Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de novembro de 2008

007 – Quantum of Solace (2008): finalmente vimos o real James Bond

O vigésimo-segundo longa da franquia "007" traz o espião James Bond mais sanguinário de todos os tempos. Esta continuação direta de "007 - Cassino Royale" pode não agradar aos fãs mais tradicionalistas do agente secreto, mas vai atingir em cheio os admiradores do bom cinema de ação.

Sou admirador de longa data do diretor alemão Marc Forster. Realizando longas dos mais diversos gêneros, todos os seus filmes foram, em minha opinião, certeiros em seus objetivos, em maior ou menor grau. Por isso, foi com grande expectativa que encarei sua estréia nos longas “de ação”, justamente com a franquia mais longeva do cinema, com este “007 – Quantum of Solace” e ele não me decepcionou. O novo longa pode não ser tão bom quanto seu predecessor, mas não deixa a peteca cair.

Da última vez que vimos James Bond (Daniel Craig), em “007 – Cassino Royale”, ele havia conseguido vencer o banqueiro terrorista Le Chiffre, mas fora traído por sua parceira e amante Vésper Lynd, que estava sendo chantageada por uma misteriosa organização, que ameaçava matar um namorado da garota. Pego em uma armadilha, Bond foi salvo por Vésper no último segundo, tendo ela pago por essa boa ação com sua vida, deixando o agente secreto emocionalmente destroçado e com uma (in)contida sede de vingança. No último plano daquele filme, Bond capturou Sr. White (Jesper Christensen), um dos graúdos da organização da qual Le Chiffre participava e que estava ligado diretamente à morte da garota.

O novo filme já começa pouquíssimo tempo após isso, com 007 levando White para interrogatório em uma sede secreta do MI6 (agência de espionagem britânica) na Itália, em uma cena de perseguição automobilística simplesmente fantástica. A partir desse ponto, Bond começa a juntar o quebra-cabeça envolvendo a misteriosa organização, procurando aqueles que foram responsáveis pela morte de sua amada. No entanto, ele não terá sua vida facilitada. Sua chefe, M (Judi Dench), começa a desconfiar de suas motivações, crendo que seu luto está cegando o agente de seus objetivos.

Além disso, o MI6 começa a ser pressionado pelos poderosos dos governos dos EUA e da Inglaterra a fazer com que o caso seja abandonado, já que 007 está chegando perto demais de um dos chefes da organização criminosa, o empresário ecológico Dominic Greene (Mathieu Amalric), que possui uma ligação com a CIA e com um ditador boliviano deposto. No entanto, Bond conta com alguns aliados, como o honesto agente americano Felix Leiter (Jeffrey Wright) e o agora aposentado colaborador do MI6 René Mathis (Giancarlo Giannini), sem contar a bela e problemática Camille (Olga Kurylenko), que está em busca de sua própria vingança.

O bom roteiro escrito por Paul Haggis, Neal Purvis e Robert Wade pode não explorar tanto as motivações dos seus personagens, tendo mais foco na ação, mas há um motivo para isso. Este novo filme trata, basicamente, das conseqüências dos eventos mostrados no longa anterior, não havendo tanta necessidade de expor os personagens novamente, tendo apenas um aprofundamento nas características básicas destes. Há seu lado negativo, obviamente, já que as novas caras que surgem na fita, como a vingativa Camille e o vilão Dominic Greene, são pouco exploradas. No entanto, como Camille ainda deve voltar a aparecer na franquia e Greene, tal como Le Chiffre, é apenas mais uma faceta da misteriosa Quantum, tal problema acaba não sendo assim tão grave.

O foco da produção, realmente, é mostrar a evolução de James Bond como 007, algo que é realizado de maneira exemplar. Isso se deve ao excelente desempenho de Daniel Craig como o protagonista. Sim, muitos fãs mais tradicionalistas da franquia continuarão com as mesmas reclamações que têm desde “007 – Cassino Royale”, tais como o ator ser loiro, ter olhos azuis e ser… “feio”, para os padrões da série. Mas não há de se negar que o Bond de Craig possui um alcance dramático que a saga não via há muito tempo, com o intérprete conseguindo retratar a dor do personagem de modo extremamente sensível, além de ser altamente prático em suas ações, algo primordial para sua linha de profissão.

