Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de junho de 2008

Incrível Hulk, O

Se você procura roteiros elaborados com múltiplas camadas de interpretação e personagens com um nível literário de complexidade, este filme talvez não seja o mais indicado. No entanto, se o que você gosta mesmo é de uma baita pancadaria, muita perseguição e uma dose balanceada de humor e romance, “O Incrível Hulk” foi feito, literalmente, sob encomenda para você.

Comprometidos com o entretenimento de massa, os Estúdios Marvel fazem uma clara tentativa de revitalizar uma franquia que começou em 2003 (ao menos comercialmente falando) com o pé esquerdo. O novo capítulo da série produzido inteiramente pelo estúdio (o filme anterior era uma co-produção com a Universal) pega carona no surpreendente sucesso de “Homem de Ferro” e reapresenta um dos mais populares heróis dos quadrinhos em uma versão recheada de testosterona do início ao fim.

As críticas mais severas à primeira introdução de “Bruce Banner/Hulk” ao século 21, dirigida com talvez excessiva sensibilidade por Ang Lee (indicado ao Oscar por "O Segredo de Brokeback Mountain"), referiam-se à falta de ação e ao excesso de diálogos longos e pesados com explícitas referências freudianas. Para dificultar ainda mais a identificação do cada vez mais tecnicamente exigente público alvo, os adolescentes, o filme sofria com os ambiciosos, mas ainda precários efeitos digitais.

A narrativa verborrágica de Lee foi substituída pelo frenético trabalho de câmera do francês Louis Leterrier, que assume a direção com dois fatores predominantes na bagagem: um raro talento na criação de elaboradas e empolgantes cenas de ação e uma declarada afeição pelo lendário seriado da década de 70 do herói que serviu de principal referência para o novo projeto.

Edward Norton (“O Ilusionista” e “Clube da Luta”) foi chamado para substituir Eric Bana como personagem central da trama, e não satisfeito com o roteiro, impôs a condição de reescrevê-lo para aceitar o convite. Liv Tyler calça os sapatos que antes eram de Jeniffer Connelly, William Hurt encarna o impetuoso General Ross e Tim Roth completa o elenco principal como o unidimensional e caricaturesco arquiinimigo de Hulk, chamado ironicamente de Abominável.

Para deleite dos fãs mais ardorosos não faltam participações especiais de velhos conhecidos como Stan Lee (criador do personagem e que sempre faz questão de dar as caras nas adaptações cinematográficas de suas criações) e do lendário e espantosamente ainda em forma Lou Ferrigno, que fazia dupla com Bill Bixby no papel principal da extinta série para a TV. Agora ele empresta a voz à versão monstro do herói com direito a uma participação relâmpago em uma das mais bem-humoradas seqüências da projeção.

O filme não perde tempo com exposições detalhadas e desde o início estabelece o conflito que permeará o restante da película. Contaminado por excessivas doses de raio Gama, Banner transforma-se em Hulk e escapa dos militares que o querem como arma. Refugiando-se no Brasil, ele luta para encontrar uma cura para sua estranha condição enquanto trabalha em uma fábrica de engarrafamento. As seqüências filmadas no Rio de Janeiro (na favela Tavares Bastos e no bairro de Santa Teresa e Lapa) são de especial interesse do público brasileiro já que parecem diretamente extraídas de sucessos populares recentes do cinema nacional como “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”.

O roteiro de Zak Penn (“X-Men – O Confronto Final”) com as pitadas de Norton não parece ser a maior preocupação da Marvel e os mais atentos poderão notar uma série de buracos e a escancarada influência de filmes como "King Kong" (assim como de qualquer história baseada na premissa de “A Bela e a Fera”) e mais recentemente de “Transformers”, especialmente na ruidosa, embora tecnicamente admirável, meia hora final.

O cinema vive, para o bem ou para o mal, a era dos filmes de super-heróis. A revolução dos efeitos digitais tornou possível alcançar um resultado visualmente satisfatório de qualquer adaptação dos quadrinhos para a telona, e os executivos dos grandes estúdios não perderam tempo. Uma grande parcela do faturamento bruto de Hollywood vem das aventuras dos super poderosos e suas infindáveis continuações. Uma vez estabelecido este padrão, surge a inevitável preocupação com o eventual desgaste da fórmula e a solução encontrada para atrasar este processo começa a ficar evidente na cena final do longa.

Com a inesperada aparição de outro carismático herói, os Estúdios Marvel inauguram a era da interação cinematográfica de suas franquias que visa à criação de uma espécie de “Olimpo contemporâneo” onde os “deuses” juntam forças para proteger a humanidade. Os fãs certamente agradecem enquanto o restante dos amantes da sétima arte acompanha sem muita expectativa o desfecho de uma das mais repetitivas fases que o cinema já vivenciou e que, ao que tudo indica, está apenas começando.

Sandro Casarini
@

Compartilhe

Saiba mais sobre