Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de novembro de 2008

Um Segredo Entre Nós

Famílias disfuncionais são um tema comum em dramas cinematográficos. Mais um longa dessa estirpe chega às telas com este "Um Segredo Entre Nós".

Não muito conhecido do público, o cineasta Dennis Lee escreveu e dirigiu este falho, mas simpático "Um Segredo Entre Nós" tendo como mote um dos maiores clichês de qualquer mídia: o relacionamento tortuoso entre pai e filho. O título original, "Fireflies in the Garden", faz referência a um poema de Robert Frost que desempenha uma função importante na história. O longa tem problemas em sua narrativa, mas os personagens são interessantes o suficiente para manter o público interessado no desfecho da trama – que acaba sem responder a algumas indagações propostas pelo roteiro.

O filme segue o protagonista Michael Waechter em dois momentos distintos de sua vida. Primeiro, o vemos em sua infância, na qual os seus problemas com o seu estressado e perfeccionista pai, Charles, começam a se agravar. Freqüentemente desprezado pela sua figura paterna, o garoto encontra refúgio junto à sua mãe, Lisa, e a sua jovem e espevitada tia Jane, com a qual começa uma relação de amizade bastante profunda. Já adulto, ele se torna um escritor de sucesso e está voltando à sua cidade natal para a formatura tardia de Lisa, quando uma tragédia o coloca novamente em conflito com o pai e leva o filho de Jane, Christopher, à beira da depressão. As duas linhas narrativas se revezam, tentando mostrar ao público mais do que levou àquela família a se despedaçar tanto.

O principal problema de "Um Segredo Entre Nós" jaz na construção dos demais elementos que compõem a sua trama. A revelação que acontece na descoberta de uma carta, que todos pensariam ser importante, acaba sem impacto. Esse vazio ocorre porque boa parte do público já deveria imaginar a reviravolta vinda no momento em que o pseudo-galã Ioan Gruffudd apareceu em cena. Outro detalhe que compromete a narrativa é o "segredo" entre Micheal e Jane, o qual esta diz que poderia destruir o pai dele. Apesar de várias insinuações, jamais fica claro do que ela estava falando.

Com certeza, os atores que são mais exigidos na fita são os intérpretes de Michael, Ryan Reynolds e Cayden Boyd, além do experiente Willem Dafoe que vive o patriarca Charles. Reynolds surpreende com um talento para personagens mais dramáticos que, pessoalmente, eu desconhecia. Bastante comedido, o ator demonstra bem os anos de dificuldade do seu personagem em se relacionar com o pai em inflexões e olhares, bem como a relação de identificação entre este e o seu jovem primo, Christopher. Já Boyd surge como uma revelação, merecendo destaque sua química com Dafoe em diversas cenas, principalmente em um confronto entre Michael e Charles que ocorre no jardim.

O texto de Lee e a interpretação de Willem Dafoe, aliás, evitam que Charles se torne apenas um "vilão" para o filme. Com o histórico do ator e o modo pelo qual o personagem é introduzido, seria fácil para o público ver o patriarca da família como uma figura desprezível. No entanto, Charles é um homem triste e frustrado, cujo refúgio existe apenas na figura da esposa e no carinho que sente pela sobrinha Leslie. Ele tanto reconhece suas falhas, que se pergunta o motivo de ela ainda não tê-lo deixado de vez. O fato de Michael ter obtido sucesso em uma empreitada na qual fracassou apenas aumenta seu repúdio a si mesmo.

Jane é vivida por duas atrizes. A jovem beldade Hayden Panettiere a encarna nos anos 1980, enquanto Emily Watson vive a personagem no "presente". Apesar de ambas as atrizes estarem muito bem, simplesmente não vejo Panettiere "crescendo" para tomar a forma de Watson. Christopher é vivido por com energia pelo jovem Chase Ellison. Em papéis menores estão Carrie-Anne Moss como a esposa de Michael, Kelly; Shannon Lucio vivendo Ryne, irmã do protagonista; e Julia Roberts, como Lisa.

Roberts, aliás, estava esperando seu filho durante as filmagens da fita, aparecendo em cena com uma barriga de gravidez considerável. No filme, Lisa aparece de corpo inteiro somente nas cenas nas quais está grávida de Ryne, tendo o diretor de apelar para alguns truques de cena nas demais seqüências. A atriz, mesmo aparecendo pouco, tem uma participação marcante, já que ela é o porto seguro das figuras centrais da produção.

Nos aspectos técnicos, pouca coisa a se ressaltar. Dennis Lee mostra talento na direção, embora devesse ter amarrado melhor o roteiro do filme, com os detalhes já mencionados. A direção de fotografia feita por Daniel Moder valoriza a paisagem de cidade pequena dos EUA, enquanto a edição realizada por Dede Allen e Robert Brakey não deixa com que as tramas em paralelo tornem-se confusas e valoriza os cortes feitos pelo diretor Dennis Lee.

Sendo um drama familiar bastante convencional, contando com o tradicional final feliz, "Um Segredo Entre Nós" irá agradar àqueles que estão em busca de uma opção mais comedida nos cinemas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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