Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de agosto de 2008

Asterix nos Jogos Olímpicos

Com tantas adaptações de HQs vindas este ano do cinema hollywoodiano, é notável que o mercado europeu tenha realizado, com este “Asterix nos Jogos Olímpicos”, uma das piores fitas baseadas na nona arte dos últimos anos.

Gosto muito do humor presente nos álbuns da série “Asterix”, publicados aqui no Brasil pela editora Cia das Letras. Mesmo os dois primeiros filmes live-action baseados nas obras de René Goscinny e Albert Uderzo contêm um humor inocente e ácido ao mesmo tempo, que remetia às aventuras cinematográficas setentistas d’Os Trapalhões, algo que bastante me agradava. Chega a ser irônico que a sua terceira fita com atores reais da série, “Asterix nos Jogos Olímpicos”, remeta tão diretamente aos vazios e comerciais longas estrelados recentemente por Renato Aragão.

O filme tem início com um prólogo desnecessariamente longo, no qual somos apresentados à Apaixonadix (Stéphane Rousseau), gaulês que está apaixonado pela princesa grega Irina (Vanessa Hessler) . No entanto, a bela está prometida para o ambicioso Brutus (Benoît Poelvoorde), filho do Imperador romano. Tentando escapar do casamento forçado, Irina se coloca a prêmio nos jogos olímpicos, que estão se realizando na Grécia. É claro que os mais irredutíveis dos gauleses, Asterix (Clovis Cornillac) e Obelix (Gérard Depardieu), acompanhados do fiel cão Ideafix e do druida Panoramix (Jean-Pierre Cassel), se prontificam para a tarefa de ajudar seu conterrâneo e amigo a ganhar a mão da princesa. Enquanto isso, Brutus se prepara para desposar a donzela e, ao mesmo tempo, derrubar Júlio César (Alain Delon) do trono de Roma.

O leitor mais atento já terá notado, de pronto, um problema básico nesta premissa. Asterix e Obelix não passam de coadjuvantes de luxo! Se alguém fosse assistir à fita sem saber do que se trata, iria achar que o longa se chama “Brutus, um Príncipe Trapalhão”. Uma coisa é saber dar espaço para trabalhar bons coadjuvantes, já tirar espaço dos protagonistas para repetir uma gag infinitamente é outra. O plot básico da trama, que deveria ser o romance entre Apaixonadix e Irina, mal é explorado pelo confuso roteiro escrito a oito mãos, devo dizer. Conta-se nos dedos as cenas nas quais Asterix e Obelix têm destaque, além de ambos nem aparecerem na tela pelos primeiros 15 minutos da fita. Outro exemplo de que os realizadores se perderam na confecção do script foi a inserção, vinda de lugar nenhum, de mais uma conferência dos druidas, no qual o sábio Panoramix é seqüestrado, exatamente como em “Asterix e Obelix Contra César”!

Para piorar, o longa ainda é repleto de aparições especiais de astros do esporte vindos sabe lá Tutatis de onde! Os últimos 10 minutos da fita são uma sucessão de participações desnecessárias, começando com um personagem do segundo filme da saga, que serve meramente de escada de personalidades esportivas como o futebolista Zinedine Zidane, em uma das cenas mais constrangedoras que eu já vi na vida. As únicas pontas que arrancam algum riso são as de Michael Schumacher e Jean Todt, que irão animar os fanáticos por Fórmula 1, funcionando justamente porque estão inseridas no contexto do filme – embora acabe por perder a graça por ser esticada demais.

Embora o roteiro contenha algumas boas piadas, principalmente ao lidar com a porção mágica dos gauleses como doping, os roteiristas parecem perdidos, chegando a apelar para “homenagens” a longas consagrados que simplesmente não fazem sentido. Se alguém entender como diabos um sabre de luz foi parar no ano 50 a.C., por favor, me explique!

O elenco, a maioria de gabaritados atores do cinema francês, faz o que pode com o texto. O grande veterano da franquia, o sempre ótimo Gérard Depardieu, mais uma vez domina a cena com seu atrapalhado e de bom coração Obelix, sendo uma pena que este participe tão pouco. Clovis Cornillac substitui pobremente o ótimo Christian Clavier no papel-título, embora, para sermos justos, Cornillac só possua uma única cena na qual pode atuar sossegado como seu personagem, na qual se sai muito bem. Stéphane Rousseau parece tão perdido em cena quanto seu Apaixonadix. Vanessa Hessler aparece linda como a princesa Irina e só, não tendo nenhuma química com Rousseau e deixando o público sem entender o que um viu no outro.

Quem realmente é o protagonista da fita é Brutus, vivido por Benoît Poelvoorde. Este transmite toda a ambição e preguiça de seu personagem, se mostrando um parricida asqueroso, mesmo que atrapalhado e azarado, o que torna seu personagem paradoxalmente engraçado. Uma pena que o roteiro trate tão mal sua trama, repetindo várias e várias vezes a gag da tentativa de assassinato de Júlio César. Por falar no grande imperador, ele é vivido pelo mítico intérprete Alain Delon, que se diverte vivendo o personagem hiper-egocêntrico e é responsável pelas melhores cenas da fita, com seu bordão “Ave eu”.

No entanto, há de se ressaltar que “Asterix nos Jogos Olímpicos” é a produção mais cara de toda a história do cinema francês e vêem-se na tela cada centavo de euro gasto. O longa conta com uma fotografia primorosa, sempre em cores quentes, uma direção de arte digna de um Tim Burton (na escala, não no estilo), maquiagens perfeitas, cenários e figurinos lindíssimos, efeitos especiais de primeira linha e planos épicos concebidos pelos diretores Frédéric Forestier e Thomas Langmann, que parecem saber muito sobre como encher os olhos do espectador, mas nada de como contar uma história.

Ao caprichar tanto no visual, os realizadores da película esqueceram que o coração da franquia "Asterix" está no carisma de seus personagens e tal virtude, salvo exceções extremamente pontuais, parece ter ficado nas páginas dos álbuns. Realmente decepcionante.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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