Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Austrália

Muito bonito, mas vazio de conteúdo, "Austrália" pode não ser um filme exatamente ruim, mas passa bem longe do épico prometido por seu diretor.

O diretor Baz Luhrmann fez seu nome quebrando paradigmas. Sua filmografia possui uma versão moderna de um clássico shakespeariano ("Romeu + Julieta") e um musical que se utilizou de canções pop para contar uma trágica e bela história de amor ("Moulin Rouge! – Amor em Vermelho"). No entanto, pouco do cineasta revolucionário e inovador dos citados filmes está presente neste "Austrália".

Não que o filme não seja bonito visualmente. Longe disso. Luhrmann continua sendo um mestre no visual, com planos elegantes e uma fotografia plasticamente perfeita, que também deve ser creditada ao trabalho da cinematografa Mandy Walker. Cenas no outback australiano, com a passagem dos cangurus, a travessia pela terra do nunca-nunca, a cidade de Darwin… todas irão fazer o público prender a respiração de tão belas. Mas o diretor parece ter esquecido que não foi só o visual magnífico de seus filmes que lhe colocou em destaque, mas também a beleza de suas histórias, a criatividade destas e a humanidade de suas personagens.

Ora, as figuras e tramas que aparecem em "Austrália", salvo algumas exceções, são esquemáticas, pálidos ecos de personagens vindas de outros filmes ou meros clichês ambulantes. É quase impossível não comparar a trajetória da protagonista da película com a de Scarlett O’hara, de “… E o Vento Levou". Vejamos aqui a trama geral: a aristocrata inglesa Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman) viaja de sua terra até a quase falida fazenda de gado de seu marido na Austrália, local onde ele passa a maior parte de seu tempo.

Suspeitando que seu cônjuge esteja "pulando a cerca", ela descobre que o lugar está sendo desejada pelo barão do gado local, King Crowley (Bryan Brown), que ordena a seu capanga, Neil Fletcher (David Wenham), fazer de tudo para levar o local à falência, inclusive matar o seu proprietário, o que acaba acontecendo. Para salvar a fazenda, Sarah deve levar 1.500 cabeças de gado para a cidade de Darwin, onde serão adquiridas pelo exército australiano, necessitado de carne para seus soldados que irão lutar na vindoura Segunda Guerra Mundial.

Para isso, ela conta com a ajuda do Capataz (Hugh Jackman), um despreocupado homem que se dá mais com os aborígenes do que com os brancos, algo que o torna tão indesejado pela civilização quanto os nativos. Por falar na questão racial, a história nos é contada por um menino meio branco, meio aborígene, Nullah (Brandon Walters), que acaba por aflorar os instintos maternais de Sarah.

Esta é a trama da primeira parte do filme. Sim, primeira parte, pois pode se dizer que o longa (realmente longo) contém duas histórias quase que independentes, com a segunda se passando já durante o conflito mundial. Cada uma das metades possui sua própria construção e clímax, podendo muito bem ser desmembrada sem grandes perdas narrativas. Aliás, esse é um dos grandes defeitos de "Austrália". Ao tentar colocar vários elementos da história de seu país no filme, Luhrmann acaba por não desenvolvê-los de maneira satisfatória.

Um exemplo disso é a cultura aborígene, tão respeitada pelo Capataz, que acaba não ganhando o peso que deveria junto ao espectador, apesar de ser fundamental para o roteiro. Assim, um elemento importantíssimo para a compreensão da fita acaba não sendo explicado devidamente dentro da narrativa. Isso ainda torna a questão do racismo um tanto mais complicada de ser entendida por quem não é especialista no assunto.

A evolução dos personagens é algo que ocorre muito rapidamente e sem grandes explicações. A primeira parte do filme se passa em poucos dias, mas é tempo suficiente para Sarah abandonar suas "frescuras" e se tornar uma boiadeira tão boa quanto o Capataz, quando poucas horas antes ela carregava um conjunto de malas imenso e reclamava de qualquer coisa que acontecesse com elas. Perdoe-me, Sr. Luhrmann, mas isso é roteirismo, não evolução de personagem.

