Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 28 de junho de 2008

Wall-E

Se fosse possível resumir o novo filme da Pixar em cinco palavras, eu diria simplesmente: É um filme da Pixar! Mas no caso de “Wall-E”, talvez seja impossível determiná-lo com essa simples frase. Literalmente, a animação alcançou outro patamar. Além de avançar tecnicamente falando, podemos considerar esse novo longa como uma prova da inexistência de limites para o cinema. Simplesmente encantador.

Desde “Toy Story” que a Pixar vem se mostrando o estúdio que mais entrega obras com excelência em qualidade. Grandes pérolas da última década foram minuciosamente confeccionadas por ela e o estúdio pôde amadurecer juntamente com a sociedade. Hoje em dia, ele nem engana mais; seus filmes são direcionados ao público adulto. Os pais carregam seus filhos para o cinema, tentando incentivá-los, mas utilizam-se disso unicamente como um pretexto. O cinema animado já restabeleceu padrões suficientes para ganhar um espaço muito maior no mundo cinematográfico e etário; e pelo visto, vem constantemente reafirmando essa idéia.

“Wall-E” é o grande estopim de criatividade no quesito animação dos últimos tempos. Ele lida com temas delicadíssimos e tem bons resultados ao tratar de todos eles. A simplicidade com que foi abordado cada aspecto é deveras cativante e tem como mediador dessas situações um dos personagens mais carismáticos construídos ultimamente.

O filme se passa nos ano de 2700, onde a Terra agora é inabitada (e inabitável), e um inofensivo robô chamado Wall-E tem a função motora de fazer uma limpeza na Terra, onde a mesma encontra-se coberta de lixo e sem nenhum vestígio de vida. Nessa imensa solidão, Wall-E desenvolve uma adorável personalidade e vai aprendendo valores com as pequenas coisas e objetos que foram deixados pelos ex-habitantes da Terra. Tudo era habitual até quando inusitadamente, e por extrema coincidência homônima, surge Eva, uma robô enviada à Terra para procurar qualquer vestígio de vida. Após algum tempo, Eva dá espaço para Wall-E conhecê-la e daí cresce uma grande amizade, e desculpem-me os spoilers, um futuro romance.

Porém, ao achar uma pequena muda de planta qual Wall-E havia guardado, ela automaticamente absorve-a e entra em estado de hibernação, até que a mesma nave que a trouxe lhe leve de volta. Wall-E, não disposto a perder a sua única companheira, parte nessa viajem espacial juntamente com ela. A estação espacial na qual eles ingressam é a única reserva de habitantes terrestres que sobrou, mas há um problema: todos os humanos são gordos, manipulados, consumistas e perderam toda a essência de conviver, sendo que eles não têm nem mais algum tipo de contato físico e são completamente controlados por robôs. Logo, cabe a Wall-E recuperar sua amada e retornar ao seu planeta natal, onde tem um longo trabalho pela frente.

Somente daí, podemos ter uma idéia da complexidade da história do filme. Fala de uma sociedade consumista, egoísta, manipulada e sem nenhum contato com os que os cercam. É talvez a crítica mais completa e bem empregada, proferida por um filme de animação. Ainda temos como plano de fundo a insustentabilidade de qualquer forma de vida na Terra, coisa que a própria sociedade galgou para conseguir; algo diretamente relacionado com a situação atual.

A comparação que talvez eu não podia deixar de fazer é a que se dá entre “Wall-E” e a obra-prima máxima de Stanley Kubrick “2001:Uma Odisséia no Espaço”. Talvez o próprio diretor, Andrew Stanton, quis que houvesse essas concordâncias entre os filmes. Logo no início, ele mostra o cenário deserto da terra e o único ser presente nela, que vai descobrindo as coisas e construindo sua própria personalidade; relação direta com os macacos de Kubrick. Então tem uma cena em que toca as músicas de “2001” ("Also Sprach Zarathustra" e "The Blue Danube"), justamente em cenas onde exploram as naves e as situações em câmera lenta. É simplesmente uma das melhores homenagens que poderia se feita ao tão maravilhoso filme do mestre Kubrick.

No quesito direção, Andrew Stanton, o rapaz responsável pelo ótimo “Procurando Nemo”, atua de forma magistral. Desde os closes ousados que ele utiliza-se para dar veracidade à animação aos belíssimos momentos espaciais, Stanton mostra que está apto para comandar qualquer tipo de filme e mostra-se, inclusive, um dos melhores diretores atuais. As seqüências onde ele demonstra a beleza do espaço na viagem que Wall-e faz segurando-se na nave, é algo espetacular. E ângulos de câmera empregados por ele, fazem do filme algo bem próximo do que vemos no cinema “real”.

Além de dirigir com tamanha competência, ele entrega-nos um roteiro riquíssimo, que firma-se nas emoções, sensações e sentimentos e dispensa por diversas vezes qualquer tipo de fala. Além disso, existem outras curiosas relações, como a da agradável robô chamar-se Eva que foi a mulher de Adão, o primeiro e solitário homem na Terra; algo relacionado com Wall-E. Sem falar das diversas críticas sobre o padrão de vida atual, tudo tratado de forma madura.

Aproveitando esse comentário sobre a falta de falas no filme, é justamente aí que a parte técnica mostra sua competência. Ela tem que fazer com que os robôs transmitam os sentimentos da cena e mostrem-se coerentes com suas personalidades. E isso acontece de forma perfeita. Desde o material bruto até o resultado final, pode-se observar que tudo aquilo passou por mãos competentes em todos os seus estágios. Esteticamente falando, o longa é irrepreensível, e ainda conta com uma edição bem empregada e com uma trilha sonora muito eficaz.

Agora, a nível de comparação, podemos acompanhar os último grandes filmes da Pixar: “Procurando Nemo”, Os Incríveis”, “Ratatouille” e “Wall-E”. Todos estão em ordem crescente de desenvolvimento técnico, mas cada um trabalha sua área da forma mais adequada. Eles apresentam um combate equilibrado entre os dois maiores diretores de animação: Brad Bird e Andrew Stanton. Porém, mesmo que pequenas, nessa ordem podemos notar evoluções em aspectos que acreditávamos não poder mais haver. Eu pelo o menos achava que “Procurando Nemo” era o máximo que se podia alcançar quando o mesmo estreou, e assim por diante. E o mais interessante é que a Pixar, além de se reinventar, restabelece os limites impostos por ela mesma. É a hegemonia que nem o famoso ogro verde da concorrência é capaz de interromper.

Portanto, o resultado foi surpreendente. Não é somente a magia da animação, mas com doses de Chaplin, Kubrick e do saudoso Tom e Jerry. “Wall-E” configura-se na melhor animação dos últimos tempos e, até agora, no melhor filme do ano. Não deixe de ver essa pérola e de se encantar com lições que você já está farto de ouvir, mas que apresentam-se em um novo formato. É justamente aí que resume-se boa parte do poder cinematográfico.

Amenar Neto
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