"Hellboy II - O Exército Dourado" é o segundo mergulho de Guillermo del Toro no universo quadrinístico concebido por Mike Mignola. O cineasta, no entanto, não apenas adapta a obra da nona arte, mas a recria nas telas do cinema, dando a esta uma maior profundidade e fundindo-a com sua própria imaginação.
A mente de Guillermo del Toro deve ser algo assombroso. Se o diretor mexicano é capaz de levar às telas de cinema as criaturas que vemos em seus filmes, os seres, mundos e imagens que vivem na sua cabeça devem ser mais assombrosos ainda. No entanto, sua capacidade visual jamais fica no seu caminho de contar uma boa história, conforme fora visto no genial “O Labirinto do Fauno”. E, neste seu retorno ao universo de Hellboy – o qual fora introduzido nos cinemas por ele mesmo em 2005 -, o cineasta leva seu tino visual às últimas conseqüências. Com certeza sua mudança para a Universal, berço de alguns dos maiores monstros da história do cinema, foi uma inspirada chegada de novos ares.
Escrito e dirigido pelo próprio Del Toro, “Hellboy II – O Exército Dourado” abre com uma singela seqüência no Natal de 1955, no qual o Prof. Bloom (John Hurt) conta para um ainda infante Hellboy (Montse Ribé) uma história sobre a guerra iniciada pelos humanos contra os seres místicos. Travada há muitas eras, a luta chegou ao fim quando o rei Balor (Roy Dotrice) se apossou do exército dourado, uma legião mecânica invencível, que poderia aniquilar a humanidade.
No entanto, não era o desejo do sábio soberano destruir os humanos, então uma trégua fora feita, com eles se alastrando pelo mundo, enquanto os seres místicos se recolheram às florestas. Quanto à coroa que comandava o exército dourado, esta fora partida em três pedaços. O príncipe élfico Nuada (Luke Goss) não ficou nada satisfeito com isso e se exilou de seu reino, prometendo voltar quando o seu povo precisasse dele.
Nos dias de hoje, Hellboy (Ron Perlman) se encontra em uma encruzilhada. Ainda trabalhando na agência secreta do governo norte-americano conhecida como BPDP, ele vive entre tapas e beijos com sua namorada Liz (Selma Blair) e com os demais agentes de lá. O calmo Abe Sapien (Doug Jones) continua sendo a consciência do grupo, enquanto o burocrata Tom Manning (Jeffrey Tambor) ainda tenta controlar o caos que é esse grupo.
A rotina da agência é quebrada quando Nuada declara guerra contra a humanidade e parte em busca dos pedaços da coroa para reviver o exército dourado. Enquanto Hellboy toma uma decisão que afeta a todos os seus amigos, Abe descobre o amor quando se apaixona pela irmã gêmea do vilão, a gentil princesa Nuala (Anna Walton), enquanto Liz guarda um pequeno segredo de seu namorado. O BPDP ainda ganha um novo líder, Johann Krauss (voz de Seth MacFarlane), cujo profissionalismo bate de frente com o jeito despojado do diabão boa-praça.
Os veteranos da franquia atuam de forma bastante familiar, com uma segurança de velhos colaboradores e amigos e interagem com os novatos no cast de maneira igualmente tranqüila. Isso reflete na atuação de cada um na tela, que exibe um desempenho homogeneamente positivo. Ron Perlman esbanja bom-humor como o personagem-título, conquistando a platéia logo de cara como Hellboy. Selma Blair mostra que Liz evoluiu muito entre os dois filmes. Bem mais segura que no longa anterior, ela acaba tendo de lidar com questões bem mais complexas nesta fita e sua intérprete se mantém firme ao exibir os conflitos da agente.
No entanto, quem mais evoluiu desde o primeiro longa fora o anfíbio Abe Sapien. Além da magistral interpretação física de Doug Jones – algo de praxe desse talentoso mímico -, este impôs uma plácida voz ao azulado personagem que se adéqua de maneira perfeita. Além disso, a singela paixão de Abe para com Nuala gera momentos simplesmente maravilhosos para a fita, a se destacar a cena na qual ele e Hellboy enchem a cara escutando Barry Manilow e falando sobre suas respectivas paixões. Além disso, Jones ainda encarna a interessante figura do Anjo da Morte, colocando trejeitos femininos para tal personagem que chega trazendo um aviso apocalíptico.
Também retorna o sempre ótimo Jeffrey Tambor, cujo trabalho admiro desde sua participação na série “Arrested Development”. Vivendo o sempre estressado Manning, Tambor interpreta um personagem sempre querendo ser o mais inteligente em um mundo que não entende bem, além de ter a frustrante missão de manter Hellboy na linha, gerando momentos engraçadíssimos.
Entre os novatos no elenco, temos Luke Goss, como Nuada. A motivação do príncipe para sua revolta para contra os humanos é muito bem explicada. Criando um personagem complexo, Goss jamais mostra Nuada como alguém de mau-caráter, mas como um indivíduo que deseja o melhor para o seu povo, não importando as conseqüências disso para si. Já Anna Walton está bem como a Princesa Nuala, embora tenha tido pouco espaço para brilhar em cena.
No entanto, o mais divertido dos novos personagens é o ectoplasmático agente do BPDP Johan Krauss, dublado pelo excelente Seth MacFarlane (criador de “Uma Família da Pesada” e “American Dad!”). Extremamente inteligente – e bastante exibido quanto a este fato -, Krauss não gosta de quebrar regras. Embora tenha um passado trágico – apenas mencionado -, o agente é bastante profissional, mesmo não sendo contra uma piada ou duas. Em um diálogo com Hellboy nos vestiários, ele mostra exatamente o seu potencial e é uma adição muito bem-vinda ao grupo, que teve o sem-sal agente Myers chutado para a Antártica!
Del Toro continua a se mostrar um excelente contador de histórias. Sabendo conduzir a trama de maneira cuidadosa e simples, ele evita arrombos de criatividade, sem querer inserir reviravoltas mirabolantes, se focando em respeitar a trama a ser contada e sem desrespeitar a inteligência do espectador. Se utilizando de planos plasticamente interessantes, o diretor aproveita ao máximo os cenários e as criaturas exibidas. A seqüência no Mercado Troll já entrará para a história como uma das mais bonitas e bizarras já feitas. Seu impacto se compara com o da clássica cena da cantina do “Guerra nas Estrelas” original (antes de George Lucas se bandear para o lado digital da Força).
O visual incrível do filme é fotografado de maneira belíssima por Guillermo Navarro, um dos mais talentosos diretores de fotografia de nossa geração e antigo colaborador do diretor do longa. Utilizando as cores e a iluminação para ajudar Del Toro a contar sua história, Navarro faz por merecer os diversos prêmios por ele recebidos em sua carreira.
Outro que merece destaque é o editor Bernat Vilaplana, em sua segunda colaboração com o Del Toro. Vilaplana acerta exatamente no ritmo da película, além de, em algumas cenas, se utilizar de ótimas transações em seus cortes. Já na trilha sonora, o sempre eficiente Danny Elfman acerta no tom das composições, além de sempre aparecerem algumas músicas ótimas e escolhidas especialmente pelo próprio Del Toro para pontuar determinadas cenas.
Divertido e visualmente maravilhoso, “Hellboy II – O Exército Dourado” vale cada centavo de seu ingresso, sendo uma pena que demorará tanto tempo para que vejamos o final da trilogia, considerando que Guillermo Del Toro estará ocupado por boa parte da próxima década com seus diversos novos projetos. Recomendado!