Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de fevereiro de 2009

Operação Valquíria

“Operação Valquíria” não é um filme ruim, mas simplifica demasiadamente uma complexa história real e seus interessantes personagens, pasteurizando a trama e transformando-a em apenas mais um longa hollywoodiano.

Um filme razoável repleto de talentos extraordinários. Assim pode ser descrito este "Operação Valquíria", filme sobre a Segunda Guerra Mundial usado como veículo para o super-astro Tom Cruise voltar ao mundo dos filmes mais sérios. Ao contrário dos demais longas sobre este turbulento evento histórico – e seguindo o exemplo do recente "O Leitor" -, a fita mostra o lado germânico do conflito e tentativas de pessoas de se dissociarem da imagem do ditador Adolf Hitler. Aliás, ambos os filmes possuem cenas em tribunais e uma comparação entre as duas – uma durante o regime nazista e outra após a sua queda – é bastante interessante.

A diferença é que em "Operação Valquíria" a narrativa se passa durante o conflito per si e os descontentes são membros do próprio exército alemão, cientes de que uma vitória dos aliados sobre o Terceiro Reich está próxima. O filme tem início quando seu protagonista, o Coronel Stauffenberg (Cruise), na ativa na África, redige uma carta falando sobre os crimes que ele vê sendo cometidos diariamente pelo regime nazista.

Determinado a salvar o máximo do povo alemão possível, ele não é bem visto por seus colegas. Durante um ataque dos aliados, Stauffenberg acaba seriamente ferido, perdendo sua mão direita, dois dedos da esquerda e seu olho direito. Paralelamente, acompanhamos uma tentativa de assassinato contra Hitler (David Bamber) perpretada nas escondidas pelo Major-General Tresckow (Kenneth Branagh), que acaba falhando, mas o militar não é descoberto.

Tresckow faz parte de um grupo secreto de militares e políticos que luta para tirar o ditador do poder. Quando um dos conspiradores é preso, o General Olbricht (Bill Nighy) sugere que tragam Stauffenberg para o movimento. Logo, este acaba ascendendo na organização e propõe um plano complexo, que utilizaria um dos planos de contingência de Hitler, a Operação Valquíria do título, contra ele próprio.

O longa é tecnicamente impecável. O diretor Bryan Singer é eficiente em retratar o exército nazista e sua estética visual atraente, auxiliado por uma direção de arte e uma cinematografia extremamente competente. O problema jaz na narrativa deste. Personagens aparecem e desaparecem de cena muito rápido, dando pouco tempo para o espectador se preocupar com eles ou se importar com seus destinos.

Sendo um longa histórico, surge mais um problema sério para a fita, já que sabemos que, invariavelmente, o plano de Stauffenberg irá falhar e que aqueles homens estão condenados. Daí, o roteiro de Christopher McQuarrie e Nathan Alexander tenta criar um suspense quanto ao que acontecerá com a família do personagem, mas eles têm tão pouco tempo de cena que é impossível se envolver com essa subtrama.

Nesse sentido, a bela e talentosa atriz Carice van Houten, que vive a esposa do protagonista, é a que sofre mais, já que nunca compreendemos muito bem a natureza do relacionamento entre Stauffenberg e sua mulher. Acaba até parecendo um pouco "frio" demais para o público, complicando o envolvimento do espectador no desespero do protagonista em saber como estão seus entes queridos (algo citado várias vezes no terceiro ato do filme), já que estes mal aparecem.

Outro problema grave do filme é o excesso de cenas que mostram como as maquinações do movimento deverão ocorrer, que são tratadas por Singer com um peso tamanho e confundem o público, que acha que aquilo está "realmente" ocorrendo no universo do filme. Os próprios planos do diretor Bryan Singer, apesar de bonitos e, repito, tecnicamente muito bem feitos, por vezes soam excessivamente estilizados, vide a cena da vitrola, totalmente desnecessária.

Notamos que Singer alterou sensivelmente seu filme durante o longo tempo em que este ficou na ilha de edição, já que alguns saltos temporais são abruptos e pelo já citado entra-e-sai de personagens. Um exemplo disso é a cena que mostra o primeiro encontro do protagonista como General Fellgiebel, na qual a audiência fica se perguntando quem é essa figura e por que ele é tão importante assim para o plano. Isso parece ter sido explicado em uma cena cortada e que o espectador só descobre bem mais tarde, mas com essa informação não sendo escondida por suspense, e sim por mero "descuido" do filme.

Esse mesmo problema, que foi infligido para reduzir a duração da fita, acaba tirando tempo precioso de tela de atores consagrados como Kenneth Branagh e Bill Nighy, que ficam extremamente apagados durante o filme. Branagh, aliás, que tem algumas das melhores cenas do longa, simplesmente desaparece no meio do longa, só vindo aparecer de novo em cena praticamente no final da produção.

Cruise foi obviamente beneficiado com bem mais tempo de tela. Embora sua interpretação esteja na medida para o personagem, ele é a figura menos interessante do filme, já que se apresenta como o herói de caráter inabalável, ou seja, a persona natural de Tom Cruise pela centésima vez na tela. Já a figura real de Stauffenberg era bem mais complexa que um mero herói de cinema, mas isso é mais uma falha de roteiro que do ator.

Enquanto isso, personagens mais desafiadores como o íntegro Ludwig Beck, vivido pelo sempre ótimo Terence Stamp, são ignorados por muito tempo. Tom Wilkinson teve mais sorte, já que o seu dúbio e ganancioso General Fromm consegue ter um arco narrativo razoavelmente satisfatório, com o ator não deixando a desejar.

David Bamber faz um ótimo Adolf Hitler, com sua interpretação lembrando bastante a de Bruno Ganz em "A Queda – As Últimas Horas de Hitler". Bryan Singer ainda teve o cuidado de ampliar a presença do ditador, apresentando-o sempre com pompa e circunstância, ressaltando o poder que aquela figura tinha em simplesmente estar. Até mesmo a própria trilha sonora se encarrega de mostrar isso.

"Operação Valquíria" está muito longe de ser um ótimo filme de guerra, mas não é exatamente ruim. O problema é que a história do perigosamente obstinado Stauffenberg e de seus co-conspiradores merecia algo na linha de "O Leitor" ou "A Queda", não ser mostrada como uma típica história de mocinhos e bandidos hollywoodiana.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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