Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 21 de dezembro de 2008

Crepúsculo

“Crepúsculo” é o primeiro filme baseado na série de livros criada por Stephenie Meyer, que ainda conta com mais três continuações. Como toda “boa” adaptação para as telas feitas para o grande público, o filme peca na hora de transpor as apaixonadas páginas escritas por Meyer; contudo, dentre os diversos produtos que somos apresentados, esse certamente é um dos melhores.

Talvez um dos maiores males que recai sobre o longa seja a repercussão que o mesmo teve no mundo. No topo dos títulos mais vendidos, o livro homônimo tornou-se a sensação dos últimos anos. Não é para menos, já que Meyer tem tamanha paixão por sua obra, fazendo com que o leitor sinta o quanto aquilo que está escrito vem do âmago do ser da autora. Cada descrição apaixonada sobre Edward, a maneira que ela situa o leitor no local onde se passa a história e, implicitamente, a forma que ela expõe os valores que regem essa geração, conseguem, sem dúvida alguma, manter os leitores presos em cada página.

Como não poderia deixar de acontecer, ocorre uma adaptação de tamanho sucesso para os cinemas. Inicialmente, pensei que seria um tremendo desastre. O que vinha acompanhando nos trailers dava a entender que o filme seria unicamente uma arma para fins lucrativos. Contudo, por mais que a diretora Catherine Hardwicke tenha certa incompetência ao conduzir alguns momentos do filme, podemos observar que ela compartilha dessa enorme paixão com Meyer. O filme, apesar de todas suas pretensões e rótulos adolescentes, tem cuidado por parte da diretora. Portanto, apesar de insuficiente, a adaptação do livro apresenta-se muito melhor do que aparentava ser.

O longa conta a história de Isabella Swan (Kristen Stewart), que deixa de morar com a mãe, e muda-se para a cidadezinha de Forks para a casa de seu pai. Chegando lá, Bella é fitada a todo instante por todos que a cercam e torna-se a verdadeira sensação em sua escola. Apesar de ter uma certa fobia de ambientes públicos, ela consegue enturmar-se e criar vínculos um tanto superficiais com aqueles com quem interage.

Até que Edward (Robert Pattinson), um rapaz que pertence a um grupo isolado dos demais, chama sua atenção constantemente, mas ele a evita a todo tempo até o momento que os dois não conseguem distanciar-se e a atração torna-se inevitável. Contudo, essa relação torna-se conturbada a partir do momento que Edward misteriosamente salva a vida de Bella, e ele demonstra ter habilidades deveras especiais. No momento em que Bella começa a envolver-se com essa história, ela adentra em um universo completamente oposto ao seu, onde passa a correr perigo e ser perseguida por aqueles que pertencem ao mundo de Edward.

A direção de Catherine Hardwicke é instável. Os momentos iniciais – leia-se: introdução da história – não têm o mínimo de cuidado estético. A impressão que temos é que ela quase chegou no ponto em que devia, mas não alcançou êxito. Nesse comecinho, ela não opta pelos planos corretos, o que prejudica no resultado final. A apresentação do trio de vampiros malignos, por exemplo, é extremamente amadora, e até mesmo o cuidado que ela deveria ter na materialização de Forks não existe. No início do filme, nem o pobre Edward, que Meyer tanto prezou por evidenciar suas qualidades, teve um olhar mais profundo da diretora.

Depois disso, podemos ver um outro posicionamento dela. Agora a diretora opta por uma câmera estática, onde os atores têm que dar o seu máximo para interagir com ela, ou por uma câmera mais instável, mais crível, e até por closes, técnica que não me agrada muito, mas que foi brilhantemente utilizada por ela. Na cena do primeiro beijo entre Edward e Bella ou até quando eles dançam ao som de Clair de Lune, a diretora aproxima-se dos atores e faz com que um momento tão crucial como esse não torne-se simples demais. Os closes fazem com que o espectador interaja com a cena, e que as mulheres – como aconteceu na sessão que eu fui – pulem das cadeiras. Porém, outro grande defeito de Hardwicke é a sua falta de habilidades em conseguir manter o clima criado por essas cenas.