O luto transformou 007 em uma máquina de matar – algo que é notado até pelo próprio filme -, fazendo com que ele use e abuse de sua licença para matar. O sofrimento de Bond é explicitado em algumas cenas. Uma delas, essencial para entender a perda que ele sofreu, é mostrada em um diálogo bastante intimista entre o agente e Mathis, travado em um avião. É uma seqüência simples, mas extremamente poderosa, reforçada pelo ótimo trabalho de Craig e Giannini, que está perfeito em sua curta participação.

Mas quem realmente rouba o filme, como não poderia deixar de ser, é Judi Dench. Encarnando o papel de M desde 1995, e vivendo a personagem por seis filmes e um jogo de vídeo-game, a experiente atriz tem visto seu papel crescer a cada participação. Aqui, ela assume uma posição maternal em relação a 007, tentando guiá-lo em relação ao seu sofrimento interno. Apesar de saber da frágil condição psicológica de Bond, M conhece o potencial do recém-promovido agente e confia no seu instinto de que ele acabará superando seus traumas. As cenas entre Dench e Craig são sempre ótimas de se ver e a dupla possui uma química inegável.

Em uma participação menor, mas bastante marcante, Jeffrey Wright “salva” a reputação da CIA, com seu Felix Leiter sendo um dos poucos agentes da companhia norte-americana a ser retratado como alguém correto – o que reflete até o modo com que os EUA da era Bush são vistos pelo mundo. Wright se mostra bastante contido na fita, como alguém que não pode abertamente mostrar sua posição moral, mas que age “na surdina” para que esta seja ouvida.

A até então desconhecida Gemma Arterton possui pouco tempo de cena, mas tem desenvoltura como a agente administrativa Strawberry Fields (os fãs dos Beatles vão adorar esta referência), encarnando um tipo mais clássico de bond girl. Olga Kurylenko encarna o papel feminino principal como a traumatizada Camille. Apesar de bela, a atriz/modelo ucraniana não foi lá uma escolha muito acertada para a personagem, que acaba sendo menos do que poderia ser. Esperemos que a atriz evolua em suas futuras participações na franquia.

Já Mathieu Amalric retrata seu Dominic Greene não como o vilão típico da série, mas como um homem de negócios cuja ganância faria Gordon Gecko corar. Greene não poupa esforços para atingir seus objetivos e a complexidade de seu “Projeto Tierra”, que remete aos planos mais elaborados dos vilões da série, mas com um pé na realidade, impressiona pela falta de caráter e excesso de visão do personagem, com esse dualismo sendo muito bem retratado pelo ator francês.

Como já disse, Marc Forster não me decepcionou na direção. Além de arrancar boas atuações de quase todo o elenco e acertar em cheio nas cenas de ação, Forster não economizou nas características que marcaram sua filmografia, que são suas tomadas de câmera bastante inventivas e sua capacidade de colocar informações na tela de modo absolutamente orgânico. Desde os caracteres mostrando em que local do mundo Bond está, até os painéis high-tech do MI6, tudo no longa é visualmente espantoso. Além disso, algumas metáforas visuais mostradas na fita são geniais, tal como o colar na neve e o olho na cena da ópera.

Nesse sentido, a direção de fotografia de Roberto Schaefer foi extremamente feliz. Colaborador freqüente de Forster, Schaefer extrai o melhor de cada uma das exóticas locações da fita, principalmente das seqüências no deserto e da emblemática e já citada cena durante a ópera. Outro companheiro habitual do cineasta, o editor Matt Chesse, trabalhou em conjunto com Richard Pearson para montar o filme que, apesar de ser o mais curto da franquia, não parece corrido de modo algum.

Na parte musical, David Arnold continua a inserir, pouco a pouco, elementos das trilhas clássicas de Bond, justamente retratando a transformação contínua do personagem. Já a música dos créditos, “Another Way To Die”, cantada por Jack White e Alicia Keys, pode soar estranha de início, mas acaba conquistando o público. Pode não ser tão boa quanto “You Know My Name”, mas não deixa de ter seus atrativos.

A idéia de colocar a vinheta do cano da arma no final remete diretamente ao “Batman Begins” mostrado apenas no momento final do longa do homem-morcego lançado em 2005. Isso mostra que o James Bond de Daniel Craig finalmente “começou” após os eventos de seus dois mais recentes filmes. Tomara que suas aventuras depois de “formado” sejam tão interessantes de acompanhar quanto a sua evolução.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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