Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 06 de março de 2009

Quem Quer Ser um Milionário?

Ganhador de oito Oscars, o grande papa-prêmios da temporada é um filme muito bom. Bonito, comovente e com cara de projeto independente, “Quem Quer Ser um Milionário?” tem diversas qualidades, porém não é melhor do que outros que concorreram ao Oscar anteriormente.

Lembro-me do ano em que “Pequena Miss Sunshine” era dono de grande parte das apostas na corrida ao Oscar. Ele foi um dos poucos filmes que tiveram força para chamar tamanha atenção do público e crítica. Em um ano bastante concorrido, ele foi passado pra trás, mas ainda assim ovacionado pela maior parte de seus espectadores. Logo depois, “Juno” veio com tudo e botou medo em grandes figurões do cinema. Estávamos cogitando a possibilidade de que a preferência por um filme independente poderia restaurar muitos padrões da academia. E novamente, com um ano brilhante (e injusto), o filme da Diablo Cody ficou para trás.

Essa onda de filmes independentes está dando certo. Idéias bacanas com roteiros recheados e sutis são um prato cheio para que o longa caia nas graças do público. O filme em questão gosta de abusar disso o tempo inteiro. Ele gosta de mostrar que é um filme alternativo, ele abusa de tudo que o faz diferente e acaba industrializando demais o que deveria ser muito mais simples.

Talvez tudo comece pelo roteiro. O texto de Simon Beaufoy pode até não querer, mas mostra-se deveras pretensioso. Seja explícita ou implicitamente pela abordagem de discriminação racial e social, pelas alfinetadas na política ou por uma história que pode aparentar forçada, o que deveria ser sutil ou humilde torna-se, principalmente, um mero aglomerador de prêmios. É justamente essa a impressão que me veio ao término da projeção: um papa-prêmios. Simplesmente não houve a dosagem correta da explanação de diversos pontos.

A história do filme acontece em ordem não-cronológica, apresentando a vida de Jamal Malik (Dev Patel), um rapaz de 18 anos que está participando de um programa televisionado denominado “Who Wants to Be a Millionaire?”, que limita-se a um jogo de perguntas e respostas, no qual cada resposta correta corresponde a um novo prêmio em dinheiro à ser recebido. Chegando tão longe como nunca ninguém conseguiu, Jamal acaba sequestrado por indivíduos que não acreditam em sua capacidade cognitiva. No decorrer do diálogo que ele tem com o sequestrador, vamos revistando toda a vida de Jamal e descobrindo como realmente ele conseguiu chegar tão longe em seu sonho.

Um aspecto importante de se destacar é a direção ganhadora do Oscar de Danny Boyle. Ele, que lá no comecinho da carreira trouxe “Trainspotting” à vida, mantém diversos dos elementos que o consagraram. Seu estilo de câmera meio incidental, a agilidade na qual acompanha os personagens da história, o ritmo frenético e tudo mais nos lembra a todo o momento que Boyle está no comando do longa. Ele realmente está entre os melhores do ano e merece seu reconhecimento. Importante salientar que ele também conta com o auxílio de Loveleen Tandan, que é a diretora secundária que cuidou de algumas seqüências filmadas na Índia.

A fotografia do longa abusa das cores presentes nas locações, o que aplica-se perfeitamente à história. Tudo no filme remete à cultura indiana e posso dizer que Anthony Dod Mantle acertou a mão quando o aspecto é a fotografia da película. É um deslumbre frenético visual e isso é inegável. A direção de arte é bastante poderosa, e somos, por diversas vezes, hipnotizados pela tela.

A montagem do filme é um dos pontos que mais chama atenção, senão o de maior destaque. Com um corte interessante e alternâncias em uma montagem não-cronológica, “Quem Quer Ser um Milionário?” consegue realmente prender o espectador. A cada viagem que o personagem Jamal faz para explicar aos espectadores de onde surgem as respostas, somos apresentados a situações adversas que conseguem dar o tom do carisma ao personagem. A edição de Chris Dickens é completamente insana, bem como a direção de Boyle. Por esse motivo, o entrosamento entre esses dois aspectos é de grande harmonia.

A trilha sonora tem todos os traços da cultura indiana e novamente interage com os outros aspectos de forma bastante eficaz. Ganhador dos Oscar de Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção Original, esse aspecto sonoro realmente chama atenção. A trilha apresenta-se bem empregada no filme, mas, devo advertir que ela não é equiparável às trilhas de outros filmes que foram concorrentes em premiações adversas.

Talvez a crítica em geral pôs muito gás no filme, o que acaba prejudicando quando de fato criamos muitas expectativas. Envolvente e encantador, o longa é sim um dos melhores do ano, mas de forma alguma, o melhor. A academia acabou por agraciá-lo com diversos prêmios, simplesmente para forjar humildade em seus propósitos, o que, diga-se de passagem, foge completamente de seu perfil.

Amenar Neto
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