Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mamma Mia!

Leve e divertido, "Mamma Mia!" é um convite ao espectador para se render à música e à dança. Com um magnífico cenário grego e um elenco brilhante, o longa-metragem consegue provocar até no mais amargurado dos críticos a vontade de se unir ao coro de algumas das mais famosas canções do grupo ABBA.

Um dos argumentos mais usados por aqueles que detestam o gênero musical é que as situações não são nada realistas. Ninguém larga tudo o que está fazendo e começa a dançar e cantar no meio da rua. Realmente, ninguém faz esse tipo de coisa, mas não quer dizer que não gostariam.

As atitudes "absurdas" dos personagens de “Cantando na Chuva”, “A Noviça Rebelde”, “Moulin Rouge” e “Mamma Mia!” colocam em cena o que, de maneira mais recatada e mais consciente, os corações leves desejam. Apaixonado, Don Lockwood, personagem de Gene Kelly no clássico “Cantando na Chuva”, enfrenta uma tempestade enquanto o “sol está em seu coração”. O verde da grama nas montanhas, o sol iluminando a paisagem, o milagre de Deus – para os que são religiosos -, tudo provoca nos poetas uma leveza traduzida sem exageros na cena inicial de “A Noviça Rebelde”.

A barganha de uma paixão também é fielmente retratada em algumas das canções de “Moulin Rouge”. Os musicais fazem exatamente isso. Colocam em som, imagem e, mais importante, coreografias, o que os sentimentos provocam nos sonhadores, o que as pessoas e as palavras provocam nos apaixonados. Com “Mamma Mia!” não é diferente.

Baseado no 16º musical há mais tempo em cartaz na Broadway, “Mamma Mia!” narra a história de Sophie (Amanda Seyfried), uma jovem de 20 anos que deseja ter um casamento tradicional. Antes de dar um passo importante em sua vida pessoal, Sophie precisa descobrir quem é seu pai. Ela foi criada por sua mãe, Donna (Meryl Streep), em uma ilha grega. O desejo de Sophie está próximo de se concretizar quando ela encontra o diário de sua mãe entre alguns pertences. Os textos revelam que existem três possíveis pais, Sam (Pierce Brosnan), Bill (Colin Firth) ou Harry (Stellan Skarsgard). Impulsiva, a jovem decide enviar convites aos três na esperança de que, quando os encontrar, saberá qual deles é o verdadeiro.

Donna não fica nada contente em encontrar, de uma única vez, os três maiores amores de sua vida. Sophie não consegue descobrir qual dos três homens é seu pai. A confusão de sentimentos e decisões equivocadas são pautadas por canções do grupo sueco ABBA, o que, apesar de antigas, conseguem expressar sem dificuldades o que os personagens pensam ou sentem. Afinal, para que serve a música se não para isso?

Sophie está perdidamente apaixonada, mas teme deixar sua mãe sozinha. Donna não aceita o fato de não saber quem é o pai de sua filha. Sam, Bill e Harry não sabem porque foram convidados para o casamento, mas gostam da idéia de encontrarem Donna novamente. As amigas de Sophie, Lisa (Rachel McDowall) e Ali (Ashley Lilley), assim como as amigas de Donna, Rosie (Julie Walters) e Tanya (Christine Baranski), estão ali para se divertir. Fica tudo evidente quanto, sem qualquer aviso, o grande elenco de “Mamma Mia!” começa a cantar e a dançar.

Como o musical da Broadway, “Mamma Mia!” é brega. E não tem outro adjetivo melhor para descrever o filme. Da purpurina que forma as letras do título às roupas vibrantes usadas pelos atores ao final dos créditos, tudo é condizente com ABBA e o espírito dos anos 70. Isso não faz do longa-metragem uma obra ruim ou medíocre.

A evidência é que o drama de uma jovem que não conhece o pai é, definitivamente, brega. A antecipação da separação de mãe e filha com a chegada de um casamento é igualmente brega. O amor, por fim, é brega. E muito. O que torna ABBA tão brega é colocar em frases arrebatadoras todos os sentimentos que evocam essas situações e unir essas letras e melodias a uma trama divertida é a genialidade do musical.

Muitos irão torcer o nariz para os momentos em que um coro de coadjuvantes gregos entram em cena para manipular as situações e coreografar as canções. Esse é um dos detalhes que extrapolam no espírito cafona, mas não chega a atrapalhar, pois são propostas diferentes para causar a mesma sensação. Nos palcos, os atores cantando ao vivo, o barulho dos alto-falantes e o envolvimento dos astros com a platéia provocam no espectador a vontade de levantar da cadeira e se juntar ao elenco. No cinema, a solução é colocar em cena o maior número de pessoas envolvidas em uma música.

A idéia da diretora Phyllida Lloyd, em seu primeiro trabalho para o cinema, parece se inspirar nos antigos musicais, com balés elaborados. Não é uma decisão errada, mas apesar de evocar desejos na platéia, no contexto do filme pesa. A leveza vem com um elenco afinado não apenas na voz. Meryl Streep traz uma performance fenomenal que transparece a diversão que deve ter tido durante as filmagens. Sua Donna consegue emocionar e fazer rir com a mesma facilidade com a qual canta as notas graves.

As coadjuvantes Walters e Baranski são mais interessantes do que Amanda Seyfried e suas amigas. Encantadoras, as duas captam o espírito jovem como as outras que, talvez por falta de experiência, não conseguem. Seyfried é verossímil como uma jovem ingênua e infantil, mas falha nas cenas dramáticas.

O elenco masculino não deixa nada a desejar. Muito embora Pierce Brosnan tenha uma voz ruim e não consiga coordenar suas expressões com os versos das músicas, o charme irlandês é suficiente para tornar Sam um personagem absolutamente irresistível. A química entre ele e Meryl Streep não é nada forçada.

O mesmo acontece com os outros dois possíveis pais. Como velhos amigos, os três se descobrem ao mesmo tempo em que tentam entender o que os levou à ilha. Colin Firth não foge do esperado no papel de um homem sem inspirações ousadas, mas surpreende nos talentos vocais. Stellan Skarsgard é brilhante na espontaneidade do personagem Bill.

Talentoso no geral, o elenco possui ainda a vantagem de proclamar com vontade os versos de ABBA em frente a um cenário magnífico de águas turquesas e paisagens de tirar o fôlego. A fotografia do filme valoriza a beleza da Grécia e torna o ambiente um aliado à trama.

“Mamma Mia!” pode não ser um retorno aos musicais clássicos dos anos 50, mas tampouco tem essa aspiração. O filme, entretanto, possui a mesma essência de todos os grandes sucessos e provoca no espectador a vontade de participar dos momentos em cena. Aos que tiverem a ousadia de se render à música, fica a proposta ao final dos créditos.

Lais Cattassini
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