Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

Foi Apenas um Sonho

Brigas, brigas e mais brigas. Este longa dirigido por Sam Mendes aborda situações críticas e reais de um relacionamento amoroso, mas falha ao não apresentar situações diferentes. O duelo de interpretações de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet acaba garantindo o valor do drama.

Leonardo DiCaprio e Kate Winslet estrelaram uma das maiores história de amor do Cinema, no filme mais arrebatador de bilheteria de todos os tempos. Como todos sabem, a obra em questão é "Titanic", de 1997. Reuni-los novamente era algo inevitável como estratégia de marketing e tal feito é realizado 11 anos depois com este “Foi Apenas Um Sonho”. A dupla de "Titanic" em um drama dirigido Sam Mendes, cultuado diretor de “Beleza Americana”, certamente é uma combinação que até antes de conferir o resultado já cheira a Oscar. Após várias indicações ao Globo de Ouro, o longa acabou ficando de fora das principais indicações do Oscar para a surpresa de muitos. O que não chega a ser nenhuma injustiça…

A trama, ambientada nos anos 50, traz o casal Frank (DiCaprio) e April (Winslet). Eles sempre se consideraram especiais e prontos para levar uma vida seguindo ideais. Ao se mudarem para uma casa na Revolutionary Road, eles ficam orgulhosos por declarar independência da inércia suburbana que os rodeava. Porém, logo eles percebem que estão se tornando justamente aquilo que não queriam ser. Frank está em um trabalho insignificante e tem medo de tudo, enquanto que April é uma dona de casa infeliz. Decidida a mudar a situação, April propõe que comecem tudo de novo, deixando de lado o conforto da atual casa e recomeçando em Paris. Entretanto, para executar este plano, eles chegam aos seus extremos.

Sam Mendes já mostrou em “Beleza Americana” o quanto o tema crescimento e desmonte de uma família pode ser muito bem abordado. Mas, ao invés daquele humor irônico e às críticas ao American Way Of Life, aqui ele se atém unicamente a mostrar a crise de um casal. E “Foi Apenas Um Sonho” se resume a isso: brigas e discussões do começo ao fim. O que não deixa de ser interessante conferir a fundo situações de quando um relacionamento está por um fio. Raiva do parceiro por motivos diversos e que o outro nada tem a ver com a situação desagradável, sonhos não realizados, divergências por motivos pessoais e profissionais, até culminar nas traições.

É um longa que mostra situações reais na vida de qualquer casal que no fundo se ama bastante, mas não pára de se confrontar um segundo sequer, por mais que se esforcem para se agradar. Esse é um grande mérito desta adaptação, que certamente criará a identificação de muitos espectadores. E, vale ressaltar, a direção sempre competente de Sam Mendes prima por deixar o clima sempre denso, criando uma certa sensação de desconforto em quem está do outro lado da tela, como se este participasse de todo momento de briga do casal protagonista. Até mesmo a cena de sexo entre eles (que, vale lembrar, Winslet era casada com o diretor na época das filmagens e ele preferiu acompanhar a cena via monitor, em outra sala) soa um tanto crua, sem um pingo de romantismo.

O problema é que o roteiro de Justin Haythe, baseado no famoso livro de Richard Yates, pára por aí nos questionamentos, se limitando nas questões básicas do relacionamento. Durante as duas horas de projeção, vemos um casal dar voltas e voltas e o longa não sai do lugar comum, dentro de acontecimentos sempre previsíveis, por mais chocantes que sejam. Pode funcionar bem na literatura, mas nem tanto no audiovisual. Sem falar que os personagens secundários nunca recebem o devido valor e parecem estar lá apenas para ilustrar a tela. Os dois filhos dos protagonistas, por exemplo, sequer têm seus rostos focados e nunca testemunham os conflitos da família. Sem falar na corretora Helen Givings, vivida pela veterana Kathy Bates (que já adotou um modo automático de atuar, mediante tantos filmes em que se compromete), que parece ter sido encaixada unicamente para prestigiar a atriz.

A única exceção fica por conta do complexo personagem John, vivido de maneira admirável por Michael Shannon, que infelizmente tem pouco tempo em cena (e, por isso, a indicação para a categoria Melhor Ator Coadjuvante soou um tanto forçada). Shannon vive um ex-matemático que ficou perturbado da cabeça após receber forte tratamento numa clínica psiquiátrica. Ele é responsável pela cena mais interessante do longa ao provocar um clima tenso em um almoço, aparentemente calmo. Por falar o que pensa, chega a ser reflexivo como a verdade crua e óbvia seja dita por um “louco”, por mais inconveniente que seja.

Perante a falta de atrativos extras, o que move o longa é o embate de interpretações. DiCaprio e Winslet fazem qualquer um esquecer de roteiro ao tornarem o longa um drama forte e que, se fosse estrelado por astros incompetentes, certamente perderia seu valor. Não seria errado dizer que o filme se resume à dupla. Ele, cada vez mais se esquiva dos personagens joviais e demonstra um talento ímpar ao encarnar homens maduros. Suas expressões de revolta chegam a ser chocantes, enquanto, do outro lado, Winslet tem que suportar a dor. Ela comprova que é uma das melhores atrizes de sua geração, conferindo aqui todo seu talento dramático para dar a sua personagem o caráter de mulher infeliz e frágil, prestes a explodir.

As outras indicações, nas categorias Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte, são mais do que merecidas. Apesar do fato de a trama se passar nos anos 50 não influenciar em nada o desenrolar dos acontecimentos, as caracterizações da época, desde os trajes, até a ambientação da Revolutionary Road (rua que dá o título original do filme) são muito impressionantes. Bem que Leo ou Kate poderiam figurar entre os prestigiados, mas só isso.

Mendes novamente mostra o quanto sabe lidar com as questões familiares, mas não será por este filme que ele será lembrado. “Foi Apenas Um Sonho” cumpre seu dever, mas se o público futuramente tiver interessado em rever um filme sobre conflitos amorosos que deixe uma sensação incômoda, ele ainda irá optar por “Closer – Perto Demais”.

Thiago Sampaio
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