O roteiro escrito por Melissa Condemberg também é um dos grandes responsáveis pelos erros do filme. Era de se esperar que não fosse honrar o livro proveniente, o que inevitavelmente aconteceu. As sacadas mais legais do filme foram completamente sugadas do livro. Falas idênticas e tudo mais. Então ela tem pouquíssimos méritos ou até nenhum. A própria obra literária de Meyer já tinha força suficiente para ser transposta para os cinemas. Bastava um pouco de competência. E não foi esse o caso. Alguns personagens secundários tiveram suas participações muito reduzidas e a introdução de cada um deles – aspecto que tanto admirei no livro – é insuficiente. A adaptação modificou cenas que eram importantíssimas para o desenrolar da história, além de comporem brilhantemente a bela história de romance.

O elenco, apesar de um tanto inexperiente, não se mostra ruim. Kristen Stewart constrói uma Isabella com personalidade e transpõe da devida forma a maturidade da personagem. Ao mesmo tempo que ela é humilde e retraída, ela também mostra-se apaixonada (algo não tão trabalhado) e adiciona uma pequena carga dramática também. Robert Pattinson consegue apresentar-se bem como Edward e exibe o carisma necessário. Billy Burke, que interpreta o pai de Bella, constrói um personagem calado (assim como no livro), mas que ainda é dono dos alívios cômicos mais bacanas do filme.

A edição do longa foi útil ao conseguir não deixá-lo monótono. Apesar de alternar as cenas de romance entre o casal principal, o ritmo aplicado também põe um pequeno (e bobo) suspense para prender o espectador. Não tem muitos méritos, mas não é ruim no todo. A fotografia propõe o mesmo que a autora do livro, ao tratar-se das locações e ambientes em geral. Contudo, não temos muitas pessoas dispostas à arriscar-se. E é esse o mal de todos no filme. Não arriscar-se. Será que eles não percebem que mesmo fazendo seus trabalhos com empenho atípico, o filme iria sair bem nas bilheterias? Afinal, não é isso que importa para a distribuidora?

Já a trilha sonora é o maior defeito do filme. Tudo bem se eles optaram por músicas mais adolescentes, mas ao menos que se empenhassem ao fazê-lo. Era só pedir uma ajudinha ao Zach Braff, à Sofia Coppola, ao Kevin Shields… Não precisava ir muito longe. É só observar como uma boa canção poderia salvar grande parte do filme, mas só Clair de Lune se salva.

"Crepúsculo" peca como adaptação e como obra cinematográfica, mas isso não o impede de ser melhor que boa parte desses filmecos adolescentes que estão no mercado. Raciocinando devidamente, a grande implicante do filme em geral são suas inúmeras tentativas em reafirmar-se como teen e é o que acaba se tornando. Mas o mínimo de carinho que Catherine Hardwicke tem com seu trabalho, o salva do total abismo. Talvez esse carinho seja tanto, que de acordo com as últimas notícias, a diretora se recusou a dirigir a continuação, que está agendada para ano que vem. Ela afirma que não quer que ele se torne um filme “feito em série”.

Certa vez li que um dos papéis fundamentais do cinema é servir de termômetro de uma geração. E talvez “Crepúsculo” seja um bom exemplo disso. Mostra uma geração Google, que vai atrás das coisas na internet, e não nos livros como antigamente. Talvez esse seja mais um motivo de a história se passar em uma cidade pequena. Para forçar a reintegração das pessoas, para não tratar o indivíduo como peça completamente independente e para reaver o “calor humano”. E tudo isso se passa em um lugar frio, distante, sombrio, onde precisa-se de um bom livro para ler, um bom filme para assistir e boas pessoas para conversar. Talvez aí resida o segredo do sucesso da série de livros: o aconchego, a identificação, a companhia e a necessidade de projetar-se em alguém.

Amenar Neto
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