Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Max Payne

Não conseguindo sair do estigma das péssimas adaptações cinematográficas para franquias vindas dos games, "Max Payne" é um esforço confuso e patético para se levar um jogo de ação às telas.

Poucos games são tão cinematográficos quanto "Max Payne". O jogo, lançado em 2001, mostrava o personagem-título como um policial, que teve sua mulher e filho mortos e pede transferência para a unidade de infiltrados da polícia, mas a com seu disfarce descoberto e envolvido em uma conspiração envolvendo uma indústria farmacêutica. Com um clima de filme B do "Super Cine", com diálogos exagerados e personagens idem, e se utilizando do efeito bullet time que consagrou "Matrix", o jogo foi um sucesso de público e crítica. Em 2003, o game ganhou uma boa continuação, seguindo o estilo noir.

Esse preâmbulo todo foi para dizer que a história do filme "baseado" no jogo ficou quase totalmente diferente. Dirigido pelo operário-padrão John Moore, o longa é todo (falta de) estilo e nenhuma narrativa, tentando se vender como um novo “Constantine”. Personagens entram e saem da trama sem muitas explicações, personagens foram modificados e criados a torto e a direito, as atuações estão risíveis… Enfim, uma confusão só.

Vivido por Mark Wahlberg, o Payne das telas tomou um rumo diferente de sua contraparte digital após o assassinato de sua família. Trabalhando no setor de crimes não-resolvidos, ele procura por pistas que o coloquem no rastro daquele que matou sua esposa, que trabalhava para a poderosa Aesir Farmacêutica. No entanto, o policial acaba implicado na morte de seu ex-parceiro, Alex (Donal Logue), e da bela Natasha Sax (Olga Kurylenko), viciada na popular droga valkyr e irmã da perigosa mafiosa Mona Sax (Mila Kunis). Caçado pela polícia, Payne conta com a ajuda da misteriosa Mona e de seu velho amigo B.B. (Beau Bridges) para descobrir a verdade sobre os assassinatos e salvar sua pele.

Parece uma trama amarrada, não? Errado. No meio disso tudo, o roteirista estreante Beau Thorne ainda coloca referências místicas e à guerra ao terrorismo, fazendo isto de maneira completamente desastrada e desviando o foco da história principal. O número de participantes da conspiração Valkyr aumenta consideravelmente, com personagens mais fracos do que café de ontem, como o do sumido Chris O'Donnell, Jason Colvin, que aparece e desaparece sem muita explicação.

Isso é um problema recorrente no filme. A já citada (e desperdiçada) Olga Kurylenko, Joel Gordon, que interpreta o informante Owen Green, e a cantora Nelly Furtado, que vive a esposa de Alex, fazem aparições à lá Houdini, aparecendo e desaparecendo. Algo similar acontece com Amaury Nolasco, que encarna o insosso vilão Jack Lupino, cuja participação na tela se resume, basicamente, a balbuciar coisas, bem longe do mafioso insano do jogo. As descaracterizações continuam com o detetive Jim Bravura que, de um homem branco de meia-idade, acaba se transformando no rapper Ludacris, perdendo toda a figura de autoridade que o estereotipado personagem dos games tinha.

Até mesmo a droga valkyr fora bastante modificada. Nos games, ela era uma droga injetável, tendo como um símbolo um "V" misturado com uma seringa. Já na fita, ela é uma bebida azul, mas, por incrível que pareça, sua logomarca é a mesma! Para piorar, Max acaba, em dado momento da projeção, consumindo a droga por vontade própria. Em alguns níveis do game, o protagonista era drogado contra a sua vontade com valkyr, obrigando o jogador a passar por fases dificílimas para fazer com que ele volte ao normal. No filme, não só ele toma o alucinógeno por querer, como ele aumenta sua força, ajudando-o a vencer seus inimigos. Grande mensagem para os espectadores, não?

Wahlberg também não ajuda em sua interpretação. Confirmando a grande baixa em sua carreira (vide "Fim dos Tempos"), o ator vive o policial no piloto automático, sem a vivacidade com que caracterizou os outros tipos durões de sua filmografia. Até mesmo sua química com suas possíveis parceiras românticas, Olga Kurylenko e Mila Kunis, é zero. Aliás, Kurylenko está lá apenas para seduzir o espectador e poderia ter passado umas lições na matéria para a inexpressiva Kunis. Já Beau Bridges até que convence no primeiro momento como B.B., mas, após a reviravolta do personagem (previsível até para quem não conhece o jogo), o ator fica totalmente perdido em cena.

Nos aspectos técnicos, o filme continua mal. Exceto por uma cena de tiroteio na Aesir, na metade da projeção, John Moore não consegue realizar uma só cena de ação interessante, chegando ao cúmulo em um take em que Payne atira com uma escopeta de costas em câmera lenta. Aliás, o recurso de diminuição de velocidade é usado à exaustão. Enquanto no game ele facilitava a vida do jogador, no cinema, do modo em que foi utilizado, ele acaba por irritar o expectador. Sem contar que a ausência de estilo visual do diretor é flagrante, exagerando nas cenas que mostram as ridículas "valquírias".

A direção de fotografia é o único ponto positivo da produção, se utilizando da pureza da neve em contraste com a violência das ações dos personagens. Flashes em vermelho em algumas mortes mais pesadas são bem utilizados, bem como o recurso de usar o clima para mostrar o estado de espírito do protagonista. Na parte musical, Marco Beltrami decepciona. Compondo a trilha ao lado de Buck Sanders, com quem já havia colaborado no ótimo "Os Indomáveis", os dois realizam um trabalho tão medíocre quanto o resto da fita. Na edição, Dan Zimmerman deixa o longa corrido e apressado em seus 100 minutos, certamente atendendo exigências da 20th Century Fox quanto a duração do filme.

Chato e desinteressante, "Max Payne" é tudo que o jogo não é, algo realmente a se lamentar, já que poderia render uma boa série cinematográfica. Agora pode gerar uma péssima linha de longas, já que a fita foi relativamente bem nas bilheterias americanas e uma cena pós-créditos já denuncia uma inevitável continuação.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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