Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 07 de julho de 2008

Hancock

Em uma temporada repleta de super-heróis, "Hancock" parecia ser uma boa adição ao gênero. No entanto, acaba por ser apenas mais um, se diferenciando apenas graças ao carisma de Will Smith e Jason Bateman.

Na clássica graphic novel "Reino do Amanhã", o leitor é apresentado a um mundo onde seus super-heróis agem sem o mínimo discernimento moral ou ético, agindo de maneira irresponsável e sem se preocupar com nada. É assim que o personagem-título de "Hancock" se comporta. Sempre bêbado e agindo de maneira a arrebentar toda a cidade de Los Angeles, ele é mal visto por todos, com a promotoria se indagando em como fará para pôr na cadeira um homem que voa na velocidade supersônica e possui superforça.

O que parece não passar pela cabeça de todos é que Hancock (Will Smith) também salva vidas. Uma delas foi a do publicitário Ray Embrey (Jason Bateman), que sonha em fazer do mundo um lugar melhor. Embrey tem a idéia de transformar a imagem de Hancock, fazendo deste o herói que ele deveria ser. Para isso, ele terá de enfrentar a resistência de sua esposa, Mary (Charlize Theron), que não gosta nada do herói. No entanto, ela e Hancock estão atraídos um pelo outro de uma maneira irresistível.

O roteiro do filme, anteriormente conhecido como "Tonight, He Comes", circula pelos estúdios de Hollywood há mais de 10 anos, mas o longa precisou do envolvimento do astro Will Smith para sair do papel. De fato, a primeira metade da fita é bastante interessante, envolvendo situações inusitadas como a perseguição na rodovia e todas as cenas no presídio. No entanto, o filme muda completamente de tom no meio de seu segundo ato, colocando uma trama envolvendo a misteriosa origem de Hancock que simplesmente não condiz com o modo como a história vinha sido contada até aquele ponto, culminando em um terceiro ato excessivamente dramático.

O mais interessante é que vemos na tela um ótimo meio da origem de Hancock ter sido contada sem a inserção da citada subtrama, quando o herói desenha nas paredes do presídio com suas unhas. Aliás, as unhas foram uma brilhante sacada, graças ao multiuso destas pelo herói. Sempre que se concentra em como este indivíduo superpoderoso é algo estranho ao universo comum, o filme ganha fôlego, caindo todas as vezes que tentam forçar o elemento fantástico além do necessário, como na superbriga que ocorre no início do terceiro ato. Parte deste problema provavelmente está no fato do longo tempo de duração da fita, que deve ter tido seu script alterado várias vezes durante esses anos. Assim, a inclusão de um segundo indivíduo superpoderoso parece um tanto forçada, bem como o supervilão da vez.

Will Smith surpreende como John Hancock, colocando um personagem sofrido e solitário na tela. Do ponto de vista dele, seus poderes não o tornam alguém especial, mas solitário. Sem identidade secreta ou amigos, Hancock passa seus dias bebendo e destruindo coisas, sem jamais conseguir alcançar seu potencial heróico.

Jason Bateman, cujo trabalho em "Juno" já havia sido digno de fartos elogios, sobe cada vez mais em minha cotação. O ator já mostrava seu talento na série "Arrested Development" e consegue aqui roubar todas as cenas em que aparece como o idealista Ray Embrey, um homem comum que sempre levou baques na vida, mas que segue tentando alcançar a felicidade.

Determinado a fazer daquele bêbado superpoderoso um herói de verdade, Embrey é um indivíduo naturalmente bom, focado em enxergar o que houver de positivo nas pessoas, e é sua humanidade que o torna o personagem mais cativante em cena. É interessante como são os valores e a bondade do publicitário que despertam em Hancock uma fagulha de responsabilidade – novamente a comparação com "Reino da Amanhã" cabe aqui, com Ray fazendo o papel representado pelo Superman na citada HQ.

Já Charlize Theron tem pouco a fazer na primeira metade do filme, com sua Mary ganhando um grande destaque na parte final da fita. Não é que a atriz esteja mal no filme. Linda e competente como sempre, Theron faz o que pode com o que lhe foi dado, mas Mary continua meio perdida na trama, com sua função na história sendo um tanto forçada.

Na direção, Peter Berg se sai bem no que faz de melhor. Tendo comandado o divertido "Bem-Vindo à Selva" e o bom "O Reino", Berg nos mostra ótimas e imaginativas seqüências de ação e também extrai o melhor de seus atores nos momentos mais leves da produção, mas peca ao forçar demais a mão nos momentos mais dramáticos, algo evidente no terço final do longa. No entanto, sua habilidade ao criar planos visualmente bonitos (em conjunto com o diretor de fotografia Tobias A. Schliessler) e sua competência nos momentos mais agitados da fita compensam tais falhas.

"Hancock" é um bom filme de super-heróis, mas é uma pena que seja só isto, já que possuía potencial para ser mais do que apenas mais um longa divertido a ser lançado nas férias de julho.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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