Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 24 de janeiro de 2009

Austrália

Em quase três horas de duração, o cineasta Baz Luhrmann faz um recorte da Austrália que ele nasceu e admira. Com uma história que talvez desinteresse boa parte dos espectadores, "Austrália" é um épico belo e gigantesco, por mais que certamente divida o gosto do público e da crítica.

Baz Luhrmann é grandioso. Ele é grandioso como cineasta, como idealista, como cineasta que idealiza, desenvolve, cria e recria. Com uma carreira curta nas telonas, ele já fez a releitura moderna do casal shakespeareano em "Romeu + Julieta" e reabriu as portas aos filmes musicais com o aclamado "Moulin Rouge – Amor em Vermelho". Esses dois trabalhos revelam um pouco do estilo do diretor e dos recursos que se utiliza para contar uma história. Sempre sensível, humano, um tanto quanto feminino, glamuroso, enfim, são vários os adjetivos que podemos aplicar a Luhrmann. Afastado dos cinemas há algum tempo, ele volta com seu épico "Austrália" em mais um exercício de grandiosidade, exagero, brilho e requinte. Porém, um filme com um toque de audácia, talvez não muito original, que deve dividir o gosto do público, principalmente pela sua extensa duração.

A idéia é, certamente, chamar atenção às terras australianas e promover um maior turismo, reposicionando-a como ponto importante do globo terrestre. Luhrmann é australiano e contou com um elenco basicamente original do país. A trama é contada pelo olhar de Nullah (Brandon Walters), um garoto mestiço que narra a história de Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma dondoca que viaja da Inglaterra para um território místico e com uma guerra prestes a eclodir em uma cidadezinha da Austrália. Ela viaja com a intenção de vigiar o marido, sempre ausente cuidando de seu gado. Quando chega lá, Sarah é recepcionada por um homem chamado apenas de Capataz (Hugh Jackman), um típico cowboy durão. Logo, Sarah descobre que seu marido foi assassinado e que ela herdou suas terras e seu rebanho. Entretanto, existem outros interessados no valoroso território e Sarah precisa preservar o que é seu por direito. A partir daí, uma paixão surge, uma guerra eclode e uma família é construída.

Luhrmann teve a ajuda de mais outros três roteiristas para compor a trama. Não é para menos o empenho dessas oito mãos, já que fica claro o carinho com que a história foi concebida. As subtramas estão todas bem posicionadas e o filme é pontuado por momentos importantes para a construção total da narrativa. "Austrália" tem várias nuances durante a projeção. No começo, um pouco de comédia embala a trama. A mocinha se desentende com o futuro caso amoroso e admira as belezas da Austrália. Depois, o assunto começa a ficar sério e ela precisa proteger, além de suas terras, uma criança e a si mesma. No terceiro ato, uma guerra estoura e tudo precisa se resolver, mas não parece ser tão fácil assim.

"Austrália" tem sido comparado a "E O Vento Levou" por seu formato saudosista e estético. Existem as referências aos grandes épicos, principalmente aos westerns de John Ford, estilo esse que atualmente não rende tantos bons frutos. A referência mais explícita é de "O Mágico de Oz", que traduz com maestria a esperança daquele povo. Entretanto, o longa de Luhrmann se propõe a abordar temas como o racismo, a segregação, a crença, a carência, a violência, o oportunismo, o trabalho, o cotidiano e o futuro, este último com sua imprevisibilidade.

Falei mais acima que o longa era audacioso por ter um arco narrativo tão grande, consequentemente sendo longo para ser desenrolado, porém se a beleza das paisagens e a graciosidade dos personagens conquistam, dá a impressão de que os roteiristas criam todo um aparato de conflitos para, na hora de serem resolvidos, cair na falta de originalidade. Os conflitos geram interesse no público, mas ficamos com a impressão do previsível. Se tem uma coisa que incomoda na trama é isso: a ânsia pela inteligência de Lurhmann ousar. Não acontece. O que ele constrói no longa não é novidade e outros filmes já abordaram até de formas melhores.

Para sustentar a trama, Luhrmann repete a parceira com Nicole Kidman e conta com a empatia de Hugh Jackman. Os astros já dividiram a dublagem da animação "Happy Feet: O Pinguim", porém é a primeira vez que a harmonia entre eles é realmente registrada pelas câmeras. Kidman, inicialmente, é vista como uma dondoca que quase beira à loucura. É sempre bom captar o potencial cômico da atriz, que casa com o personagem de Jackman, contraponto da protagonista. Jackman é quase caricato, mas sua determinação e princípios fazem seu personagem ser interessante. Outro destaque no elenco fica com Brandon Walters, que cresce monstruosamente toda vez que aparece em cena. Walters é mágico e criativo, sendo uma grande promessa para Hollywood.

Na tentativa de engrandecer mais a história, Luhrmann é bem objetivo em seus planos. As gruas criam dimensões fantásticas para as terras australianas, os travellings dão ritmo à trama e os planos são sempre bem desenvolvidos. A câmera lenta também dá seu toque especial, principalmente quando precisa se comunicar com a fotografia de Mandy Walker. Admirável em muitos momentos, a fotografia acaba pecando pela instabilidade e o uso de croma key (fundo verde para recorte e inclusão de efeitos visuais) em determinadas cenas, desvalorizando a profundidade de campo e dando um toque genérico às imagens. Ainda assim, Walker se comunica bem com Luhramnn e eles criam momentos inigualáveis, como no começo da trama, quando um cavalo se banha na água ou na cena em que o rebanho caminha para um abismo. Esta última, por sinal, é grandiosa principalmente pelo desempenho de Walters, que induz toda a emoção da cena.

A trilha sonora não passa do comum, porém aparece sempre nos momentos corretos. A construção do figurino foi de responsabilidade de Catherine Martin, parceira veterana de Lurhmann, tendo desenvolvido os figurinos tanto de "Romeu + Julieta" quanto de "Moulin Rouge – Amor em Vermelho", que lhe rendeu um Oscar em 2002. Este ano, "Austrália" também ganhou uma indicação ao prêmio nesta mesma categoria. Ignorado pelas outras categorias técnicas do Oscar, o longa ao menos teve a beleza e charme do figurino reconhecidos. As vestimentas são impecáveis, principalmente as que Kidman usa. Além das roupas exuberantes, a direção de arte também merece aplausos. Os efeitos visuais são apenas razoáveis, já que em alguns momentos são pouco críveis, mas não chegam a decepcionar por completo.

"Austrália" foi bastante esperado devido ao seu longo cronograma de filmagens, mas acabou sendo um fracasso de bilheteria americana. No mundo, a situação melhorou e os US$ 130 milhões de orçamento devem ser superados facilmente. A crítica especializada divide a opinião. Uns acham que é um épico moderno que merece ser contemplado, outros já acham que a falta de inovação ou a aproximação ao kitsch prejudicam o rendimento do longa, tornando-o ordinário. Particularmente, "Austrália" é um belíssimo filme que encanta, mesmo sendo básico e longo. Existem mais qualidades do que defeitos e Lurhmann, mesmo com sua grandiosidade quase em excesso, faz mais uma boa obra cinematográfica. Quem tiver disposição, a experiência pode valer a pena!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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