Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 06 de junho de 2008

Roma, Cidade Aberta

Uma das primeiras obras do movimento neo-realista, este corajoso filme do genial diretor Roberto Rosselini fora lançado logo após o final da Segunda Guerra Mundial, e retrata a resistência dos cidadãos italianos contra a invasão nazista no ano anterior.

Escrito por Sergio Amidei em colaboração com ninguém menos que Federico Fellini, “Roma, Cidade Aberta” é um filme sobre a segunda grande guerra que não se foca em atos grandiosos de heroísmo ou mesmo em figuras carimbadas do conflito, atendo-se aos “heróis desconhecidos”, pessoas comuns que sofreram com a ocupação alemã na metrópole italiana.

Logo de início, o longa nos alerta de que, apesar dos fatos mostrados em cena poderem remeter a figuras reais, nenhum indivíduo ou grupo de pessoas em específico fora tomado como base para o filme, mas que diversas pessoas iriam relacionar suas experiências pessoais durante aquele período turbulento com os eventos ali encenados.

O filme se passa no ano de 1944. Somos apresentados ao “engenheiro” Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), na verdade um membro proeminente de uma das organizações de resistência à invasão estrangeira. Manfredi está fugindo de um grupo de soldados nazistas, já que os homens do exército hitlerista haviam descoberto sua identidade real. Ao conseguir escapar, ele logo manda notícias a sua amante habitual, a atriz bela Marina Mari (Maria Michi) e se prepara para sair da cidade com a ajuda de Don Pietro Pellegrini (Aldo Fabrizi).

Paralelamente, acompanhamos os preparativos para o casamento de Francesco, um dos mais próximos amigos de Manfredi, que está para desposar a viúva Pina (Anna Magnani). O alvoroçado dia-a-dia da família da noiva consegue trazer um certo conforto para o cenário pessimista que toma conta do filme.

Por falar em pessimista, temos ainda os grandes antagonistas do filme. O grande oficial nazista Major Bergman (Harry Feist) tem como objetivo principal a prisão (e morte) de todos os rebeldes e comunistas em Roma, contando com a ajuda de seus homens e da perigosa espiã Ingrid (Giovanna Galletti), que possui uma estranha relação com Marina Mari. Tal conexão poderá significar a ruína para Manfredi e seus aliados.

Rosselini conduz seu filme com segurança. Contando com parcos recursos, já que a maioria dos estúdios foram destruídos durante a guerra, o cineasta teve de batalhar muito para ver o longa concluído. Tal esforço pode ser reconhecido nas diversas cenas externas, filmadas com um preciosismo único para a época, inclusive com uma belíssima fotografia.

O diretor mostra o melhor de sua forma em uma dramática seqüência que culmina na ruína do enlace entre Pina e Francesco. Tocante, real e devastadora, a cena é uma das mais fortes da produção e é emblemática para as dificuldades que aquelas figuras reais passaram.

Interessante notar ainda o desenvolvimento dado por Rosselini aos diferentes núcleos de personagens. Vemos nos cidadãos romanos o respeito pela família e pela figura da união. No entanto, o filme não esquece do clima de desconfiança geral entre os moradores da cidade, com diversas pessoas tendo passado para o lado dos invasores alemães.

Enquanto isso, do lado dos nazistas, a decadência, violência e o homossexualismo são características bastante presentes. A unidimensionalidade destes é gritante, não passando de vilões, com o público jamais conseguindo exergá-los como pessoas, a única falha do filme. Os atos por estes perpetrados durante segunda metade do filme são extremamente repugnantes, com destaque àquele que marca o clímax do longa.

Se utilizando tanto de atores profissionais quanto de diversos amadores, o filme possui atuações fortes, que apenas passam um pouco do ponto nos atores que interpretam os oficias do Reich. Mas este fato não impede Harry Feist de ter um dos diálogos mais memoráveis do filme, quando o seu personagem, o Major, tem uma conversa franca com Don Pietro Pellegrini. O religioso vivido por Aldo Fabrizi é, inclusive, outro dos grandes destaques da película, com Fabrizi dando uma interpretação inesquecível do piedoso religioso.

Chocante e devastador, “Roma, Cidade Aberta” é um dos melhores retratos em película do pesado período da Segunda Guerra Mundial, mostrando que, não importa quem vença um conflito, a família e os indivíduos sempre saem perdendo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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