Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Coração de Tinta

Uma aventura simpática e bastante divertida, "Coração de Tinta" pode não ser o grande longa das férias, mas com certeza agrada.

Todos os bons leitores já se perderam em meio a mundos de dramas, aventuras e romances impossíveis ao mergulharem em um bom livro. Mas como seria se os elementos fantásticos das páginas literárias viessem à nossa realidade? Essa é a interessante premissa deste bom "Coração de Tinta", fita de aventura estrelada pelo nome máximo do gênero ainda em atividade, o ator Brendan Fraser.

Cabe ressaltar de que não se trata de um longa original, sendo baseado no livro "Inkheart", da escritora alemã Cornelia Funke, o qual, confesso, não li. No entanto, mesmo que um tanto corrida, a trama funciona muito bem nas telas. Fraser vive Mo, um restaurador de livros com o dom especial de, ao ler uma passagem ficcional em voz alta, trazer para a sua realidade o objeto ou a pessoa ali descrita, com algo – ou alguém – nas proximidades do leitor indo parar no universo do livro.

Na primeira vez que despertou este dom, inadvertidamente ele mandou sua esposa, Teresa (Sienna Guillory), para o mundo medieval do livro "Coração de Tinta" e trouxe para a Terra alguns dos vilões da obra, liderados pelo cruel Capricórnio (Andy Serkis), acompanhados de outro personagem, o engolidor do fogo Dedos Empoeirados (Paul Bettany), cada um com sua impressão pessoal do novo mundo. Nove anos depois, Mo está acompanhado de sua filha, Meggie (Eliza Bennett), em uma contínua jornada pessoal para encontrar uma cópia do raríssimo "Coração de Tinta" e resgatar sua amada. Enquanto isso, tanto Capricórnio quanto Dedos Empoeirados estão em busca do protagonista. O primeiro, querendo que ele traga cada vez mais riquezas e poderes vindos dos mundos ficcionais. Já o segundo, deseja apenas voltar para a sua família.

Após um desastrado encontro com Dedos Empoeirados, Mo e Meggie vão se hospedar na casa de uma parenta, Elinor (Helen Mirren), uma milionária reclusa com uma vasta biblioteca. No entanto, eles acabam sendo capturados pelos vilões, graças ao egoísmo do engolidor de fogo, algo inerente da personalidade deste. A partir daí, começa uma busca de Mo para encontrar outras cópias do livro, derrotar o vilão e salvar a sua família. Ele ainda conta com a "ajuda" do autor de "Coração de Tinta", Fenoglio (Jim Broadbent) e do habilidoso Farid (Rafi Gavron), um dos personagens de "Ali Babá e os 40 Ladrões".

O elenco, de primeira linha, se apresenta muito bem. Fraser com certeza se sente confortável neste tipo de produção, com seu trabalho aqui sendo o melhor dele nos filmes desta linha nos quais atuou este ano (vide "Viagem ao Centro da Terra – O Filme" e "A Múmia – Tumba do Imperador Dragão"). Na presente fita, o ator teve espaço para desenvolver bem o seu personagem, com a própria forma com que este foi escrito e os conflitos pelos quais passa contribuindo bastante com o desempenho do intérprete.

Paul Bettany vive a figura mais interessante da fita, o ligeiramente egoísta e covarde Dedos Empoeirados. Embora movido por propósitos nobres – reencontrar sua esposa Roxanne (ponta de Jennifer Connely) – é impossível evitar de ter uma certa raiva do personagem, muito bem vivido por Bettany. Aliás, o conflito interno de Dedos Empoeirados era algo que merecia mais atenção do filme, principalmente pelo encontro de criatura e criador e a relação entre destino e autodeterminação. Enfim, como se trata de uma aventura de 90 minutos, tais temas são apenas pincelados, o que é uma pena.

Por falar em criador, o talentosíssimo Jim Broadbent está bastante divertido como o escritor Fenoglio. Os encontros dele com seus personagens rendem ótimos momentos, principalmente seus diálogos com os vilões. Outra figura veterana do cinema a abrilhantar o filme é a eterna rainha Helen Mirren, que concede um ar de respeitabilidade à película ao mesmo tempo em que parece bastante relaxada em cena como a meio blasé Elinor. É uma pena que esses dois atores consagrados apareçam tão pouco, mas possuem tempo de cena o suficiente para deixarem suas marcas.

Quanto à parte mais jovem do elenco, sem grandes destaques ou deméritos. Eliza Bennett tem uma boa química com seus "pais" Fraser e Sienna Guillory, enquanto o jovem Rafi Gavron, praticamente estreante na telona, convence como um ágil refugiado da caverna de Ali Babá, por vezes lembrando Orlando Bloom na trilogia "O Senhor dos Anéis".

Por sua vez, Andy Serkis brinca com todos os clichês de vilão maligno em sua interpretação de Capricórnio, sendo deliciosamente maligno na fita, chegando a lembrar alguns antagonistas de películas mais inocentes da Disney. Aliás, chega a ser interessante notar que vários vilões carregam armas de fogo, mas tiros a serem disparados, zero.

Como sempre faz em fitas fantásticas, a New Line Cinema capricha na produção do filme, dirigido pelo irregular Iain Softley, responsável por longas como "A Chave Mestra" e "Hackers – Piratas de Computador". Aqui, Softley opta pelo arroz com feijão básico, sem revolucionar demais o gênero, com poucas tomadas grandiosas durante o desenvolvimento da história e abrindo mais o escopo durante o clímax da fita.

A película ainda conta com uma boa direção de arte – algo básico nesse tipo de produção – e uma edição que não se deixa afetar pelo vai-e-vem da história. Quanto aos efeitos especiais, poucos são exigidos no decorrer da projeção, com a criatura "Sombra" que aparece no clímax do longa lembrando bastante o Balrog visto nos dois primeiros filmes da trilogia "O Senhor dos Anéis", sendo esta falta de imaginação da equipe de produção um pecadilho perdoável.

Algumas criaturas foram exploradas bem menos do que deveriam pelo cineasta, como o Minotauro ou o Crocodilo Tic-Tac, mas só a presença dessas figuras já tornam o filme bem interessante, principalmente pelo fato de sua simples presença já incentivarem uma busca pelas obras originais pelo público, algo importante em uma fita destinada primariamente (mas não exclusivamente) ao público infantil.

Embora tenha suas pequenas falhas, trata-se de um filme bastante honesto e divertido, sendo garantia de entretenimento por sua curta duração. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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