Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de setembro de 2008

Missão Babilônia

Admito que já cheguei à sessão de "Missão Babilônia" com os dois pés e as duas mãos atrás em relação ao filme. Afinal, este foi renegado por seu diretor e pelo astro da fita. Ora, de filho feio ninguém quer ser pai. Nos primeiros minutos do longa me veio à cabeça que este não era tão ruim, mas a coisa foi piorando até que o filme se autodestrói em seu último ato.

Um caso que nada tem a ver com esta crítica. Falando sobre "Stardust – O Mistério da Estrela", o diretor Matthew Vaughn disse que a magia no mundo onde se passava o filme era algo comum, banal até. Então, dentro da coerência daquele universo, não haveria nada de estranho em uma bruxa transformar alguém em um rato. É justamente isto que falta neste "Missão Babilônia": coerência. Baseado no livro "Babylon Babies" e dirigido e co-roteirizado por Mathieu Kassovitz, este filme é totalmente desprovido dessa força única que deve ligar os atos de seus personagens e as circunstâncias que os relacionam, resultando em uma ficção científica de ação frouxa e sem sentido.

O filme até que começa bem. Em um mundo que parece ter entrado uma nova era das trevas, embora tenha atingido o ápice tecnológico, vive o mercenário americano Toorop (Vin Diesel), um homem que, apesar de ser um assassino, vive por um código de honra e de conduta, desprezando seus colegas de profissão que descumprem tais regras. Exilado numa semi-destruída Europa Oriental, ele recebe a chance do grotesco Grosky (Gérard Depardieu, quase irreconhecível) de voltar para os EUA rico se conseguir realizar o que parece ser um último trabalho: levar uma garota de um convento para a cidade de Nova York.

Após o mercenário pegar a jovem, de nome Aurora (Mélanie Thierry), e sua guardiã, a irmã Rebeka (Michelle Yeoh), o trio segue sua jornada através de um mundo sujo e semi-devastado, passando por campos de refugiados e crateras nucleares. No caminho para a megalópole americana, eles terão de encarar uma conspiração religiosa, soldados desconhecidos, atravessadores e contrabandistas de caráter mais do que duvidoso.

Enquanto sua premissa poderia resultar em um filme até razoável, ao entrar nas partes mais minuciosas do roteiro o filme se perde quase completamente. Personagens mudam de caráter quase sem motivo. O protagonista Toorop acaba remetendo a dois personagens completamente diferentes da carreira de Vin Diesel. No início, lembra o durão e sobrevivente Riddick, do interessante "Eclipse Mortal". No entanto, no final, mais parece que Diesel voltou a encarnar seu personagem em "Operação Babá"!

Outro exemplo de falta de senso narrativo está na Irmã Rebeka, vivida por Michelle Yeoh. Apresentada inicialmente como uma pacifista, que só luta para se defender, de uma hora para outra ela está desferindo golpes a torto e a direito. Para piorar, o filme não consegue nem explorar corretamente os poderes e a personalidade da jovem Aurora, vivida pela bela Mélanie Thierry. Poderes sensitivos são misturados com super-inteligência e relações com máquinas a todo momento, dando um prato cheio para manobras de roteiro absurdas. A própria personalidade dela é um caldeirão de contradições e não das mais interessantes.

A relação entre o trio principal, que deveria carregar o filme, é outra coisa que está completamente fora do tom. Inicialmente, Toorop estabelece as regras para suas duas companheiras de viagem, indicando que elas serão apenas uma carga para ele entregar. No entanto, sem maiores explicações nem evoluções básicas de relacionamento, vemos os três rindo e construindo laços familiares de maneira absolutamente forçada. Por falar em forçada, ainda temos citações de filmes famosos ("O Mágico de Oz") e repetições de gags de longas de ação conhecidos (a do cigarro logo no começo é de "Máquina Mortífera 3"), feitas de uma maneira que fazem o filme parecer pouco imaginativo e prepotente.

Boatos indicaram que quase 70 minutos do filme foram cortados em sua edição final, algo ordenado pela 20th Century Fox. Se esses minutos explorassem os vilões do filme, podiam até ser válidos. Afinal, passa o filme todo e não entendemos quem são as noelistas, sem conhecer as motivações de sua líder, vivida por uma subaproveitada Charlotte Rampling, ou mesmo sem ver mais da interessante figura de Gorsky, o qual não entendemos saber seus objetivos na conspiração. Enfim, mas o personagem já valeu a pena ver por ver que conseguiram desfigurar ainda mais o já gigantesco nariz de Gérard Depardieu.

Outro que fica no limbo do não dito é o cientista Darquandier, vivido pelo insosso Lambert Wilson, que vai aparecer mesmo lá pelo final, quando o filme já deixou de fazer sentido. Aliás, o terceiro ato da fita foi tão mal costurado que é encerrado por um texto sem narração que tenta, em vão, dar algum desfecho à película. Mais parece o que a quase falida Rede Manchete fez com a novela que adaptou o romance de Paulo Coelho "Brida", só que em um filme com um orçamento de mais de US$ 100 milhões de dólares!

O excesso de cortes e a intenção do estúdio em transformar um filme que seria voltado para maiores de 18 anos em um apropriado para menores de 14 fizeram horrores às cenas de ação da fita, que ficaram absolutamente confusas e sem emoção alguma. No entanto, a fotografia do filme e seus efeitos especiais são muito eficientes, chegando a ser uma pena vê-los em um longa tão pífio.

Talvez nos tais 70 minutos estejam os elementos que faltaram para montar esse quebra cabeças que foi "Missão Babilônia", mas tenho certeza que algumas peças não vão encaixar direito nesta fita sem sentido algum.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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