Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de janeiro de 2009

Dia Em Que a Terra Parou, O

Apesar de trazer um aviso válido em sua trama, "O Dia Em Que a Terra Parou" falha em ser um bom longa de ficção científica ou mesmo um remake decente de um clássico do cinema.

É interessante notar como o aquecimento global vem despertando a atenção do cinema, e não só em documentários. Fitas como "O Dia Depois de Amanhã" e "Wall-E" são exemplos de películas de ficção científica que se utilizam desse pertinente tema atual em suas tramas, levando alertas ambientais ao mesmo tempo em que entretêm o público, com o primeiro sendo uma diversão descompromissada e o segundo uma jóia da animação. Esta nova versão de "O Dia Em Que a Terra Parou" tenta fazer parte do supracitado filão, mas não consegue despertar uma conexão real entre personagens e público.

O pior é que a trama do filme original, lançado em 1952, cai como uma luva nos tempos atuais, com a substituição do medo nuclear do longa de Robert Wise pela devastação da natureza na versão atual. No entanto, trata-se de mais uma idéia com potencial que acaba desperdiçada pelos grandes estúdios. Este remake, comandado pelo cineasta Scott Derrickson (cujo trabalho anterior fora o interessante "O Exorcismo de Emily Rose"), acaba sendo um esforço meio desastrado em sua tentativa de mixar alerta ambiental, drama familiar e suspense de ficção.

Na fita, a Dra. Helen Benson (Jennifer Connelly) tenta estabelecer um relacionamento maternal com seu enteado Jacob (Smith) após a morte do pai do garoto. Tendo apenas um ao outro agora, a relação dos dois está longe de ser perfeita. Certo dia, a cientista é praticamente seqüestrada por agentes do governo dos EUA. Ela é levada a Nova York onde, juntamente com diversos outros grandes pensadores, é alertada de que um OVNI de grandes dimensões irá colidir com a cidade. No entanto, a colisão não trouxe o apocalipse. Tratava-se de uma nave espacial, trazendo um representante de outro planeta, Klaatu (Keanu Reeves), e seu guarda-costas robótico, batizado pelos americanos de GORT.

Klaatu veio a Terra alertar os humanos das conseqüências devastadoras para o planeta do desequilíbrio natural que estão causando. Essa mensagem simples acaba se perdendo graças à intervenção desastrosa do governo norte-americano. Tendo como sua única aliada a Dra. Benson, Klaatu deve decidir se os seres humanos são dignos de existir ou se eles serão os algozes de seu próprio mundo, devendo este ser salvo em detrimento da raça humana.

A primeira parte do longa, com o estabelecimento do clima de suspense, a chegada da nave esférica e o primeiro contato, é simplesmente perfeita. O roteiro de David Scarpa (do bom "A Última Fortaleza") teve a inteligência de colocar o medo e o preconceito dos políticos americanos como os principais vilões do filme. Ao estabelecer a maior nação do mundo como antagonista, ficamos na estranha posição de torcer por aquele ser que está aqui para julgar os humanos, um conceito fascinante.

Nesta primeira metade da fita, o diretor Derrickson se utiliza de planos visualmente muito bonitos, como aqueles na cena da estrada ou na revelação de GORT e o primeiro contato entre Helen e Klaatu. Além disso, a boa atuação de Kathy Bates como a Secretária de Defesa americana e sua visão pragmática da chegada do alienígena gera ótimos momentos, sem contar as cenas que retratam o pânico financeiro nos mercados globais e a histeria religiosa.

O problema é que esse esforço todo começa a ir pelos ares a partir do momento em que Klaatu se encontra com Helen e Jacob em uma estação de trem. Desse momento em diante, pouca coisa no filme se salva, em grande parte graças à falta de química entre Connelly e Jaden Smith, cujos diálogos mais irritam do que comovem e que tomam muito tempo da fita. Até mesmo um ponto forte visual da película, o design de GORT, que remetia ao filme original e lembrara um obelisco, se perde nesta derradeira metade da fita na qual, ironicamente, Derrickson se confunde em meio ao excesso de efeitos visuais.

No entanto, ainda temos alguns momentos interessantes, como o ótimo (embora curto) diálogo entre Klaatu e o professor de Helen, Barnhardt (John Cleese), e o relatório de um agente alienígena infiltrado na raça humana. Infelizmente, essas duas cenas isoladas não redimem uma hora de diálogos pedantes entre Helen e seu enteado. Assim, os pontos levantados nas cenas acima acabam sendo ignorados pela película, sem ganhar o desenvolvimento necessário. Fora isso, o filme não explica os poderes de Klaatu, o que é um prato cheio para roteirismos. Para completar, a conclusão do filme não tem a menor lógica e não traz ao público nem um senso de entendimento. A fita simplesmente pára e a audiência fica se perguntando "e agora?".

Keanu Reeves até que surpreende como Klaatu. A falta de expressão característica do ator é bem-vinda para o personagem, que ainda não se acostumou com seu corpo humano. Suas primeiras aparições no filme são fantásticas, mas o roteiro começa a se tornar mais banal e não leva o personagem a nenhum momento interessante, amarrando ainda mais o já limitado ator. Em uma nota visual, é a terceira vez que o figurino principal de Reeves é um terno, vide o primeiro "Matrix" e "Constantine".

Jennifer Connelly acaba prejudicada por seu principal companheiro de cena. Apesar de ter certa química com Keanu Reeves, suas cenas com Jaden Smith simplesmente não convencem. Pior que não dá para dizer que é culpa de um ou de outro com os dois simplesmente não se dando bem na tela. Em um momento extremamente emocional, no qual Jacob chama Helen de "mãe" pela primeira vez, não há aquela conexão emocional que uma cena dessas exige. Smith, aliás, estava bem melhor e mais a vontade em "À Procura da Felicidade", talvez até porque, naquela ocasião, atuava ao lado do pai.

É uma pena que este "O Dia Em Que a Terra Parou" se perca no meio do caminho. Após um início promissor, o longa acaba fracassando por querer colocar, de maneira artificial, um drama humano em uma história fantástica, algo que o diretor da película havia conseguido em seu trabalho anterior de maneira absolutamente natural. Faltou maior fluidez para o roteiro de David Scarpa e uma pegada um pouco mais cadenciada por parte de Derrickson. Do modo como foi feito, o filme falha tanto como ficção, quanto como remake.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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