Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sete Vidas

O diretor italiano Gabriele Mucino repete a parceria com Will Smith neste drama sobre decepção, rendição e mudanças na vida das pessoas. Apesar de ter no roteiro uma idéia interessante para juntar vidas diferentes que se encontrarão, ainda existe uma deficiência no ângulo em que a história ruma.

Reunir vidas diferentes para encontrar novas motivações e aprender com elas não é novidade. Neste "Sete Vidas", Ben Thomas (Will Smith) trabalha para a Receita Federal e é traumatizado pela perda da esposa em um acidente de carro. Ben encontra em seu caminho pessoas que precisam do auxílio dele, seja em termos médicos, espirituais, financeiros ou familiares. Ben passa a conhecer cada uma dessas pessoas para poder ter certeza de que são dignas da ajuda que pode oferecer. Entretanto, uma delas, a cardiopata Emily Posa (Rosario Dawson), mexe com seu coração de forma inesperada, influenciando em suas escolhas para o futuro de todos os envolvidos nesses laços de tristeza e angústia.

O pouco experiente Grant Nieporte escreveu um roteiro que tem como base o trauma de um homem que não consegue lidar com perdas. Sua motivação, inicialmente, é escondida dos espectadores, que depois de algum tempo já consegue compreender com mais detalhes o quão angustiado é o protagonista e até onde ele pode ir. Entretanto, suas atitudes acabam aparentando serem inconseqüentes visto o que ele planeja para si e para as outras vidas que passa a conviver. Ben é perturbado por fantasmas do passado, mas em nenhum momento aparenta querer superá-los, a não ser pela obsessão de fazer o bem de uma forma bela, porém destruidora.

Nieporte escreve a trama pensando mais em desenrolar o romance entre Ben e Emily do que levar para o lado social ou psicológico as atitudes do protagonista, o que acaba fazendo falta aos espectadores. Tal romance cativa pela simplicidade e por sabermos que Emily está à beira da morte, porém o conhecimento de que Ben se envolve ao ponto de estar disposto a fazer tudo pela moça também é descoberto, causando pouco efeito e identificação do público com o casal.

Ao investir mais no romance, Nieporte cancela outras vertentes da trama que talvez fossem bem mais interessantes do que o casal de apaixonados. Ainda assim tem pouca criatividade para fazer de Ben e Emily um casal magnífico que, quando um deles ou os dois perderem algo, o público possa se envolver e responder à trama. Há pouco conhecimento da personalidade de Ben, o que acaba fazendo com que suas atitudes sejam aleatórias, não idealistas.

Os momentos em que Ben se envolve com as vidas em jogo são os mais interessantes da película. A relação entre Ben e o pianista cego Ezra, interpretado por Woody Harrelson, tem todos os recursos para um bom argumento da trama, porém fica em segundo plano, bem como a relação entre Ben e o garotinho Nicholas, vítima de leucemia. A família espanhola de uma mãe e dois filhos também ficam deslocados.

Como se não bastasse esse buraco que fica entre as vidas do título do filme, o ator Will Smith parece não estar tão à vontade no papel de Ben. A química dele com Rosario Dawson é ótima, porém Smith não passa fidelidade aos seus princípios e talvez não acredita no que seu personagem tem que fazer. Seria Ben um herói ou um anti-herói? Seria ótimo isso ficar claro desde sempre para que possamos fazer a leitura correta do personagem, e isso Smith não consegue transparecer. Já Dawson acerta na carga dramática de Emily, apesar de ser estranho enxergá-la tão ingênua em diversos momentos.

Apesar das falhas na trama, "Sete Vidas" mostra com delicadeza o surgimento de uma paixão inesperada que está na berlinda devido a uma futura fatalidade. Isso é outro clichê, porém a história ganha um pouco mais de vida ao ser dirigida por Gabriele Mucino, que não abre mão da sensibilidade e da inteligência para a construção de sua narrativa visual. Mesmo sendo redundante com seus muitos jogos de foco da câmera, Mucino cria cenas que ultrapassam os papéis do roteiro e têm bom efeito na telona. Ao contrário do que fez em "À Procura da Felicidade", Mucino não traz momentos pedantes ou exageradamente dramáticos, sabendo sempre onde oferecer o corte à edição. A trilha sonora sempre conduzindo a trama também influencia para criar empatia com o filme.

Com potencial dramático e narrativo para ser explorado, é uma pena que "Sete Vidas" fique apenas no nível mediano entre os dramas deste ano. Escolher como contar uma história tem se tornado um dos maiores desafios de Hollywood, que sempre recicla suas próprias tramas e as pintam com cara de novas para tentar conquistar o público e a crítica. Seguindo o básico durante todo o filme, até a tentativa de criar um final "não esperado" aqui apresenta-se como um falso clichê e a única forma de dar fim ao romance. Um filme fácil de esquecer, certamente.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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