Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de junho de 2008

O Guerreiro Didi e a Ninja Lili

Com divulgação mínima, menos expectativa de sucesso ainda e cercado de globais no elenco, “O Guerreiro Didi e a Ninja Lili” chega aos cinemas no início das férias escolares para abocanhar a bilheteria infantil. O problema é que talvez nem as crianças consigam rir do eterno trapalhão, que volta a insistir nas mesmas piadas.

Século XX. Um jovem oficial europeu, representado pelo global Rodrigo Hilbert, é convocado para a guerra. Antes de se apresentar, ele deixa sua filha aos cuidados de um mestre oriental, tornando-o responsável não só pela educação da menina, como também de passar a ela a arte milenar que deu origem aos ninjas. Ah sim, resta salientar que a criança é ninguém menos que Lívian Aragão, filha de Renato Aragão, e que esteve também no filme anterior do trapalhão.

A menina Lili é comunicada do desaparecimento de seu pai na frente de batalha, e é enviada de volta à Europa, onde deverá encontrar sua única parenta, Morgana (Vanessa Lóes). Acontece que a milionária tia detesta crianças, pelo fato de ter sido abandonada no altar pelo ex-noivo, o Dr. Marcos – sim, eu também não entendi a lógica disso. Mas enfim, acontece que, para voltar, Lili é presenteada com uma espécie de anjo da guarda, Didi, que a acompanhará na volta e garantirá que não perca o que aprendeu com o mestre. No meio disso tudo, eles ainda lutarão contra o vilão Jack, que obriga criancinhas a roubar para si.

Essa mistura esquizofrênica de história é coisa que, há alguns anos atrás, quase poderia fazer sentido em um filme de comédia – mas não faz. A óbvia inspiração em “A Princesinha”, de Alfonso Cuarón, mostra que o trapalhão voltou para um dos moldes que tornou seus filmes populares: pegar um filme eficiente para adaptar à outra realidade; como aconteceu com “O Mistério de Hobin Hood” e “A Princesa Xuxa e os Trapalhões”. O outro molde seria partir totalmente do zero para formar uma trama fantástica, dessas que só os trapalhões faziam palpáveis no Brasil. Porém não funciona aqui.

O roteiro é confuso, as piadas são as mesmas (e cada vez mais de mau gosto) e o que poderia ter sido mostrado de bom da referência usada não está aqui, já que ele não contente com o que tinha em mãos, ainda mistura tudo aos mangás orientais que se tornaram tão badalados no Brasil nos últimos anos. Definitivamente, não é um filme a ser pensado. Quase escrevi aqui que já de início você mata a história inteira. Mas não, cheguei à conclusão quase agora de que isso você pode fazer só pelo pôster. Acredito que se você encarar o pôster por alguns minutos, já terá visto quase tudo.

A direção compensa ser citada? Não tenho certeza nem mesmo se qualquer parte técnica dessa produção merece a citação. Marcus Figueiredo é o homem que tem dado vida aos últimos roteiros de Aragão, entre eles “Didi e o Caçador de Tesouros” e “O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili”. Falar de seu trabalho nas películas apontadas seria dar determinada importância ao que tem feito, e não sei até que ponto vale a pena. Resumindo: sabe aqueles brinquedos que vem dentro de uma caixa prestes a ser montado? Você não precisa pensar, ou questionar: basta seguir um padrão que está escrito na caixa, e no final das contas terá o que pagou para ver. Essa é a penosa direção de Figueiredo. Precisa dizer mais?

Pouco antes de conferir o longa-metragem (realmente longo nos seus noventa e cinco minutos de projeção), conversei com meu editor, que me passou algumas informações sobre a criação da trama. Entre elas, Diego Benevides me contou que antes de o projeto ser escrito, aconteceu uma pesquisa para ver o que as crianças queriam ver. “Queremos que o Didi faça um filme de ninja”, teriam dito em sua maioria. A produção acatou, estando Didi Mocó de acordo e apoiando a decisão.

Em seu 47° filme, talvez o que falte não seja uma pesquisa de público ou encontrar um novo dispositivo para contar suas histórias: talvez esteja faltando simplesmente quatro trapalhões nas telas, que provoquem risadas por apresentar quatro pessoas diferentes que tentam conviver e fazer coisas boas juntos. No fim, com todas as trapalhadas, risadas e acertos, eram passados conceitos para as crianças sobre generosidade, amor e humildade, através de comédia, aventura, romance e drama.

O que me leva a questionar: onde estão essas lições agora? Se as crianças de hoje dependem das tramas mirabolantes de Xuxa Meneghel e Renato Aragão, eu fico seriamente preocupada. E não são só conceitos: assim como dizem que a literatura infantil torna-se parte de quem aquela criança será no futuro, e também a incentiva a evoluir sua leitura, como ficarão essas crianças que crescem todo ano indo ao cinema vivenciar filmes com piadas xucras e sem valor algum? E que gosto terão elas pelo cinema nacional, se os exemplos que trazem da infância não são os melhores? Pode ser perfeitamente uma neurose pessoal, mas acredito que seja uma observação válida.

Nos últimos dez anos, se você viu um filme de Didi, você viu todos. É triste e constrangedor falar algo do tipo para alguém que fez parte da sua infância, mas talvez seja a hora do Renato Aragão tomar uma séria decisão: ou aposentar o personagem e a si, ou tentar encontrar uma fórmula que chame novamente a atenção das crianças – porque as de agora já começam a perceber que os filmes do comediante não são mais os mesmos. E olha, quando você não consegue levar no bolso nem mesmo as crianças, algo realmente está errado.

Beatriz Diogo
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