Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito

A vida do cearense Bezerra de Menezes ganhou as telas pelas mãos de seus conterrâneos Glauber Filho e Joe Pimentel. "Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito" chega aos cinemas como registro de um personagem que se entregou ao Espiritismo e à Medicina e é uma das figuras mais marcantes do país.

Desde que o filme foi encomendado, o modesto orçamento de R$ 1 milhão produziu um documentário ficcional que logo seria transformado apenas em ficção com outro R$ 1 milhão investido na produção. Após todas as novas alterações da trama e a boa aceitação em suas premieres em alguns lugares do país, o filme finalmente chega às telonas nacionais no dia em que Bezerra estaria aniversariando, 29 de agosto, distribuído em quarenta salas pela Fox Filmes do Brasil.

A trama inicia desde o momento em que Adolfo Bezerra de Menezes sai da barriga da mãe. A partir daí, o convívio com o pai e a adolescência são algumas das fases vividas e narradas pelo protagonista. Quando adulto, Bezerra se torna um político influente que luta contra a escravidão, porém percebe que seu contato com a doutrina espírita pode mudar sua vida. Disposto a sempre ajudar os necessitados, Bezerra abdica da política e se dedica ao Espiritismo e à Medicina, sempre defendendo a bondade e a paz entre os cidadãos. É esta trajetória que a película mostra de forma delicada e clássica.

O roteiro de Glauber Filho, Andréa Bardawil e Luciano Klein foi resultado de uma intensa pesquisa para sinalizar as principais passagens da vida do personagem. Bezerra se destacou em tantos campos que muitos deles acabaram sendo explorados com pouca abordagem do longa. A vida política do protagonista, por exemplo, se resume a duas cenas que pouco causam efeito no espectador. Isso revela que a principal idéia dos roteiristas era mostrar o lado espiritual de Bezerra e como foi se entregar ao Espiritismo, sem necessariamente parecer doutrinário. Durante o longa, vemos algumas experiências espíritas em tela, mas que poderiam ter se estendido como forma de trabalhar mais este lado do protagonista.

A alternativa de construir um longa-metragem com grande parte narrado em off por Bezerra passa a segurança de que ele, melhor do que ninguém, conta sua história. Porém, a narração afasta a atuação de Carlos Vereza, que se resume a imagens estáticas e repetitivas do ator enquanto escreve seu diário. A narração acaba sendo cansativa e pouco explicativa durante algumas partes, que talvez seriam melhores aproveitadas com o investimento em ação propriamente dita. Mesmo assim, vemos um Vereza compenetrado no personagem, que ainda realiza duas brilhantes seqüências, como quando confronta com a amabilidade de Bezerra um descrente do Espiritismo e quando doa um pertence importante a uma mãe sem recursos financeiros.

É a sensibilidade e o carinho óbvios que torna o filme um bom exemplar do cinema cearense e nacional. Não há inovações na direção de Glauber Filho e Joe Pimentel, até porque o longa não aceita inovações lingüísticas cinematográficas. Percebemos um filme que pende ao estilo mais clássico, com planos mais demorados e enquadramentos comuns, que ajudam a construir a narrativa da produção. Aliás, a diegese do filme está impecável, com elementos verossímeis para a reconstrução de uma época. O figurino, a direção de arte e a trilha sonora são aspectos que merecem destaque e que conduzem o filme durante seus poucos 75 minutos.

Se há entrega de Vereza e dos cineastas para a contação da história de Bezerra, o que acaba prejudicando em maior escala é o despreparo de alguns dos atores cearenses em cena. É fato que o Ceará é um grande pólo do Teatro, como está sendo também do Audiovisual. Porém, ainda não há harmonia entre essas duas artes. É preciso que os atores tenham um maior cuidado ao atuar em filmes, pois é uma linguagem diferente do teatro e precisa de uma certa postura para funcionar. Em "Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito", vemos excesso de gestos e expressões muito teatrais, bem como o excesso de voz de alguns atores. Entretanto, a experiência de Vereza e do elenco nacional dá uma quebra a essa falha. Caio Blat e Ana Rosa, por mais que apareçam pouquíssimo em cena, fazem boas participações, assim como Lúcio Mauro.

Ao terminar o filme, ficamos com a sensação de que a história de Bezerra de Menezes teria muitas outras coisas para serem abordadas com mais afinco, mas não deixamos de estar satisfeitos com o que vimos em cena. "Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito" é a demonstração do talento de grandes cineastas cearenses e que certamente abrirá as portas a um gênero ainda tímido no Brasil: a escolha da temática espírita para os longas. Em tempos em que o cinema brasileiro se resume a grandes novelas levadas às salas de projeção para o consumo do público, filmes como o de Bezerra ficam guardados como um belo registro de uma época e de um ícone mundial. Recomendado.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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