esses, justificando assim o que acontece na tela. Ele peca um pouco no final, mas por acabar brincando com a natureza de sua própria existência, torna aceitáveis seus clichês.
Ao contrário de “Sin City”, “Speed Racer” e até um pouco de “300”, o visual alternativo utilizado no longa não se torna cansativo hora alguma. A representação do universo é simplesmente genial e ainda somos apresentados à referências a filmes como “O Iluminado” e “Dr. Fantástico”, de Kubrick, “Blade Runner”, de Ridley Scott, e ainda uma meia dúzia de clássicos. Claro que grande parte disso deve-se à Zack Snyder.
O diretor, que tem apenas três trabalhos em sua filmografia, mostra-se de uma competência absurda. “Watchmen”, que é um dos quadrinhos mais ovacionados de todos os tempos, necessitava de alguém com visão para conseguir guiar o projeto. Snyder agora sabe dosar muito bem as câmeras lentas – coisa que pecou em “300” -, tem enquadramentos interessantíssimos, planos brilhantes e uma perspectiva criativa. Talvez ele seja o grande trunfo do filme. Ele consegue criar sequências geniais no longa, como a do início, por exemplo, onde o vigilante Comediante é assassinado.
Snyder também não poupa literalmente nada no filme. Desde uma nudez exacerbada – talvez desnecessária do “Dr. Manhattan” -, passando por algumas cenas de sexo, até uma carnificina bem feita. Por sinal, ele utiliza a violência de maneira bastante curiosa: cheia de maneirismos, porém crível. Ele não mede esforços para contar sua história em toda sua plenitude e dispõe de todos os recursos para fazê-la.
O elenco também é de grande ajuda para o resultado final positivo. As lindíssimas Malin Ackerman e Carla Gugino são os melhores colírios para os olhos, além de conseguir transmitir profundidade emocional para seus respectivos personagens. Patrick Wilson desempenha um bom papel também, mas quem rouba as cenas é Jackie Earle Haley, que já havia chamado atenção em “Pecado Íntimos” e consegue um personagem bastante divertido nesse filme.
Além de uma fantástica fotografia, ainda temos efeitos visuais e especiais bastante caprichados, além de um recurso sonoro eficaz. Aliás, a trilha sonora do filme é algo bastante interessante. São misturados diversos gêneros musicais e cada uma daquelas canções desempenha uma função adequada no longa.
O filme mais aguardado de HQ’s de todos os tempos, para aqueles assíduos aos quadrinhos, pode corresponder tamanha espera. Para o grande público, talvez o filme incomode principalmente pelos excessos. Mas na verdade, poucas vezes vemos tanta coragem em um só recipiente.
Coragem por adaptar uma história como essa, coragem por recriar um universo visualmente rico, coragem por não se importar com a censura e coragem por saber lidar com diversos outros aspectos. Palmas para toda a equipe, mas o meu reconhecimento em especial vai para Zach Snyder, um nome que certamente se tornará importante a partir de agora.