O romance-relâmpago entre Sarah e o Capataz é até compreensível, já que ambos passam por uma situação-limite capaz de aproximá-los. O problema é que grande parte dessa aproximação acontece entre as cenas, fazendo com que o romance fique apressado demais. Quando uma senhora no filme comentou que mal o marido de Sarah tinha morrido e ela já estava atrás de outro homem, não pude deixar de concordar.

Nicole Kidman e Hugh Jackman realmente fazem um casal bonito em cena, mas falta-lhes química. Ela parece ter perdido o brilho após se entupir de botox, com um rosto extremamente artificial, que chega a tirar a atenção de seu trabalho em alguns momentos. A evolução saltada de sua personagem também não ajuda muito, tornando a atriz vítima de viradas de roteiro bruscas (de aristocrata, ela se torna fazendeira e, então, telefonista).

Jackman teve um pouco mais de sorte. Naturalmente carismático, o ator ainda conta com um personagem cuja evolução é mais gradual e cenas de ação que aproveitam seu potencial físico, mas com momentos mais intimistas que expõem os sentimentos do Capataz. No entanto, algumas cenas que se limitam a exibir o corpo do ator são embaraçosas de tão artificiais, mas esse é um problema de uma escolha visual do diretor, não do trabalho do intérprete.

Aí chegamos ao grande vilão do filme, Neil Fletcher, que não podia ficar mais caricatural. Entre envenenar rios, começar incêndios, matar pessoas, espancar o próprio filho, dar golpes do baú e chantagear outras pessoas, sobra muito pouco tempo para se conhecer o personagem. O longa tenta justificar as ações de Fletcher com uma motivação esfarrapada dada no meio de um diálogo, mas que realmente não convence ninguém. Seria melhor para David Wenham se o vilão fosse unidimensional, e até mais adequado ao tom de fábula da fita, já que as cenas que "explicam" as maldades de Fletcher não funcionam.

Mas a fita guarda uma grande surpresa, que foi o trabalho do estreante ator-mirím Brandon Walters. Carismático e bastante ativo em cena, o garoto de apenas 12 anos é a figura mais luminosa em um elenco repleto de nomes consagrados. Em uma sequência especialmente difícil, na qual Sarah conta a Nullah sobre "O Mágico de Oz", Walters praticamente engole uma paralisada Kidman. O rapaz realmente tem futuro.

Em determinada cena, Baz Luhrmann praticamente entope a tela com uma manada de bois gerados por computador, no momento visualmente mais artificial e feio do filme. À exceção deste momento, a fita é visualmente impecável, explorando a pluralidade de visuais que a Austrália possui. Em sua segunda metade, o cineasta ainda insere duas ótimas cenas de ação que não fazem feio perante a alguns épicos de guerra.

No entanto, a edição de Dody Dorn e Michael McCusker é falha em alguns momentos, tornando a película uma experiência excessivamente morosa. A trilha sonora de David Hirschfelder seria até agradável, não fosse a repetição ad nauseum de trechos de "Over The Rainbow", música de "O Mágico de Oz". A homenagem ao filme de foi até interessante e funciona no contexto do filme – Oz é um apelido para Austrália – mas precisava tocar essa parte da trilha tantas vezes?

A impressão geral que ficou de "Austrália" é de que seu diretor e roteirista principal não queria arriscar tanto, pelo menos não quando se trata da história de seu próprio país. Fora alguns poucos relances do audacioso Luhrmann responsável por "Romeu + Julieta" e "Moulin Rouge!", a mão surpreendentemente conservadora do cineasta, considerado por muitos como um dos mais originais de sua geração, transformou esta sua nova obra em apenas um romance mediano com um visual bonito.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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