Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 29 de junho de 2008

Wall-E

Existem experiências cinematográficas que não esquecemos nunca, principalmente quando são positivas. “Wall-E” é mágico de uma forma difícil de explicar. Com um apuro técnico impecável e personagens inesquecíveis, a Pixar criou a melhor animação já realizada até hoje. Sem medo de exagerar.

Aos que acompanham o desenvolvimento de produções aqui no Cinema com Rapadura devem criar suas expectativas para cada estréia. Além dos blockbusters que abastecem as bilheterias com dinheiro, também existem aqueles que, por um motivo ou outro, também nos deixam ansiosos. “Wall-E” sempre prometeu ser fantástico. A cada nova informação revelada ou arte conceitual que aparecia, era certeza ser, no mínimo, divertido. Além da ousadia de fazer abordagens e críticas sociais fortes, a Pixar resolveu criar o maior clássico de todos os tempos da história da animação. Sem desmerecer os outros, como “Procurando Nemo”, “A Noiva Cadáver”, “A Casa Monstro”, “Monstros S.A”, a trilogia “Shrek”, “A Viagem de Chihiro”, “Happy Feet: O Pingüim”, a diferença é que “Wall-E” atinge um nível de perfeição jamais visto antes, pelo menos aos meus olhos.

O carinho com que a trama foi criada por Andrew Stanton, o gênio por trás do magnífico “Procurando Nemo”, transforma “Wall-E” em uma referência em todos os termos cinematográficos. O roteiro, como de qualquer animação, tem a lição de moral para as crianças, mas desta vez se estende também aos adultos. Por mais simples e sensível que o longa possa parecer, ele é mais complexo do que aparenta. Stanton conseguiu mesclar críticas sociais com a magia do cinema e transportar o público, infantil ou não, a uma dimensão deliciosa. A vida do pequeno robô Wall-E é limpar o lixo deixado pelos humanos, que agora vivem em uma espaçonave. Incessantemente, o robozinho está catando lixo, prensando e empilhando, formando verdadeiros arranha-céus no que restou da Terra. Visto do espaço, o planeta perdeu as cores vivas e descansa em uma imensa mistura de tons opacos, sinônimos de descuido dos humanos.

Wall-E foi o único de sua trupe de robôs que sobreviveu. Como amigo, ele tem uma baratinha difícil na queda. Wall-E tem casa, armário, coleciona peças e assiste todos os dias ao musical “Alô Dolly!”. A solidão de Wall-E acaba quando chega à Terra a robô super-moderna Eva, que flutua, solta raios e tem um avançado sistema interno de reconhecimento de território. Encantado por Eva ser tão efusiva e nada amigável, Wall-E passa a acompanhá-la no que restou da Terra, e então nasce uma das relações mais belas vistas hoje em dia. Jack e Rose de “Titanic”, Satine e Christian de “Moulin Rouge”, Jack e Ennis de “O Segredo de Brokeback Mountain”, Holly e Gerry de “P.S. Eu Te Amo” são apenas alguns dos grandes casais do cinema moderno. A eles, se juntam Wall-E e Eva, e a eterna vontade de sair da solidão, amar uma pessoa (no caso, uma pessoa metalizada) e ser feliz. Aliás, o filme inteiramente fala sobre felicidade ou a falta dela.

O roteiro mostra os humanos como simples condenados à extinção. Eles vivem sentados em cadeiras que flutuam e têm robôs que fazem tudo por eles. Ao que parece, homens e máquinas dividem o mesmo território em harmonia, e um Admirável Mundo Novo é construído na nave Axiom, onde os humanos residem. Eles são obesos, não sabem mais andar e são vítimas do consumo. Ao lado deles, os robôs desempenham suas funções e praticamente pensa por eles. Quando Wall-E conhece essa realidade, suas trapalhadas fazem com que o capitão perceba que existe algo de errado. A luta contra as máquinas começa e debates filosóficos podem ser levantados disso tudo. Seria mesmo o destino dos humanos se renderem ao comodismo e à tecnologia? Talvez a resposta esteja no ato final da película, quando Eva precisa de uma peça antiga para algo importante.

A forma como Wall-E e os demais robôs foram desenvolvidos deixa qualquer necessidade de diálogos para o lado. Os robôs são bastante carismáticos e expressivos, com Wall-E sendo irresistível. É impossível não se deliciar com suas aventuras e a forma como Stanton traduziu em imagens deixa tudo tão mais mágico. Enquanto o roteiro critica a tecnologia e o descuido dos humanos com o planeta (coisa que o Shyamalan tentou fazer no pavoroso “Fim dos Tempos”), a própria tecnologia da Pixar fez com que o filme ficasse irretocável. As imagens são praticamente palpáveis e a sonorização é incrível. A edição de som e a trilha sonora completam a perfeição do filme, que investe até na versão americana da música “La Vie en Rose”, originalmente interpretada por Edith Piaf. Com tantas referências ao próprio cinema e a canções inesquecíveis, a única saída é se apaixonar pela história de Wall-E e Eva.

Os protagonistas vivem aventuras que fazem rir e geram comoção. Além de fofos (permitam-me o intimismo do elogio), todos eles têm funções sociais bem estabelecidas dentro de uma trama que, mesmo simples, funciona melhor do que qualquer outro filme. O roteiro não fica superficial em momento algum, não cansa as crianças e seus acompanhantes, e deixa aquele sabor de precisar assistir mais uma vez. É como se “Wall-E” desse esperança não só para um mundo mais saudável, mas como se fosse a fonte para qualquer virtude que desperta-se entre nós. O filme é fantástico por se abster de preconceitos, de piadas infames e principalmente por sensibilizar até os mais rudes dos humanos.

Mais do que uma animação da Pixar, um clássico que deve ser assistido por todos os fãs de um bom cinema. É uma experiência incrível entrar em um mundo que parece tão real para nós. A forma como tudo se desenrola e a paixão de Wall-E por Eva canalizam sentimentos bons e nos deixam sair da sessão aliviados por ter escolhido o filme certo e por acreditar que Hollywood ainda tem imaginação suficiente para trazer aos cinemas filmes fantásticos. É por essas e outras que “Wall-E” é simplesmente imperdível. Só assistindo para tentar traduzir o que o filme significou para você!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre