De forma gradual, o cinema baseado em HQs anteriormente dito como imaturo e levemente infantil mostra a sua alta capacidade de projeção. Agora temos a auto-condição de complexidade. O novo filme do Batman talvez seja a total transição para esses novos padrões. Erros passados foram corrigidos e todos os demais acertos constroem um dos melhores filmes vindos dos quadrinhos.
A série “Batman” talvez seja uma das mais desperdiçadas no meio cinematográfico. Boa parte dela apresentava-se completamente infantil e convergia para a terrível série televisiva. Além de péssimos roteiros, personagens e atuações, a série ainda contava com a troca de diretores completamente díspares, o que proporcionava uma interminável irregularidade. Foi aí que uma mente brilhante responsável pelo ótimo “Amnésia” resolveu revitalizar um dos melhores personagens criados.
Logo, “Batman Begins” veio com a responsabilidade de dar novos ares à franquia e, de alguma forma, alavanca-la. E cumpriu o dever de casa. Apesar de, em uma opinião quase única, achar que “Batman Begins” foi lotado de defeitos, o resultado final ainda conseguiu ser bom. Temos uma direção eficaz e um clima sombrio e deveras verossímil. Mas em casos como esse, considero o episódio inicial como o responsável por introduzir um novo estilo de série – algo muito complicado – e que pode acarretar em sucessores muito melhores. E pelo visto estou certo.
Algo é lógico se afirmar: Se você gostou de “Batman Begins”, certamente gostará de “Batman- O Cavaleiro da Trevas”. E mesmo se, como eu, você não foi devoto do primeiro filme, gostará do segundo. O resultado é tão bom que é difícil reclamar muito. Literalmente todos os pontos que eu não tinha gostado do primeiro filme foram corrigidos no segundo; o roteiro não é mais superficial, Christopher Nolan não peca mais nas cenas de ação, e Christian Bale não é mais descartável; cada personagem tomou uma proporção muito maior que antes.
O novo filme continua mostrando a luta de Bruce Wayne/Batman (Christian Bale) contra o crime organizado da intoxicada Gotham City. Agora com a ajuda do tenente James Gordon (Gary Oldman) e do promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), ele combate ainda com mais eficácia o crime organizado, mas não imagina que enfrentará um dos maiores psicóticos já apresentados no cinema: o Coringa (Heath Ledger). Paralelo a isso, ainda tem o seu conturbado romance com Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal), que é impedido devido ao seu constante interesse no bem estar da cidade.
O roteiro de Jonathan Nolan é uma das mais importantes mudanças do filme e, conseqüentemente, responsável pelo seu resultado final. Enquanto o roteiro de “Batman Begins” baseava-se em diálogos rasos, humor apático, filosofias batidas e uma dose concentrada de Bruce Wayne, o texto do novo filme é dotado de ótimos diálogos, bom desenvolvimento de personagens, maturidade nas situações e tudo em uma proporção muito maior. A idéia do novo filme é muito mais grandiosa, permitindo assim o desenvolvimento de um novo patamar. Temos muito mais consistência nas subtramas e o universo verossímil agora não se dá unicamente devido a termos técnicos, como direção e fotografia, mas sim a todo um contexto da história.
Christopher Nolan merece parabéns pelo trabalho construído. Tudo aquilo que ele tinha empregado de forma errada no primeiro filme, como câmeras desfavoráveis e de mau gosto, foi corrigido. Ele abusa de ângulos superiores, de belíssimos takes das cidades, tenta retirar o máximo das cenas de ação, e é claro, extrai o máximo que pode dos atores – em especial Heath Ledger -, tornando seu filme algo denso, cruel, realista, cru e com classe. Em determinado momento do filme, eu realmente tinha me esquecido que o longa em questão era o Batman. Lembrou-me muito diversos filmes de gângster devido ao clima bem empregado, mas é claro que ele não é nenhum “Os Intocáveis”, “Os Infiltrados” ou “O Poderoso Chefão”, como dizem por aí.
As atuações é um quesito muito importante de se observar. Christian Bale parece mais íntimo com seu personagem. Apesar de não ter tudo o que ele pede, o ator consegue o tom correto para trabalhar. Podemos responsabilizar essa positiva mudança devido ao desapego para com o personagem, proporcionando a descentralização do mesmo. Maggie Gyllenhaal veio com a difícil missão de fazer uma personagem que anteriormente pertenceu a outra atriz. Por mais que o trabalho de Katie Holmes não tenha sido um dos melhores, sempre é complicado ocorrer essa substituição. Contudo, Gyllenhaal faz com que prevaleça a humildade e tranqüilidade de sua personagem.
Podemos considerar também Gary Oldman como o tenente Gordon, que conseguiu mais espaço dessa vez. Morgan Freeman continua com aquele ar de superioridade e gentileza de Lucius Fox e Michael Caine prossegue soberbo na pele do fiel mordomo Alfred. É claro que Aaron Eckhart também merece grande destaque. Ele consegue construir um controverso personagem durante o filme e, juntamente com o roteiro, traz um Duas-Caras realista e não aquela palhaçada que vimos em “Batman Eternamente”.
E seria clichê fazer mais elogios a Heath Ledger, mas todos eles se fazem necessários. O personagem construído por ele é simplesmente arrebatador. Vai da postura ao jeito de falar, de se comportar e de interagir com outros personagens em cena. Pelo o contrário do que eu esperava, o filme não é dele, por mais que roube todas as cenas. O humor sombrio e a personalidade doentia do Coringa fazem dele um dos melhores personagens das últimas décadas do cinema. Ledger está irreconhecível, com sua feição completamente modificada e com o tom sarcástico necessário. Malcolm McDowell deixou um discípulo muito melhor que ele. E bota melhor nisso. Simplesmente fantástico.
O novo filme do Batman conta com uma equipe técnica muito competente também. Podemos observar os efeitos especiais e visuais bem confeccionados, a belíssima maquiagem, a fotografia sombria – mas sem abusar tanto do marrom e preto como no primeiro filme –, os poderosos efeitos sonoros e a eficaz reformulação na trilha sonora. É tudo muito grandioso. Tudo condiz com o clima proposto no filme. Eles não são o centro da atenção do longa, apenas funcionando como um “artifício decorativo”, por assim dizer.
Portanto, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” está a anos-luz do primeiro filme, mostrando-se competente e com conteúdo. Felizmente podemos ver um exemplo de filme que aprende com seus erros e transforma-se em algo verdadeiramente relevante. É o tipo de filme que todos os quesitos estão em harmonia. Defeitos? Sim, poucos. Um deles é sua extensão um tanto quanto demasiada, mas que se desenvolve no ritmo e da forma correta. Para quem gosta ou não de filmes vindos de histórias em quadrinhos, vale a pena conferir; afinal, a partir de agora, o conceito para filmes de HQ’s tornou-se abstrato, não é mesmo?
P.S.: E aquela lista de pessoas que estavam apoiando a indicação de Heath Ledger para o Oscar? Cadê ela? Pode pôr meu nome, viu?!