Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Curioso Caso de Benjamin Button, O

Quem conhece ou já ouviu falar em David Fincher e seus trabalhos, pode por fim presenciar sua superação. Sua conquista, na verdade. Ele finalmente seu filme gigante, um orçamento monstruoso e um elenco de peso. Esse é o ápice dele no cinema, da mesma forma que “Sangue Negro” foi o ápice de Paul Thomas Anderson. Fincher nos dá uma nova razão para continuar a acreditar no futuro do cinema.

Primeiramente vou aprofundar um pouco mais sobre essa comparação que fiz acima. Tanto David Fincher quanto Paul Thomas Anderson são diretores formidáveis e que fizeram grandes trabalhos no passado. Particularmente, ainda acho que seus melhores trabalhos foram “Clube da Luta” e “Magnólia”, respectivamente. Mas infelizmente, o nariz torto da academia só olhou para eles agora. Contudo, a primeira coisa que me lembrei quando saí da sessão foi justamente em como “Magnólia” quis transformar a visão de seus espectadores, exatamente da mesma maneira que “O Curioso Caso de Benjamin Button” faz. Ambos os diretores chamavam a atenção por seus trabalhos competentes, mas acima de tudo tinham fome de cinema, da juventude, de qualidade e de acordar a sociedade para sentimentos, valores e atitudes.

“O Curioso Caso de Benjamim Button” é, primeiramente, um teste. São quase três horas de filme que se sustentam basicamente em romance e drama. “Magnólia” fez isso. E podemos contar a dedo os que fizeram e obtiveram êxito também. É relativamente fácil levar um filme enorme, sendo que ele é repleto de batalhas, ação, e estrondosos efeitos especiais. Não, não tenho nada contra “O Senhor dos Anéis”, “Batman”, “King Kong” ou afins. Mas é necessário ter pessoas muito competentes mesmo para fazer com que a história seja contada de maneira suficientemente interessante para prender a atenção do espectador durante tanto tempo. O filme leva fácil toda sua carga horária. Tudo bem que 3 horas são 3 horas, e é impossível passarem despercebidas, mas a magia que é apresentada na película a conduz facilmente.

O filme conta a história de Benjamin Button (Brad Pitt), um rapaz que tem uma anomalia na qual nasce velho e vai rejuvenescendo gradativamente. Nessa odisséia, Benjamin tem que lidar com o fato de perder aqueles que ama, onde paralelamente, ele tenta viver um conturbado romance com sua amada, Daisy (Cate Blanchett), que mostra-se ainda imatura para viver essa relação, mas que vai se desenvolvendo gradativamente.

O filme tem uma lição de vida carregada, porém sutil. A humildade na construção do personagem de Benjamin é tamanha que só pode ser equiparada ao personagem Forrest Gump, vivido por Tom Hanks. Não é a toa que o filme do Forrest é igualmente roteirizado por Erick Roth. A beleza na construção da história é de uma simplicidade que ganha qualquer espectador. A eficácia de cada fala do roteiro o sustenta sem muitas dificuldades e os pequenos momentos são os que realmente levam à comoção. Benjamin Button tem o poder de contar toda a história de uma vida, onde são tão bem exploradas as diversas fases, que o conto torna-se completo. Começo, meio e fim bem explorados. Apesar de extenso, ele volta e meia provoca situações interessantes ou até diferentes maneiras na apresentação de alguma delas que conseguem redirecionar a atenção do espectador novamente para ele.

O elenco finca-se basicamente em três gloriosos nomes: Brad Pitt, Cate Blanchett e Tilda Swinton. É completamente justa a conquista de Pitt sobre a estatueta dourada. David Fincher, em seu terceiro trabalho em parceria com o ator, consegue extrair uma das melhores, quiçá a melhor, atuação de Pitt. Há uma entrega total ao personagem e ele consegue livrar-se de estereótipos que o circundaram durante suas aventuras cinematográficas recentes.

Cate Blanchett mais uma vez está extraordinária. Ela mostra-se competente em cada um dos mais adversos papéis que faz. E, por mais que roube as cenas do longa, ela e Pitt têm uma química explícita – visto anteriormente no ótimo "Babel" -, o que aproxima o longa ainda mais do espectador. Tilda Swinton, que vem crescendo cada vez mais na indústria, dá todo o seu toque especial e sutil em sua participação e completa o trio principal de atores, que leva fácil boa parte do filme nas costas.

Um aspecto importantíssimo do filme é justamente a direção de David Fincher. O cineasta reafirma sua condição de um dos nomes mais ilustres do cinema atual e constrói provavelmente o filme do ano. O cuidado que tem na direção dos atores, na escolha de ângulos e no ritmo do filme não podem ser ignorados de forma alguma. Fincher fincou definitivamente seus pés no solo do cinema mundial.

Apesar do cuidado estético, dos enquadramentos milimétricos, da iluminação meticulosamente utilizada, Fincher e sua brilhante equipe de fotografia criam momentos belíssimos, porém simples. E é essa a mágica do filme. A simplicidade e ao mesmo tempo a densidade dos momentos. Um simples pôr-do-sol transforma-se em um bálsamo para os olhos, da mesma forma em que retrataram a antiga Nova York ou do breve ataque à uma embarcação. Eles simplesmente utilizam-se do que já se foi repentinas vezes visto e transformam toda a arte do momento em novas sensações.

Falando em aspectos técnicos, devo citar a sensacional maquiagem do filme, que não há possibilidades de não arrebatar a estatueta do Oscar. A beleza dos rostos envelhecidos e rejuvenescidos de Pitt e Blanchett é de chamar a atenção de qualquer pessoa e é literalmente a construção de um novo personagem. Os efeitos visuais também foram bem utilizados para completar a maquiagem, principalmente quando o personagem de Pitt está nos primeiros estágios de vida. Além disso, vale citar a belíssima e dócil trilha sonora, que simplesmente serve para contemplar os momentos do filme, e não direcioná-los para si. A edição também foi fundamental para o resultado final do filme, da sua devida alternância e da ordem cronológica que foi montada. Na verdade, somos apresentados a um total equilíbrio entre os diversos aspectos de um filme.

“O Curioso Caso de Benjamin Button” é um filme imperdível para qualquer cinéfilo. A complexidade do filme está justamente em sua sutileza, em tratar a vida de uma forma não vista anteriormente, e por gerar implicitamente questionamentos sobre vida, morte, destino, trajetória e maturidade. Peca unicamente por ser longo, mas certamente são proveitosas e necessárias todas as cenas do filme. Consegue atingir um ápice emocional e provavelmente mudará em muita gente a visão sobre a vida. E voltando ao início, qual era mesmo a semelhança entre David Fincher e Paul Thomas Anderson?

Amenar Neto
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